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Espanha/Política

Eleições legislativas: fim do bipartidarismo na Espanha

Mais de 36 milhões de eleitores espanhóis vão às urnas neste domingo (20) sem ter certeza de qual partido irá governar o país, tamanho o suspense sobre o resultado das urnas. No entanto, se as sondagens não falharem, a votação marcará o fim do bipartidarismo PSOE- PP e a entrada no parlamento das novas forças políticas do país: Podemos e Cidadãos.

Urnas sendo instaladas em Barakaldo, norte da Espanha, para as eleições legislativas.
Urnas sendo instaladas em Barakaldo, norte da Espanha, para as eleições legislativas. Foto: Reuters
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A emergência dos novos partidos, liderados por jovens abaixo de 40 anos, marca uma renovação na política espanhola, mas pode resultar numa fragmentação com risco de levar instabilidade ao país, segundo análises de cientistas politicos ouvidos pela RFI.

Para o professor de Ciências Políticas da Universidade Europeia de Lisboa, Fernando Ampudia de Haro, a possibilidade de escolhas entre pelo menos quatro legendas nas eleições é um marco histórico nos últimos 40 anos. "Pela primeira vez, desde a restauração do regime democrático na Espanha temos uma alteração do sistema partidário e uma possível fragmentação da representação política dos espanhóis", analisa. "Estamos no início da primeira concretização do fim do bipartidarismo político com essas eleições legislativas”, afirma.

Líder nas pequisas de intenção de voto, o Partido Popular (PP) dificilmente terá maioria absoluta para governar, ou seja, obter pelo menos 176 cadeiras de um total de 350 no parlamento. As estimativas indicam que o partido conservador, do atual chefe de governo, Mariano Rajoy, que tenta a reeleição, não teria mais de 130 deputados.

"Até a irrupção do Cidadãos, o Partido Popular assumia o arco ideológico da direita, que vai desde a direita mais liberal até a mais conservadora. A perda da maioria absoluta, se as sondagens estiverem certas, se deverá à transferência dos eleitores considerados mais centristas e moderados para o Cidadãos", explica Ampudia de Haro.

O primeiro-ministro e candidato à reeleição pelo conservador PP, Mariano Rajoy.
O primeiro-ministro e candidato à reeleição pelo conservador PP, Mariano Rajoy. Foto: Reuters

Partidos anti-austeridade

Até o último dia de sua campanha, Rajoy martelou que é o único capaz de garantir a estabilidade da Espanha no momento em que o país se recupera de uma grave crise econômica.

Os planos de austeridade aplicados durante seu mandato, que levaram a cortes de benefícios sociais e aumento de impostos, foram alvos não apenas dos tradicionais adversários socialistas. As medidas contribuíram para reforçar a expansão das novas legendas, que cresceram junto ao eleitorado atacando a ação do governo com discursos bem distintos.

O Cidadãos, que surgiu na Catalunha em 2006, tem no jovem Albert Rivera, de 36 anos, o projeto ambicioso de desalojar Rajoy do Palácio La Moncloa, sede do governo espanhol. Ele pretende aplicar sua agenda abertamente liberal, com a defesa de uma economia de mercado para gerar e distribuir riqueza.

Já o Podemos, da extrema-esquerda, aposta no carisma do líder Pablo Iglesias, de 37 anos, e em seu discurso de mais justiça social para assumir a chefia de governo, apesar da legenda ter sido criada há pouco menos de dois anos.

"Podemos tem origem na extrema-esquerda, mas no último ano mudou seu discurso para atingir o centro do sistema. Interessante foi ver a mudança de um discurso populista no começo, mais próximo da esquerda latino-americana, com referências à revolução, ao povo. Tudo isso ficou esquecido. Agora o partido fala de coisas mais concretas, do cotidiano das pessoas”, observa Ángel Rivero Rodríguez, cientista político e professor da Universidade Autônoma de Madri.

“O Cidadãos pede uma maior eficiência do sistema democrático e da economia para que produza riqueza e que seja distribuída para a população. Diante da crise, são duas posições distintas: uma que defende uma maior redistribuição e a volta aos princípios da velha social democracia, e, por outro lado, o grupo que defende maior eficiência na economia, porque não foi bem gerenciada pelos conservadores do PP, e se apresenta como uma alternativa mais inteligente”, completa.

Cartaz de Pablo Iglesias, fundador do partido Podemos.
Cartaz de Pablo Iglesias, fundador do partido Podemos. Foto: RFI Brasil

Estratégia de imagem

Os dois partidos, creditados com intenções de votos que variam de de 15 a 19%, desafiam também o tradicional Partido Socialista espanhol, que escolheu um candidato de 43 anos, Pedro Sánchez, para tentar voltar ao poder.

