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Mecenas brasileira denuncia sectarismo de Palais de Tokyo no conflito Israel-Hamas e rompe com museu francês

A decisão bombástica da colecionadora de arte contemporânea Sandra Hegedüs criou polêmica na cena cultural francesa e europeia e viralizou nas redes. A mecenas brasileira, uma das mais influentes da França atualmente, denunciou uma "postura ideológica" da atual programação do Palais de Tokyo, "pró-Palestina e anti-Israel", e anunciou sua demissão do conselho de administração do Círculo de Amigos do museu francês, que é uma instituição pública.

A mecenas e colecionadora brasileira Sandra Hegedüs.
A mecenas e colecionadora brasileira Sandra Hegedüs. © Sylvia Galmot
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A paulistana Sandra Hegedüs, radicada na França há mais de 30 anos, começou a colecionar obras contemporâneas nos anos 2000, com um especial interesse por artistas de países emergentes. Em 2009, lançou a Sam Art Projects, uma fundação sem fins lucrativos, bancada com recursos próprios, para impulsionar artistas fora do eixo Europa-Estados Unidos, “sem distinção de origem, religião ou posição política”, garante. Desde essa época, começou a colaborar com o Palais de Tokyo, expondo no templo parisiense da arte contemporânea as obras dos artistas contemplados pela Sam Art Projects.

A recente orientação “política e ideológica” da instituição levou a mecenas, filha de judeus húngaros, a interromper essa colaboração na qual investiu “milhares de euros”. “Diante da pressão do movimento woke na cena cultural hoje, eu me recuso a aceitar uma segregação invertida que é tão detestável quanto a segregação que combati a vida inteira”, escreveu Sandra Hegedüs em um comunicado enviado à RFI.

Ela denuncia “uma postura ideológica, que, alegando defender os palestinos, quer claramente exterminar meu povo” e diz que não é masoquista para “continuar ajudando e defendendo financeira e moralmente esse neonazismo antissionista abjeto”.

“Exposição de propaganda”

Em causa, a última exposição no Palais de Tokyo sobre a Palestina, “uma exposição de propaganda e não de arte”, afirma em entrevista à RFI. Sandra Hegedüs anunciou sua decisão de parar de apoiar financeiramente o Palais de Tokyo em sua conta no Instagrem e a notícia teve o efeito de uma bomba.

Em menos de uma semana, o post tinha recebido quase 130 mil likes e 500 comentários. Ela recebeu vários apoios, mas também críticas. O jornal Libération disse que a decisão da colecionadora brasileira criou polêmica e dividiu o meio artístico. Ela foi a primeira a sacudir a cena cultural francesa que “até agora tinha ficado de fora das tensões provocadas pelo conflito israelo-palestino”, escreveu o jornal.

“Eu sou brasileira. Eu não entendo muito bem os códigos e eu faço como eu acho. Eu estava muita aflita de estar conectada com esse lugar e de não estar de acordo com esse lugar. Eu queria significar o meu desacordo e parece que eu fui a primeira a fazer”, justifica.

Leia os principais trechos ou clique na foto principal para ouvir a entrevista de Sandra Hegedüs.

RFI: Por que que você tomou essa decisão de deixar o conselho de administração do Círculo dos Amigos do Palais de Tóquio, onde você colaborava há mais de 15 anos?

Sandra Hegedüs: Porque a gente tem que estar de acordo com suas convicções. Quando a gente apoia financeiramente, moralmente, com ações, com qualquer tipo de apoio, você está apoiando algo que você defende. Se você não defende o projeto, então, você tem que parar de apoiar.

O que nesse momento te impede de continuar essa colaboração? Quais são as razões para essa decisão?

Eu não estou de acordo com a nova programação, com o jeito que as coisas são feitas no Palais de Tokyo. Eu prefiro apoiar outra coisa, fazer outra coisa com o meu tempo, o meu dinheiro, a minha pessoa, do que apoiar algo com o qual eu não estou de acordo. É o meu dinheiro. Eu sou uma pessoa livre, né? A gente está livre de dar o que a gente quiser dar para quem a gente quer, ou não.

O Palais de Tokyo sempre foi identificado com a esquerda. Você diz que a posição política hoje da instituição não é a sua. O que te incomoda na posição atual? O que mudou no Palais de Tokyo para você tomar essa decisão?

