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Berlinale 2023: longa brasileiro “O Estranho” relaciona conflitos de identidade a invasões de territórios indígenas

O longa “O Estranho”, de Flora Dias e Juruna Mallon, estreia nesta segunda-feira (20) na mostra Forum do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Através de personagens retratados de forma documental, o filme propõe uma reflexão sobre a apropriação de espaços indígenas e mostra a busca das origens como um ato de resistência.

Cena do longa "O Estranho", de Flora Dias e Juruna Mallon, em competição na mostra Forum na Berlinale 2023.
Cena do longa "O Estranho", de Flora Dias e Juruna Mallon, em competição na mostra Forum na Berlinale 2023. © Divulgação
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Daniella Franco, enviada especial da RFI a Berlim

Alê é funcionária do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e marcada por perdas ao longo da vida (da mãe, da irmã, da casa de sua família), busca incansavelmente “tesouros” em malas alheias. Nas horas vagas, se aventura pela natureza, onde o contato com a terra e a água parece aliviar o vazio das ausências e injustiças do passado.

O trabalho de Flora Dias e Juruna Mallon é resultado de uma longa pesquisa que teve início em 2014. O filme – extremamente reflexivo e sensorial – vai sendo desenhado através da conexão das experiências de Alê (vivida pela atriz Larissa Siqueira) com as camadas desenterradas da história do território de Guarulhos.

Não por acaso o título do filme em inglês é The Intrusion (a intrusão) – fenômeno geológico em que camadas rochosas se rompem, expandindo-se à superfície. “Sinto que é um pouco o que a Alê faz: ela vive essas camadas e esses diferentes tempos. Ela tem essa sensibilidade, essa abertura com a natureza e outros seres, evocando essa intrusão, essa erupção da memória do próprio território”, aponta Flora.

“A memória emerge de várias formas: nem sempre lembrar é um exercício mental”, indica Juruna. “A memória está no corpo, no toque, no sentir. E o filme trabalha bastante essa dimensão do gestual, do caminhar, do olhar”, diz, em referência às vivências da personagem principal.

Os diretores do longa "O Estranho": Juruna Mallon e Flora Dias.
Os diretores do longa "O Estranho": Juruna Mallon e Flora Dias. © Daniella Franco/RFI

Causa indígena: das injustiças à reviravolta

Estranho ou intruso, o aeroporto abre um canal para a denúncia da invasão do território indígena local, interrompendo o percurso natural de gerações. No roubo desse espaço, personagens apresentados ao longo do filme – fictícios ou não – expressam o desamparo gerado pelos laços cortados à força com a terra e os ancestrais.

Embora essas dores e vitórias de indígenas e afrodescendentes sejam conhecidas e inerentes à história do povo brasileiro, o convite à reflexão feito em “O Estranho” é um reforço necessário, em uma época em que tragédias como a recente crise humanitária dos Yanomamis continuam ocorrendo.

O poético desfecho do longa, no entanto, é uma aliviante reviravolta. “Os povos indígenas sofreram tanto apagamento, tanto silenciamento, mas renascem todos os dias. O filme é sobre isso, sobre essa persistência”, ressalta a cineasta.

Para os dois diretores, o longa evoca sofrimento e injustiça históricos, mas também enfatiza a ascensão dos povos autóctones brasileiros a espaços de poder e arte. “Isso está no filme porque está nas nossas vidas”, diz Flora, antes de concluir citando uma frase da ministra brasileira dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara: “Nada sobre nós sem nós”.

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