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Ação policial visa ministro da Saúde francês e ex-membros do governo por gestão da Covid-19

Policiais franceses realizaram nesta quinta-feira (15) uma ampla operação de busca e apreensão de documentos e computadores nos domicílios e gabinetes do ex-primeiro-ministro Édouard Philippe, do atual ministro da Saúde, Olivier Véran, de sua antecessora, Agnès Buzyn, da ex-porta-voz do governo Sibeth Ndiaye, e mais dois diretores de órgãos do Ministério da Saúde. Eles são investigados na sequência de uma série de queixas por má gestão na epidemia do coronavírus.

Esta manhã foram feitas buscas na residência e no gabinete do Ministro da Saúde, Olivier Véran, como parte de uma investigação judicial aberta pela Corte de Justiça da República sobre a gestão da crise do coronavírus no país.
Esta manhã foram feitas buscas na residência e no gabinete do Ministro da Saúde, Olivier Véran, como parte de uma investigação judicial aberta pela Corte de Justiça da República sobre a gestão da crise do coronavírus no país. AP - Goeffroy van der Hasselt
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A operação policial desta quinta-feira está relacionada com uma investigação aberta em 7 de julho pela Corte de Justiça da República (CRJ), instância encarregada de julgar os crimes ou delitos cometidos por integrantes do governo no exercício de suas funções. De acordo com a legislação francesa, apenas o presidente Emmanuel Macron é protegido pela imunidade penal no exercício do mandato.

Nesse inquérito, os atuais e ex-membros do governo são suspeitos de "falta de ação no combate a um desastre", delito descrito no artigo 223-7 do Código Penal francês. Esse artigo afirma que "qualquer pessoa que voluntariamente se abstenha de adotar medidas que permitam, sem risco para si ou para terceiros, combater um desastre suscetível de criar perigo para a segurança pessoal deve ser punida". A pena prevista é de dois anos de prisão e multa de 30.000 euros.

Os policiais fizeram as apreensões acompanhados de técnicos em informática que os ajudaram a lacrar computadores. A CRJ busca indícios, que podem estar em relatórios confidenciais e mensagens trocadas por e-mail, que demonstrem o grau de conhecimento que os integrantes do governo tinham sobre a evolução da epidemia, e eventualmente não levaram em consideração. A falta de estoques de máscaras é o caso mais emblemático.

Desde o início da epidemia de coronavírus no país, a CRJ recebeu 90 queixas contra ministros e funcionários do alto escalão do Estado, mas apenas nove denúncias foram consideradas admissíveis pela Corte.

O ex-primeiro Édouard Philippe reassumiu o cargo de prefeito de Le Havre (noroeste) desde que deixou a chefia do governo, no início de julho. Segundo funcionários da prefeitura e da Câmara Municipal da cidade, as buscas realizadas nesta manhã ocorreram em uma atmosfera de "cortesia". Funcionários do Ministério da Saúde, em Paris, disseram que o acesso dos policiais aos gabinetes aconteceu "sem dificuldade".

"Sinal de independência"

O advogado Yassine Bouzrou, que defende várias famílias que entraram com ações contra o governo, disse à rádio France Info estar satisfeito com o ritmo das investigações. Ele representa os filhos de um homem que morreu em decorrência da Covid-19 e também o Sindicato da Polícia Vigi, que prestou queixa por falta de máscaras durante o confinamento, de meados de março a maio. Os agentes eram obrigados a patrulhar as ruas e aplicar multas aos infratores, mas realizaram esses controles sem máscaras, ficando sujeitos à contaminação. As duas denúncias foram consideradas admissíveis pela CRJ.

“Não pensávamos que haveria investigações tão rápidas e, sobretudo, tão importantes, uma vez que buscas nas residências e escritórios dos ministros não são triviais", comentou o advogado em entrevista à rádio France Info. Ele também considerou o momento – um dia depois de o presidente Emmanuel Macron anunciar um toque de recolher em Paris e mais 8 metrópoles francesas – "um sinal de independência" da Corte de Justiça da República. "É um bom sinal", estima Yassine Bouzrou.