A esquerda mudou, ficou muito mais radicalizada, apoiando coisas que eu não posso apoiar, como o islamismo, como terrorismo, esse tipo de coisa. E eu quero me desconectar disso tudo. Eu não posso apoiar esse tipo de discurso radical.

A esquerda hoje é mais antissemita do que antes?

Muito mais, muito mais.

Como você definiria esse momento hoje na França entre os defensores da causa Palestina e da causa israelense?

A gente pode ter a nossa opinião, mas a gente não pode discutir dando uma lição, porque a gente não é, nem você nem eu, especialistas em Oriente Médio. Mas eu acho que tem um endoutrinamento, uma radicalização e muita propaganda anti-Israel de gente que não conhece a história e está fazendo um revisionismo histórico.

Mesmo sem falar da história, que é longa e a gente pode passar horas discutindo sobre isso, o fato de pedirem um cessar-fogo só para Israel, sem pedir para o Hezbollah ou para o Hamas, é muito estranho porque eles também estão lançando bombas todos os dias contra Israel. Vocês não falam disso, a mídia não fala disso. Tem pessoas no norte e no sul de Israel que não podem reintegrar as casas delas por perigo de guerra, porque estão sendo bombardeadas todos os dias. Tem também os reféns e ninguém fala (mais) do massacre que começou essa guerra. O cessar-fogo existia antes do dia 6 de outubro. Israel não tinha atacado ninguém. Israel não quer guerra, não quer atacar ninguém. Mas Israel foi atacado no dia 7 de outubro.

E ninguém sabe ao certo quantos reféns israelenses ainda estão vivos...

Isso. Então, tem uma certa esquerda que eu não consigo entender, que considera legítimo esse ataque a Israel. Eu não posso considerar isso legítimo. Então, tenho que me desconectar disso tudo. Quando a gente defende um massacre, um pogrom, o rapto de civis, o que constitui um crime de guerra; quando feministas que não falam de mulheres que foram estupradas com tanta violência que tiveram suas pélvis quebradas, mulheres que foram queimadas vivas, que foram cortadas em pedaços, famílias inteiras queimadas vivas etc. Tem algo de muito estranho nisso tudo que eu não consigo entender.

Mas mesmo a esquerda israelense critica a reação do governo de Netanyahu...

A gente pode criticar qualquer governo, porque a gente está numa democracia. Israel é uma democracia. A esquerda critica a direita, como a direita critica a esquerda. Isso se chama democracia. Quando tiver eleições democráticas em Israel, o povo vai votar e um novo governo vai ser eleito. É assim que funciona uma democracia. Esse não é o caso do Hamas que foi eleito em 2006, eu acho, e nunca teve outra eleição, inclusive eles assassinaram todos os opositores políticos. Então, é uma ditadura. Aliás, todos os países em volta são ditaduras. Israel é a única democracia do Oriente Médio. Que a gente pode criticar, pode, mas criticar a existência do Estado de Israel não pode. Aí já é antissemitismo.

Você tem sido criticada nas redes sociais por essa posição?

Claro! Eu tenho minhas opiniões, outras pessoas têm outras opiniões. O problema é a violência. As pessoas não sabem mais discutir e aceitar que a gente pode pensar diferente. Você pode pensar de um jeito, eu posso pensar de outro, mas eu não vou te atacar, eu não vou ser grosseira nem violenta com você.

A reação à sua decisão aqui na França foi grande. O jornal Libération diz que foi a primeira tomada de posição sobre a politização do conflito entre Israel e o Hamas no mundo da arte. Você é a primeira do mundo da arte a ter essa reação aqui na França e em outros países?

Fui a primeira (risos). Eu sou brasileira e às vezes eu faço as coisas sem saber que eu sou a primeira. Eu não entendo muito bem os códigos e eu faço como eu acho. Eu estava muita aflita de estar conectada com esse lugar e de não estar de acordo com esse lugar. Eu queria significar o meu desacordo e parece que eu fui a primeira a fazer. Está saindo artigo na Alemanha, na Itália, na Inglaterra, nos Estados Unidos. Eu nem entendo, porque eu nem estou falando com essas pessoas. Virou viral, sabe?

No artigo do Libération, tem muitas coisas inexatas. Eles infelizmente não falaram comigo. Falaram com a contabilidade do Palais de Tokyo, que falou que eu dava € 20.000 para eles. É completamente falso. Eu nunca dei € 20.000 para o Palais de Tokyo. Esse é o valor (anual) do prêmio SAM que eu dou para o artista e depois a gente faz a exposição no Palais de Tokyo. As exposições da SAM têm uma contabilidade da SAM, a gente não dá o dinheiro para o Palais de Tokyo pagar as coisas, a gente administra tudo.

