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Berlinale 2023: “Propriedade”, de Daniel Bandeira, evoca thriller diário vivido por oprimidos no Brasil

Racismo, desigualdade social, luta de classes: o longa dirigido e escrito por Daniel Bandeira leva problemas-chave da sociedade brasileira à 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Por meio de uma trama angustiante, grande concorrente da mostra Panorama, o cineasta pernambucano aborda as consequências dos séculos de opressão no país.

A atriz Malu Galli interpreta a personagem Teresa no longa-metragem "Propriedade", de Daniel Bandeira.
A atriz Malu Galli interpreta a personagem Teresa no longa-metragem "Propriedade", de Daniel Bandeira. © Divulgação
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Daniella Franco, enviada especial da RFI a Berlim

“Existem camadas de escravidão que vão se acumulando e que chegam ao presente por meio de uma relação de trabalho muito desigual e que já pressupõe uma hierarquia social muito dura”, afirmou o diretor após a projeção do filme neste sábado (18), em Berlim. “Esse thriller diário, a gente já vive, de uma certa maneira, e a gente só transpôs ele para o cinema”, reiterou.

O longa-metragem narra a revolta de trabalhadores rurais de uma fazenda no interior do Estado de Pernambuco, após décadas de exploração. A tensão gradual, impulsionada pela performance impecável do elenco, evolui de forma surpreendente, tirando o fôlego do público.

O lado do opressor é representado por um casal da elite recifense: Roberto, interpretado por Tavinho Teixeira, e Teresa, vivida por Malu Galli. Ele, pai amoroso e marido dedicado, mas implacável com os funcionários que serviram sucessivas gerações de sua família. Ela, uma estilista traumatizada que não consegue superar a experiência de ter vivido um violento e trágico assalto.

A insurreição dos trabalhadores não apenas é compreensível, como necessária: eles são repentinamente demitidos da fazenda onde, junto às suas famílias, foram injustiçados durante décadas. Não há dificuldade para o espectador se render à causa do coletivo: os funcionários exigem uma simples indenização ou o direito de continuar trabalhando no local que será vendido e transformado em um hotel. Mas nenhuma chance de negociação lhes é oferecida.

O proprietário é inflexível e impiedoso, não cede nem no momento em que começa a ser submetido a violências. Mas Bandeira é habilidoso ao fazer o público oscilar entre os dois campos e se dobrar ao universo do opressor com o drama da frágil Teresa. Trancada na bolha de seu trauma, ela se mostra catatônica diante do cenário de exploração e se torna uma presa fácil dos oprimidos.

O diretor Daniel Bandeira e a produtora Kika Latache.
O diretor Daniel Bandeira e a produtora Kika Latache. © Daniella Franco/RFI

Violência justificada?

Quando a radicalização dos insurgentes não parece jamais chegar ao ápice, uma questão vem à tona: a violência do lado do afligido é sempre justificada? O diretor esconde a última peça deste quebra-cabeças.

“Quem determina esses códigos morais?”, devolve. “O quanto eu preciso apanhar para poder revidar? E de que maneira eu posso revidar para que a minha revolta seja considerada digna?”, questiona Bandeira sem elucidar a questão.

No entanto, para o diretor, neste thriller que é claramente uma alegoria da sociedade brasileira atual, não há dúvidas: sem negociação, não restam chances a nenhum dos lados. “A gente precisa entender o que é necessário para que essa possibilidade aconteça”, diz.

Baseada no desfecho de “Propriedade”, fortemente aplaudido em Berlim, a complexidade do processo é evidente. “Para começar, eu acho que a gente precisa de tempo, a gente precisa de gerações para poder reverter conceitos que vão resultar em uma reconciliação. Eu só espero que a semente que estão plantando hoje sirva para refundar a sociedade, mas nunca esquecendo a história que nos trouxe até aqui”, conclui Bandeira.

Cartaz do longa-metragem "Propriedade", de Daniel Bandeira.
Cartaz do longa-metragem "Propriedade", de Daniel Bandeira. © Divulgação

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