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Com pouca chuva, moradores das Ilhas Canárias coletam neblina para irrigação e até consumo

As Ilhas Canárias, arquipélago espanhol próximo da África, sofrem períodos de seca cada vez mais graves. Para minimizar o impacto da falta de chuvas, os moradores retomam uma técnica ancestral: a coleta da água de neblina.

Um coletor de neblina, na ilha de El Hierro, no arquipélago das Ilhas Canárias
Um coletor de neblina, na ilha de El Hierro, no arquipélago das Ilhas Canárias © RFI/Stéfanie Schüler
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Com informações de Stefanie Schüler, da RFI

Na ilha de El Hierro, a estreita rodovia atravessa uma floresta praticamente invisível em meio à espessa neblina que toma o território pelas manhãs. A visibilidade na ilha é de poucos metros.

"O protagonista disso tudo é o vento. Os ventos Alíseos sopram muito próximo à superfície do oceano por cerca de mil quilômetros. Esse ar fica carregado de umidade. Quando os Alíseos chegam à ilha El Hierro, a umidade se transforma em neblina", explica o guia Paulo Cosovel.

É essa espessa neblina que, em contato com a vegetação, se condensa e volta à forma líquida. Enquanto a ilha sofre com a falta de chuvas, que não caem durante todo o verão, as árvores sobrevivem com a umidade da neblina e, de suas folhas, escorre água.

É como se chovesse apenas sob às árvores. “E isso é o que garante a vida na ilha”, explica o guia.

No Pico de Malpaso, a 1.550 metros de altitude, uma dezena de barras de ferro fincadas no chão sustentam uma longa rede de proteção de malhas finas. A rede funciona como um coletor de neblina, uma tradição antiga na ilha.

Em contato com a rede, a neblina se condensa e a água escorre por uma calha até chegar a um reservatório.

"Essa água é usada para irrigar o viveiro de mudas da área, nas criações de gado, e também em caso de incêndios florestais", explica Samuel Gonzales, agente ambiental do governo de El Hierro.

Além disso, na cidade é possível comprar “água de neblina” em garrafas para beber.

Apenas no Pico de Malpaso são recolhidos por ano mais de 10 mil litros de água. E este é um dos cerca de 20 coletores de neblina espalhados pela ilha.

Uma técnica antiga

No século XV, relatos de colonizadores espanhóis que passaram por lá já dão conta das “árvores-fontes”, de onde “escorrem água captada na neblina pelas folhas durante o dia inteiro, uma água tão abundante que alimenta toda a ilha”.

Uma delas é considera a “árvore sagrada”, conhecida pelo nome de Garoé. O povo bimbache, comunidade tradicional das Ilhas Canárias, há séculos construiu um reservatório para recolher a água que escorre de suas folhas.

Esta árvore legendária é considerada o símbolo de resistência da ilha e sua imagem aparece, coberta por uma nuvem, no centro da bandeira de El Hierro.

No século XVII, um furacão arrancou a árvore que garantia a tradicional coleta de água. Mas, em 1949, um novo loureiro foi plantado no mesmo lugar e a água voltou a correr no antigo reservatório.

“A água sempre foi um problema para os habitantes da ilha”, comenta o guia Paulo Cosovel.

Essa experiência tradicional inspirou a criação de coletores de neblina, em 1960, no Chile. A ideia chegou ao Peru, ao Marrocos e hoje faz parte de um manual de boas práticas da União Europeia.

Samuel Gonzales, no entanto, tem dúvidas sobre o futuro dessa tradição nas Ilhas Canárias. “Alguns cientistas dizem que, com as mudanças climáticas, as Canárias podem perder os ventos Alíseos. Se isso acontecer, sofreremos com secas muito graves. Sem os ventos Alíseos, a gente perde toda a água da neblina, que é mais abundante do que a chuva aqui”, preocupa-se o agente ambiental.

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