O Palais de Tokyo é um parceiro...

É um parceiro. A gente dá tudo pronto. Quando a exposição está pronta, eles não pagam um centavo do conteúdo da exposição. Toda a contabilidade é da SAM. A gente paga tudo. Então, não é € 20.000.

Em números, qual é o valor dessa sua colaboração com Palais de Tokyo nesses 15 anos?

Ah, centenas de milhares de euros, talvez até chegando a € 1 milhão. Somas enormes.

O ataque do Hamas contra Israel foi horrível e tem de ser denunciado, mas tem as consequências terríveis dessa guerra para a população civil Palestina...

Primeiro que os números são falsos. A TV Al Jazira, que é a rede do Catar, já admitiu, não tem 30.000 mortos. Os combatentes do Hamas não usam uniforme, então eles contabilizam como civil. Segunda coisa, qualquer guerra é horrível. Ninguém quer uma guerra, ninguém pessoas mortas. Mas, o melhor para não ter uma guerra é não começar uma guerra. Eles começaram uma guerra. Israel não começou essa guerra. Israel está defendendo o seu povo. Quando teve a guerra contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria, (houve) 500.000 mortos, muito pior. Ninguém saiu na rua protestando. Guerra é horrível, mas tem que tomar cuidado com antissemitismo e antissionismo básico. Sionismo não é um palavrão. Sionismo significa literalmente o direito ao povo judeu a sua autodeterminação na sua terra de origem. Essa guerra pode terminar em cinco minutos se o Hamas entregar os reféns e se render.

Se isso acontecer, a solução duradoura seria dois Estados?

Sim, mas eles têm que aceitar. É que eles não aceitam. Vocês têm que ter noção de que a solução de dois Estados foi proposta várias vezes e não é aceita pelos árabes. Eles não aceitam a existência de Israel. Como é que você consegue negociar se a pessoa na sua frente não quer negociar? As pessoas de Israel dariam tudo para eles aceitarem e acabar com essa história. Eles não aceitam. É só ir no Google. Se você olhar o estatuto do Hamas, está escrito claramente. A ideia não é uma solução a dois Estados. É a eliminação de Israel, depois de todos os judeus do mundo e o estabelecimento de um califado. Está escrito! Não está escondido.

Os judeus recuperaram suas terras ancestrais. Hoje, todo mundo está de acordo que temos de dar valor a esse tipo de coisa (recuperação das terras ancestrais) menos se for judeu, então, tem um problema de antissemitismo. E esse discurso dessa nova esquerda é completamente antissemita. Por isso, eu quis mostrar o meu desacordo porque tem um grande revisionismo histórico nisso tudo que é complicado.

Você sempre apoiou artistas sem distinção de religiões, posições políticas e gêneros. Depois dessa decisão atual, você vai continuar apoiando indistintamente os artistas?

Para te dar um exemplo, você vai no meu site (Samartprojects) e vai ver uma diversidade total. Pessoas que são super anti-Israel, antitudo, BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções contra o governo de Israel). Apoiei e fiz. Hoje, esse ano, eu tenho duas residentes. Uma é a EFE Godoy, que é uma artista trans brasileira maravilhosa, que expõe atualmente em Paris e representa uma diversidade. A outra é a Adriana Minoliti, que também vem da comunidade queer e que é super anti-Israel. Eu vou fazer um projeto com ela em Le Havre. Ela é uma artista maravilhosa, eu gosto muito do trabalho dela, mas ela é anti-Israel. O que você quer que eu faça? Não vou fazer o projeto? Vou fazer o projeto, só que ela vai fazer arte, ela não vai fazer conflito. O meu problema com o Palais de Tokyo é que é uma exposição de propaganda, não é uma exposição de arte. E eu vou apoiar a exposição de Adriana Minoliti, que assinou a carta contra Israel e tem o pensamento dela. Ela está chegando em junho. É isso que eu apoio, excelentes artistas. Eu não vou fazer censura no que eles pensam. Eles fazem projetos maravilhosos e é isso que conta. A gente tem que ter o direito de não estar de acordo sem fazer apologia e, sobretudo, apologia partidária, unilateral, sem escutar o outro, sem entender o outro, sem conhecer a história do outro e contando outra coisa.

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