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Guerra na Ucrânia: o difícil retorno à vida das viúvas de soldados ucranianos mortos no fronte

Kiev nunca revelou o número de suas perdas militares na guerra declarada pela Rússia, mas o jornal americano New York Times (NYT) estimou recentemente que 70 mil soldados ucranianos morreram desde o início da invasão. A guerra também deixa viúvas, com frequência mulheres muito jovens, que têm dificuldade em voltar à vida, em meio ao desinteresse de parte da população ucraniana pelo conflito.

A viúva de Oleksandr Makhov, soldado voluntário e célebre jornalista ucraniano, chora sobre o caixão do marido, em 9 de maio de 2022.
A viúva de Oleksandr Makhov, soldado voluntário e célebre jornalista ucraniano, chora sobre o caixão do marido, em 9 de maio de 2022. AP - Efrem Lukatsky
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Anastasia Becchio e Boris Vichith, enviados especiais da RFI a Kiev

No muro do mosteiro de Saint-Michel, de onde é possível avistar as fachadas barrocas azul-celeste e cúpulas douradas da construção, milhares de retratos estão alinhados: são homens em trajes camuflados, em camisas tradicionais ou camisetas, mortos em combate na guerra iniciada por Moscou.

Olena ainda não teve tempo de colar a foto de seu marido, Volodymyr Tchorny, que morreu em 9 de maio no fronte de Kremmina, na região de Lugansk, no leste do país. 

“O chefe dele me ligou para me contar. Não pude acreditar, foi tão terrível", lembra. "Com seu grupo, eles saíram às 5h para uma posição, mas às 5h30 um tanque avançou em sua direção. Os russos fizeram uma emboscada, eles não tinham como escapar. Todos que participaram desta expedição morreram. Infelizmente, ele foi enterrado em um caixão fechado. No necrotério, eles não quiseram nos mostrar", diz. 

“Muita gente está perdendo o interesse por esta guerra”

Como continuar a manter viva a memória de Volodymyr, que era pintor e se alistou no Exército nas primeiras horas da guerra? Essa é a questão que preocupa Olena. Ela está preparando uma exposição com suas obras e cursa medicina tática, uma especialidade voltada para conflitos. “Eu também tento me mobilizar, me tornar útil, porque a Ucrânia não é um país pequeno, mas comparado com a Rússia, somos pequenos. Portanto, devemos unir forças”, continua ela.

Os moradores de Kiev parecem não se perturbar com os alertas noturnos e ataques aéreos. Cafés e bares continuam lotados na cidade à noite. Mas para Ioulia, uma guarda de fronteira de 34 anos, a vida mudou. Desde a morte de Vadim, seu marido, no fronte de Bakhmout, no primeiro semestre deste ano, ela quase só sai para passear com o cachorro.

“Muitas pessoas estão perdendo o interesse por esta guerra”, disse ela. "Eu pude observar como as pessoas vivem, por exemplo, em Kiev ou no oeste da Ucrânia, porque trabalhei lá durante quase um ano e meio. Em Kiev ainda há operações militares, podemos ouvir explosões, mas na região oeste do país nem ouvimos isso. Eles realmente não entendem o que está acontecendo", diz.

“Não consigo mais me encaixar nesta vida de novo”

O sentimento de Ioulia é compartilhado por Alina, de trinta e poucos anos, cujo marido faleceu em fevereiro. “Não consigo mais me integrar nesta vida novamente. Tenho muita dificuldade em observar esses homens que não estão em guerra, que saem para passear com suas esposas e filhos. Por que é assim? Por que não é igual para mim? Eu não entendo", lamenta.

Em seu telefone, Alina guarda o vídeo do momento em que Serhii a pediu em casamento. Eles tiveram tempo de se casar graças a uma licença, mas Alina lamenta não ter realizado outro desejo do marido, que queria ter uma filha.

“Gostaria de dizer a todos aqueles que dizem, como nós dizíamos, 'faremos isso depois da guerra', que estão errados. Não, você tem que fazer tudo agora, porque pode não haver outro momento", diz. "Quando enterramos meu marido, seu túmulo ficava no início da Alameda dos Heróis. Agora, este corredor está cheio. Me dói ver o melhor de nós sendo morto. Nossa geração está dizimada. Na Alameda dos Heróis, perto do túmulo do meu marido, tem um menino nascido em 2002. O que ele teve tempo de aprender sobre a vida?".

A Ucrânia não revela o número de soldados mortos em combate, tampouco suas idades. Segundo a associação “Estamos Juntos”, que reúne mulheres que perderam os maridos, da qual Alina faz parte, das mais de 2.000 associadas, 7% têm entre 18 e 24 anos.

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