Um dos grandes desafios de Sánchez , segundo colocado nas pesquisas, foi justamente evitar durante a campanha eleitoral uma debandada ainda maior de parte dos eleitores  socialistas para os partidos que representam a nova geração política espanhola, na origem de outra grande transformação do cenário político.

"Essa estratégia dos novos partidos mostra a disposição clara de apresentar candidatos que representam uma ruptura da velha política, tradicional e esgotada", afirma o cientista político Ampudia de Haro. "Os partidos que querem ser neste momento uma alternativa para o Partido Popular assumiram a ideia de rompimento com a velha política, a começar pela própria imagem dos candidatos", diz.

Nova geração nasceu com a democracia

No comício de encerramento da campanha do Cidadãos, no centro de Madri, muitos jovens se disseram estimulados a votar pela primeira vez por ter visto em Albert Rivera uma verdadeira alternativa de mudança.

Alvaro, 18 anos, estudante de Administração, cita como exemplo a proposta de um contrato único de trabalho para estimular a geração de empregos. Apesar da queda de 26% para pouco mais de 20% atualmente, o desemprego é tido como a maior preocupação do país.

"As crises econômica, social e política afastaram muitos jovens da política. Estamos vivendo uma politização muito forte do sistema. Os jovens voltaram a participar e eles preferem as lideranças mais jovens”, explica o professor Rodríguez.

"A Espanha é um modelo de sucesso de democracia, mas diante das dificuldades, esses jovens não acham que têm uma democracia de qualidade e exigem uma representatividade diferente dos velhos partidos desse sistema", afirma.

Heloïse Nez, socióloga.
Heloïse Nez, socióloga. Foto: RFI Brasil

Quais alianças ?

A campanha terminou com as lideranças se recusando a indicar a postura que irão adotar após a votação.

A indefinição contribui para aumentar as especulações sobre o futuro de um governo em que o partido vencedor não terá maioria absoluta e dever buscar apoio..

"A questão das alianças vai se impor", explica a socióloga francesa, Heloïse Nez. Autora do livro Podemos (Ed. Les petits matins), a especialista não arrisca a dizer o que o partido de extrema esquerda pode adotar como estratégia.

"Podemos não disse o que vai fazer. Se olharmos as eleições regionais, eles se aliaram ao PSOE para permitir que os socialistas assumissem cargos. E o PSOE também se coligou com plataformas de esquerda que incluía o Podemos. Se isso vai se reproduzir a nível nacional é uma questão aberta", afirma.

Segundo Heloise Nez, o partido de extrema-esquerda surgiu com a proposta clara de conquistar as eleições legislativas e lembra que um dos slogans de campanha é ‘por esse momento é que surgimos’. "Ao destacar a importância dessa eleições, o resultado das urnas vai provocar um grande impacto para o futuro do partido, como ele vai evolui", afirma.

"A questão será saber qual será o objetivo seguinte. Em função do resultado da votação, deverão definir o cenário político que vão ocupar e a nova estratégia a seguir: se irão optar por alianças ou se ficarão na oposição ?", indaga.

Cenário indefinido

"Estamos confrontados com um cenários de acordos. É complicado prever porque muitas posições serão divulgados dependendo do resultado da votação. O interessante desta eleição é que o cenário está muito aberto", reforça  Ampudia de Haro.

Para o professor da Universidade Autônoma ed Madri, será mais fácil ver uma união entre Mariano Rajoy e Albert Rivera. "Não é muito simples, mas os dois partidos de direita teriam mais condições de se coligar. Na esquerda é mais difícil. As diferenças entre PSOE e Podemos é maior do que entre PP e Cidadãos", estima.

Segundo seus cálcaulos eleitorais, baseados em recentes sondagens, para os socialistas e o Podemos poderem governar, seria preciso contar ainda com os votos do Cidadãos. "A ideia de uma coalizão de três partidos perdedores não é comum na Espanha. Para esses partidos seria uma degradação de sua imagem pública", prevê.

O analista também não descarta ainda uma cenário em que uma vitória fraca do PP poderia levar a um bloquio político. " Há o risco de uma incerteza política que seria negativa para a economia e também o risco de uma polarização, com o uso de uma violência verbal nos discursos políticos como vistos durante a campanha", diz, em referência ao debate em que Pedro Sánchez acusou Rajoy de não ser uma pessoa "decente".

"Por um lado é interessante e positivo o fenômeno do interesse renovado pela política espanhola, o que aumenta o nível de exigência em relação aos políticos", completa.

 

 

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