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Saiba o que é o Tribunal Penal Internacional e por que os Estados Unidos não fazem parte

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, nesta segunda-feira (11), em entrevista coletiva após o encerramento da Cúpula do G20, na Índia, que “estudaria” a participação do Brasil no Tribunal Penal Internacional (TPI). O Brasil é signatário do Estatuto de Roma que estabeleceu e definiu as bases do TPI. Apesar de terem participado ativamente dos debates sobre sua criação, Estados Unidos e Rússia votaram contra a criação da corte.

A foto mostra a sede do Tribunal Penal Internacional em Haia, na Holanda.
A foto mostra a sede do Tribunal Penal Internacional em Haia, na Holanda. Reuters
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Lula fez essa declaração ao responder a perguntas de jornalistas sobre a polêmica gerada por uma entrevista a um canal de tevê indiano, na qual disse que se o presidente russo, Vladimir Putin, fosse ao Brasil para a próxima cúpula do G20, que será realizada no Rio de Janeiro, em 2024, não seria preso.

Putin é visado por um mandado de prisão emitido em março pelo TPI, que o acusa de crimes de guerra pela deportação de crianças ucranianas.

Por fazer parte do TPI, o Brasil deveria entregar Putin à justiça internacional caso ele entrasse no território brasileiro.

“Eu inclusive quero estudar muito essa questão desse tribunal penal, porque os Estados Unidos não são signatários (...) Então, eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceitam”, disse o presidente na coletiva.

O TPI (ICC, na sigla em inglês para International Criminal Court) foi criado pelo Estatuto de Roma, de 1998, para julgar indivíduos acusados de crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão.

Os casos são remetidos ao TPI apenas quando se considera que os sistemas de justiça nacionais são incapazes ou não se mostram dispostos a processar os suspeitos desses crimes. O Conselho de Segurança da ONU pode remeter casos ao TPI. No entanto, alguns dos países mais poderosos do mundo, entre eles Estados Unidos, Rússia, China, Índia e Israel, não assinaram ou não ratificaram o Estatuto de Roma.

Ameaça à soberania dos Estados Unidos

Uma das questões levantadas por Lula durante a coletiva foi por que grandes potências, como EUA, China e Rússia, não são signatárias deste tratado.

Os EUA são atualmente um dos principais opositores do TPI porque viam a criação de uma corte permanente internacional como uma ameaça à sua soberania. Em 1998, durante a Conferência de Roma, que estabeleceu e definiu as bases do TPI, os representantes americanos votaram contra o Estatuto de Roma. O ex-presidente Bill Clinton chegou a assinar o estatuto em 2000, mas ele não foi submetido à aprovação do Senado americano. Em 2002, o governo de George Bush retirou a assinatura do tratado.

"Os EUA e a Rússia participaram ativamente da discussão do Estatuto de Roma. Só que na hora 'h', eles, como sempre fazem quando o tema envolve tratados, especialmente em questões militares ou que podem implicar em processar seus cidadãos, se afastaram”, diz o advogado e especialista em Direito Internacional Djalma Brochado, em entrevista à RFI.

“A Rússia não quis ficar atrás e assinou, mas não ratificou, e depois pediu para desconsiderar a assinatura”, diz o especialista.

Tribunal independente

O TPI é independente da ONU, mas atua em sinergia com a organização. A corte tem 18 juízes eleitos pelos estados-membros, por mandatos de nove anos, sem possibilidade de reeleição. Do Conselho de Segurança, somente dois países são signatários: a França e o Reino Unido.

“É claro que compromete muito quando você não tem o apoio de três potências, com bombas nucleares, que fazem parte do Conselho, até porque o Estatuto de Roma é um dispositivo específico que diz que qualquer investigação pode ser interrompida a requerimento do Conselho de Segurança. Ou seja, o Conselho de Segurança tem gente que não faz parte, mas que pode impedir determinada investigação que esteja ocorrendo lá”, explica o advogado.

Sobre a eventual saída do Brasil, a decisão não teria consequências práticas imediatas, destaca o especialista. “O Brasil pode sair, qualquer país pode pedir para se retirar do Estatuto de Roma”, afirma. “Alguns países africanos já ameaçaram fazer isso”, acrescenta.

Brochado explica que após um ano da saída comunicada à ONU, a retirada passa a ser efetiva. O país deixaria de fazer parte do Estatuto de Roma e “alguns crimes que porventura estão lá estipulados, se ocorressem no Brasil, não poderiam ser processados pelo Estatuto ou pelo Tribunal Penal Internacional”, salienta.  

O advogado ressalta que não basta apenas que o crime seja estipulado pelo Estatuto para que o julgamento aconteça: são necessários outros requisitos, como importância e relevância. Além disso, é necessário que o réu não tenha sido processado no país de origem, porque o TPI tem uma competência subsidiária.  

Marco para o Direito Internacional

Djalma Brochado também lembra que o tribunal não tem “dentes”, ou seja, não tem polícia própria e depende muito da cooperação dos estados-membros. No caso de Putin, por exemplo, se o Brasil efetivamente descumprisse o mandato do TPI de enviar o presidente russo para julgamento, as consequências práticas não seriam importantes.

“As consequências do descumprimento de determinações de órgãos internacionais, mesmo que o país seja signatário, são muito mais simbólicas do que necessariamente efetivas”, diz. “Caso Putin venha para cá e o Brasil não faça o papel do estado-membro e cumprir a ordem de prisão, a consequência é mais moral, política do que necessariamente prática. Não existe uma sanção ao Brasil por conta desse descumprimento. O Estado é voluntário para aderir, ele não é obrigado a aderir a um tratado”, completa.

Apesar disso, ele afirma que a criação do TPI é um marco para o Direito Internacional. “Primeiro porque é o único permanente, que processa indivíduos. Mesmo não tendo todos os países, já são muitos. São mais de 123 países que já assinaram o Estatuto de Roma. Então, é um reconhecimento internacional significativo de que estes crimes são inadmissíveis”, observa, informando que atualmente está em estudo a inclusão do crime de “ecocídio”.

O especialista brasileiro lamenta que o TPI não conte com o apoio da Rússia, China e Estados Unidos, mas ressalta que quase todos os países da União Europeia fazem parte da instituição. “O mundo, politicamente, é maior que isso. Todos eles têm voto igual na Assembleia Geral da ONU. A União Europeia é extremamente forte, um player importantíssimo. É difícil dizer que ele não é um tribunal importante por conta da ausência dos Estados Unidos. O tribunal não é considerado menor por isso. Ele é considerado um tribunal novo, um desenvolvimento”, afirma. 

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