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O Mundo Agora

Putin contraria sonho de Macron de construir uma Europa forte

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A França sempre teve uma atitude ambígua com relação à Rússia. Começou no século XVIII quando alguns intelectuais franceses do Iluminismo pensavam que os “bárbaros” russos eram um perigo mortal para a civilização europeia. E outros achavam que justamente por serem “bárbaros”, os russos iam trazer um sangue novo à velha Europa cansada. Até hoje essa polêmica continua igual: a Rússia é um inimigo “asiático” ou um membro pleno da comunidade das nações europeias?

O sonho do presidente francês em transformar a União Europeia em uma grande potência econômica e militar é contrariado pela Rússia e pelos Estados Unidos.
O sonho do presidente francês em transformar a União Europeia em uma grande potência econômica e militar é contrariado pela Rússia e pelos Estados Unidos. REUTERS/Yves Herman
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Paris sempre teve a tentação de jogar o que era chamada “a carta russa”. Uma política que visava utilizar Moscou para reequilibrar a relação de forças com a Alemanha. O maior protagonista moderno desse tipo de jogada foi o general Charles De Gaulle, desejoso de mostrar que a França ainda era uma grande potência, capaz de tomar decisões soberanas independentes apesar de sua relativa fraqueza geopolítica no mundo.

O general queria manifestar que mesmo sendo membro da Aliança Atlântica (OTAN), ele não era um simples vassalo dos Estados Unidos. Daí o desenvolvimento rápido de uma força nuclear autônoma para poder conversar com Washington e Moscou e discursar sobre uma Europa que iria “do Atlântico aos montes Urais”. Claro que não deu certo. A União Soviética da época estava muito mais interessada em dissuadir e conversar com o gigante americano do que com o anão francês.

A França, para os dirigentes soviéticos, só servia para tentar dividir os europeus entre si e a Europa dos Estados Unidos. Até Mikhail Gorbatchev, poucos meses antes da queda do Muro de Berlim, ainda tentou esse golpinho geopolítico propondo a criação de uma “casa comum” europeia junto com a Rússia como alternativa à OTAN.

Agora, quem tenta ressuscitar as velhas tentações francesas é o presidente Emmanuel Macron. O raciocínio é simples. A Rússia pós-Guerra Fria é só a sombra da potência antiga. Claro, ela continua sendo uma potência nuclear, mas a sua capacidade de intervenção convencional é bem mais limitada. Moscou não tem condições de enfrentar uma guerra aberta com o bloco ocidental. Portanto, recorre a ofensivas “híbridas”, com poucas forças uniformizadas e muitos mercenários ou milícias aliadas – e sobretudo no seu entorno geográfico imediato, na Ucrânia, Geórgia ou Síria. A demografia russa está em queda livre e a economia parece mais com a de um país subdesenvolvido dependente de matérias-primas e de venda de armas. Teoricamente, seria mais fácil negociar com Vladimir Putin.

EUA e Rússia manobram para enfraquecer europeus

No início do seu mandato, Macron pensou que iria amaciar o brutamontes Donald Trump. Mas hoje, não dá mais para tapar o sol com peneira: os Estados Unidos estão muito mais interessados em cercear o crescimento do poder chinês, e a política externa de Trump não é só cada vez mais unilateralista, mas até contrária à construção europeia. Na verdade, a União Europeia, fragilizada pelo Brexit britânico, está imprensada entre a hostilidade comercial americana e a vontade de revanche de Putin que não engoliu a perda do império soviético na Europa central e tenta dividir a Europa ocidental para restabelecer uma nova “zona de influência”.

Macron entendeu perfeitamente que o futuro de uma França soberana, líder política no continente, depende da possibilidade de transformar a União Europeia numa grande potência econômica e militar. Só que vários países europeus não acham nenhuma graça nessa visão. Sobretudo se tiverem de pagar a conta de um upgrade que faria da França – e sua força nuclear – líder incontestável da política externa da Europa.

Encontrar algum tipo de acordo com Putin para aliviar a pressão, tranquilizar os alemães e os países da Europa central, e ganhar tempo para construir essa Europa “potência” é o sonho do presidente francês que vem remando contra a maré. Só que há um pequeno problema: nem Trump nem sobretudo Putin estão a fim de dar uma colher de chá para Macron. Mas a velha ilusão da França com a Rússia continua vicejando.

Macron busca se aproximar de Putin, mas russo tenta dividir a Europa ocidental para restabelecer uma nova “zona de influência”.
Macron busca se aproximar de Putin, mas russo tenta dividir a Europa ocidental para restabelecer uma nova “zona de influência”. Abir SULTAN / POOL / AFP

* Alfredo Valladão é professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris e publica uma coluna de geopolítica às segundas-feiras no site da RFI

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