Três médicos, integrantes do coletivo C19 e apoiados por mais de 600 funcionários do setor, também apresentaram queixa contra o ministro da Saúde. O advogado deste caso, Fabrice Di Vizio, considera que "o governo até agora não apresentou provas" de ter feito pedidos ou assinado contratos de compra de equipamentos de proteção necessários, como máscaras, para os profissionais sujeitos ao contágio. Esses três médicos também apontaram irregularidades nas ações de Agnès Buzyn e Édouard Philippe. O ex-primeiro-ministro e a ex-ministra da Saúde são investigados por "abstenção", um tipo de negligência por não terem tomado a tempo as medidas necessárias para conter a epidemia de coronavírus.

Além das queixas que tramitam na CRJ, o Ministério Público de Paris também abriu em junho uma ampla investigação preliminar sobre a gestão da crise sanitária. Este procedimento visa principalmente os delitos de "homicídio culposo" ou "colocar em perigo a vida de terceiros". Essa investigação "não busca definir responsabilidades políticas ou administrativas", explicou à época o procurador Rémy Heitz, e sim "trazer à luz possíveis infrações penais" dos decisores nacionais (exceto o chefe do Estado).

Greve nos hospitais

Além dos constrangimentos judiciais, o governo francês enfrentou nesta quinta-feira uma nova greve de médicos e enfermeiros de hospitais públicos e casas de repouso mantidas pela Seguridade Social. Em Paris, os profissionais se reuniram no bairro de Invalides, mas também houve manifestações em cidades menores, como Rouen, Besançon, Annecy, Chambéry e Saint-Etienne, entre outras.

A mobilização estava prevista desde o fim do verão, mas a afluência de pacientes com a Covid-19 nos últimos dias – 9.605 pacientes estavam hospitalizados nesta quinta-feira (+245 em 24h), sendo 1.750 casos graves em reanimação – reacendeu o temor de uma nova saturação nos hospitais. Médicos e enfermeiros afirmam ainda não estar recuperados do estresse enfrentado em abril e maio, no auge da primeira onda da epidemia.

Eles reivindicam contratações maciças de pessoal, uma revalorização substancial dos salários para atrair novos candidatos, apesar dos reajustes propostos pelo governo. "Sem uma ação forte das autoridades, a segunda onda da epidemia pode causar um desmoronamento do sistema de saúde e da ação social", alertaram as centrais sindicais CGT, SUD, o coletivo Inter-Urgências e a Associação de Médicos Urgentistas da França.

Em julho, o ministro da Saúde, Olivier Verán, anunciou um conjunto de 33 medidas para desafogar o sistema público hospitalar ao final de seis semanas de negociações. Entre as medidas acertadas, o ministro prometeu a contratação de 15.000 profissionais para os hospitais, reajustes nos salários e uma verba de 50 milhões de euros para reabrir 4.000 leitos que haviam sido fechados em 2018. Porém, os salários baixos e a dureza da profissão não têm atraído candidatos dispostos a enfrentar essas dificuldades. Mesmo abrindo vagas aqui e ali, os diretores de hospitais não encontram profissionais interessados nesse tipo de trabalho.

País ultrapassa 30.000 casos positivos em 24 horas

A França ultrapassou nesta quinta-feira 30.000 novos casos positivos da Covid-19 em 24 horas, um recorde desde o lançamento dos testes em massa. O número de casos confirmados subiu para 30.621, segundo a Agência de Saúde Pública. Mais 88 pessoas morreram em decorrência da infecção viral, elevando o saldo total de mortos para 33.125 desde o início da epidemia.

A principal preocupação das autoridades é com a gestão dos leitos de terapia intensiva, limitados a 5.800 em todo o território nacional. Nos últimos dias, os pacientes que necessitaram de respiradores também aumentaram: 226 na terça, 193 na quarta e 219 nesta quinta-feira. Este indicador é um dos mais monitorados pelas autoridades, que temem que os serviços de emergência acabem sobrecarregados.

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