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Radar econômico

Dólar não deve baixar de R$ 5 tão cedo, dizem especialistas

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O real foi a terceira moeda que mais se desvalorizou no mundo em 2020, ficando atrás apenas das divisas da Zâmbia e Venezuela. Na opinião de especialistas ouvidos pela RFI, o dólar caro veio para ficar e não deve baixar tão cedo a barreira de R$ 5.

O real é a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar em 2020.
O real é a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar em 2020. REUTERS - Ricardo Moraes
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A crise econômica mundial gerada pela pandemia, a queda da demanda internacional e as incertezas em relação às eleições americanas são alguns dos fatores externos que influenciam na  fuga do capital estrangeiro do Brasil, deprenciando a moeda nacional. O professor de Economia da Unicamp Francisco Lopreato não vê razões para uma mudança do panorama a médio prazo.

"Hoje, olhando para um futuro mais próximo, não vejo um câmbio muito abaixo de R$ 5 por dólar. Pode cair ou aumentar um pouco, mas é bom se acostumar com o câmbio a R$ 5”, indica Lopreato.

A crise afeta profundamente a atividade econômica dos principais compradores do Brasil – em especial o seu maior parceiro comercial, a China. O marasmo gerado pela pandemia paralisou os investimentos diretos e levou os investidores a buscar refúgios em moedas mais seguras, explica Julimar Bichara, professor de integração monetária e desenvolvimento econômico da América Latina na Universidade Autônoma de Madri, na Espanha.

"Todos esses fatores são muito preocupantes e fazem com que a gente, quando olha o futuro, não  perceba nenhum ponto de inflexão. Esse ponto depende muito do fator exterior: se a pandemia for solucionada rápido, a China voltar a crescer a 10% – e não ficar a 2%, como agora –, e a União Europeia e os Estados Unidos também retomarem”, pontua Bichara.

Operadores da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), em 29 de outubro de 2018.
Operadores da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), em 29 de outubro de 2018. AP - Victor R. Caivano

Pior desvalorização entre emergentes

Um levantamento da agência de riscos brasileira Austin Rating indicou que, entre os países emergentes, o real foi o que mais caiu de janeiro a setembro, com uma desvalorização acumulada de 28,5%, atrás da lira turca (23,1%) e o rublo russo (19,9%). E essa queda não surpreende os analistas.

A economista ligada à Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) Daniela Magalhães Prates nota que o alto grau de abertura financeira do país deixa o Brasil vulnerável a saídas súbitas de capital, que impactam no câmbio. Os juros historicamente baixos, a 2% ao ano, favorecem ainda mais esse cenário.

Daniela Magalhâes Prates
Daniela Magalhâes Prates © Arquivo Pessoal

"Você está com um diferencial de juros muito baixo, e ele é um fator importante não só para a entrada de capitais em títulos públicos, mas para as apostas na apreciação do real. O patamar atual dos juros pode, realmente, estar tendo um papel em o Brasil continuar nessas posições recordes de depreciação”, afirma a especialista em fluxo de capitais e sistema monetário e financeiro internacional.

Daniela avalia que a política expansionista do Banco Central tende a permanecer, ao mesmo tempo em que não visualiza um plano para estimular o crescimento econômico do país. Neste contexto, a curto prazo, a economista tende a apostar mais num dólar a R$ 6 do que em R$ 4,90, como esperam os analistas mais otimistas.

"A taxa de câmbio, essa depreciação, vai acabar batendo na inflação e eles vão ter que acabar aumentando a taxa de juros. Tendo um aumento que eleva o diferencial do Brasil em relação aos outros países, também influencia perspectiva de alta das ações, já que a Bovespa também se desvalorizou muito neste período”, destaca a especialista. "É muito difícil fazer projeção de câmbio, mas eu acho que não dá para dizer que não haverá outra apreciação – exatamente porque o Brasil é muito aberto e está vulnerável a apostas favoráveis."

Instabilidade interna também contribui

O Brasil se tornou dependente demais da conjuntura externa, mas para Julimar Bichara, os fatores internos também devem continuar a abalar a confiança em relação ao país. As reformas prometidas para equilibrar as contas públicas não saíram, em meio a uma relação desgastada entre o governo federal e o poder Legislativo.

"Há quase uma década, o quadro político é de instabilidade, que não contribui a gerar confiança e certeza na atividade econômica. Não tem perspectiva de os fatores internos mudarem: apenas a esperança de que os externos melhorem”, resume o professor da Universidade Autônoma de Madri.  "Temos um quadro fiscal preocupante. A dívida interna e do governo cresceu muito nos últimos anos e demanda uma série de reformas que não foram feitas. Ninguém quer emprestar para um país que se acha que não vai poder pagar.”

A perspectiva de dólar caro não traz só más notícias: o setor exportador e a indústria nacional se beneficiam, ressalta Lopreato. "Nós tivemos um sério problema de câmbio desde o Fernando Henrique, passando por Lula: foram mais de 20 anos de um câmbio bastante valorizado, que teve consequências significativas para o setor industrial", analisa. "A indústria brasileira perdeu muito, com vários setores fechando ou passando a ser fortemente importadores”, relembra. "Certamente, o câmbio lá de trás estava muito errado, e agora está desvalorizado demais – mas eu prefiro assim do que antes. Entre R$ 3,5 e R$ 4 seria o mais razoável”, sublinha o professor da Unicamp.

A queda acentuada do real brasileiro começou junto com a pandemia. Em janeiro, o dólar valia R$ 4,20. Agora, oscila em torno de R$ 5,55.

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