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O Mundo Agora

Rússia não aguenta confronto direto com ocidentais

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Tem cara e tem cheiro de Guerra Fria, mas não é. Antigamente, a União Soviética era uma potência mundial com vários aliados, cinturão do Pacto de Varsóvia e a força dos partidos comunistas fincados no seio das potências ocidentais. A economia era rústica, mas tinha alguns setores modernos e imensas riquezas energéticas e minerais que davam para manter o status do país.  

Presidente russo, Vladimir Putin, discursa durante um fórum de investimento, em Moscou. 12/10/16
Presidente russo, Vladimir Putin, discursa durante um fórum de investimento, em Moscou. 12/10/16 Sputnik / Kremlin / Alexei Druzhinin / via REUTERS
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Hoje, a Rússia tornou-se – com muita boa vontade – uma “potência média”. Claro, ainda possui poderio nuclear e militar, mas os aliados e os partidos comunistas desapareceram. A população russa está declinando irremediavelmente, a economia está em frangalhos por falta de investimentos e de inovação, mas também pela excessiva dependência com relação às exportações de matérias primas. O PIB da Rússia hoje é menor do que o da Itália ou até do Brasil em crise.

Moscou sabe que não tem condições de aguentar um enfrentamento generalizado com os “Grandes” do mundo ocidental. Em vez de Guerra Fria a coisa parece mais com “paz quente”. A ideia é utilizar taticamente os “buracos” deixados pelas divergências que sempre existiram entre os membros da aliança ocidental, para voltar a ser um interlocutor global sentado na mesa dos Grandes.

Sem armas econômicas ou ideológicas significativas, o Kremlin optou pelas demonstrações de força militares: a invasão da Geórgia e da Ucrânia, a anexação da Criméia, ou a intervenção na Síria com o projeto de instalar uma base naval permanente. Mas também as manobras militares na fronteira da Rússia com os países europeus, a instalação de mísseis com capacidade nuclear em Kaliningrado e as provocações permanentes dos aviões e navios de guerra russos no entorno europeu.

Cadê a estratégia?

Não há dúvida que Putin conseguiu colocar alguns piões em boas posições táticas no tabuleiro geoestratégico. Mas cadê a estratégia? Moscou perdeu o lugar que tinha na mesa do G-8, essa espécie de diretório informal dos assuntos estratégicos do planeta. Hoje, só se fala com a Rússia sobre as questões locais onde ela pode causar prejuízos: Síria, Ucrânia, Mar Negro.

Ninguém mais a convida para decidir os destinos do mundo. As sanções europeias e americanas decretadas depois da anexação da Criméia sendo estão restabelecidas ano após ano – um sério problema para a saúde econômica russa. Os investimentos estrangeiros e a tecnologia de ponta ocidentais, fundamentais para tirar a Rússia do buraco, escassearam de maneira brutal. Nenhum dos antigos membros do Pacto de Varsóvia quer saber de voltar a ser um súdito de Moscou.

A brutalidade das pressões contra os vizinhos da Europa do Leste só conseguiu reforçar governos ainda mais hostis, nos países bálticos, na Polônia ou na Romênia. Até a Alemanha, que sempre quis conversar, vem denunciando a política de Putin. E a tradicional amizade franco-russa virou coisa do passado. Quanto a ideia russa de estabelecer uma parceria de igual para igual com os Estados Unidos, ela está sendo soterrada pela ingerência dos hackers russos na campanha presidencial americana, pelas provocações semanais contra as forças da OTAN e a quebra cínica de promessas e acordos com relação aos combates na Síria.

"Paz quente" não é Guerra Fria

O resultado da habilidade tática de Putin é uma nova mobilização e um endurecimento das posições ocidentais contra a Rússia. E Moscou não tem mais aquela bola toda que tinha durante a Guerra Fria. O pavor de Vladimir Putin é que acabe acontecendo uma nova “revolução colorida” em Moscou. Manter-se no poder é o principal objetivo do autocrata do Kremlin. Daí esse militarismo e a propaganda nacionalista exacerbada, principalmente para segurar a situação interna.

O grande medo de Putin é a eleição de Hillary Clinton, que nunca escondeu que está disposta a peitar as provocações russas. Se os americanos voltarem para um clima de Guerra Fria, levando junto os aliados europeus, o governo russo não terá condições de aguentar, nem externa nem internamente. Só que uma Rússia enfraquecida e isolada pode escorregar feio. O momento é perigoso: “paz quente” não é Guerra Fria, mas pode descambar para enfrentamentos bem mais tórridos.

Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de politica internacional às segundas-feiras para a RFI Brasil

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