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Saúde em dia

Pesquisa de neurocientista francesa descreve registro da memória emocional durante sono

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A maneira como o cérebro registra a memória de nossas vivências e emoções é, há vários anos, objeto de estudo de neurocientistas em todo o mundo. A pesquisa fundamental em torno desse órgão, o mais misterioso do corpo humano, e a compreensão de alguns de seus mecanismos específicos, acontece longe da repercussão midiática que cerca, por exemplo, a descoberta de medicamentos ou soluções concretas a curto prazo para nossos males.

A neurocientista francesa Gabrielle Girardeau analisa os registros da atividade neuronal dos camundongos que participam de sua experiência
A neurocientista francesa Gabrielle Girardeau analisa os registros da atividade neuronal dos camundongos que participam de sua experiência © Arquivo pessoal
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Este é o caso do trabalho realizado pela neurocientista francesa Gabrielle Girardeau, do Inserm (Instituto Nacional de Pesquisas Médicas). Ela coordena uma equipe no Insituto Fer à Moulin, no 13º distrito de Paris, que desde 2018 estuda a atividade neuronal durante o sono, que consolida a memória emocional.

“No homem, toda memória é um pouco emocional, porque guardaremos, a longo prazo, o que gerou emoções, sejam positivas ou negativas”, diz. A equipe da pesquisadora francesa se interessa especificamente ao “diálogo” entre duas partes do cérebro enquanto dormimos: o hipocampo, que tem um papel essencial na consolidação da memória, e a amígdala, que integra o sistema límbico, uma espécie de centro regulador das emoções. “Minha hipótese é que, durante o sono, há uma comunicação entre o hipocampo e a amígdala, que permite associar uma emoção a um contexto particular”, descreve.

Para estudar a conexão entre essas duas áreas, e entender como elas “conversam” entre si, Gabrielle implantou cirurgicamente eletrodos no hipocampo e na amígdala de camundongos e registrou a atividade cerebral dos animais enquanto dormiam ou estavam em processo de aprendizagem. Isso permitiu acompanhar a comunicação entre as áreas cerebrais através dos sinais elétricos emitidos pelas células neuronais.

O resultado, explica, é semelhante a um eletroencefalograma, mas os o registro é feito na parte interna do cérebro, e não em sua superfície. “Temos eletrodos que nos possibilitam registrar ou gravar o chamado potencial de ação dos neurônios. São pequenas descargas elétricas, que permitem a eles comunicarem entre si”, detalha. Desta forma, a equipe é capaz de recolher dados sobre a atividade geral do cérebro em nível neuronal.

A experiência

Na experiência realizada pela equipe da neurocientista francesa, os camundongos deveriam correr através de um pequeno corredor inclinado para conseguir tomar água. No caminho, eles receberam uma “advertência” – um jato de ar no focinho, que não era doloroso, “mas surpreendente”, descreve a pesquisadora.

O local no corredor onde o jato de ar era lançado era modificado todos os dias e o camundongo aprendia sistematicamente a identificar sua posição. A experiência permitiu ativar o hipocampo do cérebro do animal, que gerenciava a capacidade de localização espacial, e a amígdala, já que o jato d’água gerava medo - uma emoção -  ou surpresa.

A pesquisadora e sua equipe gravaram o que acontecia no cérebro das cobaias durante a execução da tarefa e, em seguida, enquanto dormiam – graças aos eletrodos que foram implantados. O objetivo era verificar se a atividade neuronal era semelhante à observada nos camundongos quando estavam em ação, e se a ativação da memória no hipocampo era feita em sincronia com a amígdala.

“O que encontramos é que de fato havia essa reativação coordenada. A atividade do hipocampo e da amígdala, durante o sono, após a aprendizagem, se coordenavam para recapitular o que havia sido feito de forma conjunta.”

O ineditismo da pesquisa da equipe de Gabrielle Girardeau consistia em descrever fisiologicamente essa interação. “Sabíamos que o sono era muito importante para o hipocampo e a memória episódica, mas não sabíamos se esse também era o caso associando uma memória emocional.” O que é interessante, diz, é que a mesma sequência neuronal é ativada enquanto dormimos. “É como se, durante o sono, assistíssemos a um vídeo do que aconteceu durante o dia, por exemplo, para memorizar corretamente”, explica a pesquisadora.

Optogenética

A próxima etapa do estudo agora é intervir nesse “diálogo” entre o hipocampo e a amígdala, que gera a consolidação da memória emocional, para sustentar a primeira hipótese. Para essa fase, Gabrielle Girardeau quer utilizar uma técnica conhecida como optogenética, que combina luz, genética e bioengenharia e permite utilizar a luz para modificar a atividade neuronal in vivo e tempo real.

No lugar dos eletrodos, serão instaladas fibras óticas, por onde passam luzes em determinadas cores e frequências que permitem ativar desativar certos neurônios. A ideia, explica Gabrielle, é poder modificar a atividade da amígdala durante o sono, quando ela provavelmente se comunica com o hipocampo, inibindo essa interação. “O que queremos observar é se o animal consegue aprender do mesmo jeito.” A hipótese da equipe é que o camundongo vai se “esquecer” da advertência durante o processo de aprendizagem.

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