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Planeta Verde

Aquecimento global não existe? Tem muita terra para pouco índio? Essas e outras fake news ambientais

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O combate às fake news é desafio tão antigo quanto a própria ciência. Nos temas ambientais, este problema cresceu na medida em que governos e sociedades deram cada vez mais espaço para a questão, a partir dos anos 2000. A era digital potencializou o alcance de pseudo-cientistas  negacionistas do aquecimento global ou teorias do complô sobre potências estrangeiras desapropriando a Amazônia.

Plataforma Fakebook reúne principais notícias falsas ou distorcidas sobre temas ambientais.
Plataforma Fakebook reúne principais notícias falsas ou distorcidas sobre temas ambientais. © Captura de tela
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Para rebater essa avalanche de informações falsas, que todos os dias levam os leigos a duvidar da importância da preservação do planeta, um grupo de organizações ambientais criou o Fakebook.eco.br. Iniciativas como essa existem em outros países, a exemplo da australiana Skeptical Science. Mas no Brasil, é a primeira vez que um portal vai se dedicar a desmontar a artilharia de fake news ambientais, com a expertise de especialistas de portais especializados do país.

"Essa necessidade ficou muito clara desde 2019, quando passamos a ter um governo que tem a mentira como método”, denuncia o coordenador de comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, idealizador da plataforma. A RFI convidou o jornalista, autor de A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima, para esclarecer algumas das principais notícias falsas ou deturpadas a respeito de alguns dos principais temas ambientais.

“Tá frio, cadê o aquecimento global?” O comentário já foi feito até pelo presidente Donald Trump ou o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. Por que é um equívoco fazer essa associação?

Existe uma percepção errada de que o aquecimento da Terra vai nos levar, inexoravelmente, a um ano mais quente que o outro, e que isso vai se processar só em termos de mudança de temperaturas máximas. Mas, na verdade, o que temos é mais energia na atmosfera e esse excesso potencializa os extremos: o calor fica mais quente e, às vezes, o frio fica mais frio – mas os frios extremos estão ficando menos frequentes. Os extremos de calor superam, em várias vezes, os extremos de frio. A seca fica mais seca, a chuva fica mais intensa. Ou seja, não se resume só a ter mais calor.

Jornalista Claudio Angelo é um dos idealizadores do Fakebook.eco.br
Jornalista Claudio Angelo é um dos idealizadores do Fakebook.eco.br © Renato Parada

Em tempos de polarização extrema, circula a informação de que “o aquecimento global é uma invenção da esquerda”. Mas, na verdade, tanto a direita já foi vanguardista neste tema, quanto a esquerda também já propagou teses infundadas sobre a questão?

Esse é o meu mito preferido. O Aldo Rebelo, que foi presidente da Câmara pelo PCB (Partido Comunista do Brasil) e relator do Código Florestal, diz que essa coisa de aquecimento global e mudança climática é o último bastião do imperialismo, para manter os países subdesenvolvidos nessa condição e acabar com a agricultura brasileira. E quando a extrema direita assume o poder no Brasil, ela importa a ideologia negacionista que vem como um pacote pronto dos Estados Unidos.

A minha hipótese é que isso vem via Virginia, que é onde mora o Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo. Foi algo que surgiu mais ou menos em 2009, quando a polarização política ficou muito forte nos Estados Unidos por causa daquele movimento chamado Tea Party. Para eles, você não pode ser um conservador se não negar o aquecimento global. É pura ideologia, pura guerra cultural. Tanto é que a primeira lei de mudanças climáticas nos Estados Unidos foi feita por um senador republicano com um democrata. Era uma questão que atravessava as linhas partidárias, mas hoje não é mais assim.

Terceira fake news: o clima da Terra sempre mudou, é cíclico e o homem não é o responsável pelo aquecimento do planeta.

É verdade que o clima sempre mudou e as mudanças climáticas do passado foram até mais radicais do que as que a gente está vendo hoje. Na época dos dinossauros, não existia gelo em lugar nenhum da Terra, por exemplo. A Antártida estava coberta de florestas, há 70 milhões de anos. O equívoco é você olhar mudanças que ocorrem em milhares ou milhões de anos, que são naturais e graduais, e achar que a mudança climática que estamos vivendo hoje, que se processa em um século ou um século e meio, é também natural. Não é, não tem nada de natural. As mudanças aconteciam em milhares de anos, por conta de variações orbitais da Terra.

Desde 800 mil anos atrás, que é o registro que se tem guardado de atmosfera, guardado no gelo da Antártida, até este século, a quantidade de gás carbônico na atmosfera jamais ultrapassou 300 moléculas de gás carbônico por milhão de moléculas de ar. Nunca, em 800 mil anos.

Desde que se começou a medir a concentração de CO2, a gente viu um crescimento nos últimos 60 anos: ela aumentou 30%, em relação a 1958. Não tem nada de trivial nisso. Sabemos hoje que, se não fosse o aquecimento global causado pelo homem, não teríamos nenhuma variação orbital da Terra nem de irradiação do sol que justificasse uma mudança desse tamanho no fluxo de gás carbônico no ar.

Quanto ao desmatamento, o agronegócio brasileiro gosta de afirmar que é o mais sustentável do mundo. Não é verdade?

Muitas vezes, as pessoas confundem você ter um sistema de produção baseado em chuva e sol, como o que temos no Brasil, em vez de sistemas muito intensivos baseados em insumos, como os que há na Holanda. As pessoas confundem isso com sustentabilidade. É fato que a agricultura tem dado passos muito grandes em direção à sustentabilidade, com intensificação, uso de tecnologia. Mas daí a dizer que é a produção mais sustentável do mundo, há uma distância gigante.

A pecuária, em geral, é horrorosa: emite gás carbônico maciçamente. 22% dos gases de efeito estufa produzidos pelo Brasil são resultado direto da agropecuária. Se você soma o desmatamento, que é um efeito indireto, dá 70%. O Brasil é o país do mundo que mais desmata. O Brasil é o terceiro maior consumidor do mundo de agrotóxicos. O manejo de fertilizantes na agricultura brasileira fica muito aquém das melhores práticas no mundo.

Sobre a questão indígena, o mito é: tem muita terra para pouco índio?

Não, tem muita terra para pouco fazendeiro. As áreas indígenas ocupam 13% do território do Brasil, a maior parte na Amazônia. São áreas grandes que não estão, de maneira alguma, em conflito com a produção, como algumas pessoas tentam fazer implicar. Os índios têm o direito constitucional e moral de fazer o usufruto dessas terras, que não são deles, inclusive. As terras são da União; são propriedade dos brasileiros, e não dos índios.

Temos estudos que mostram que 97 mil fazendas no Brasil, latifúndios, ocupam 21% das terras no país. Vamos supor que cada fazenda dessas seja ocupada por cinco pessoas – embora, às vezes, tenhamos o mesmo proprietário dono de várias áreas. Se fôssemos fazer a divisão, veríamos que esses proprietários têm muito mais terras por habitante do que os índios. Então, encontramos situações como em Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, onde você tem grandes populações indígenas confinadas em pouquíssimos hectares. É o caso da terra indígena de Dourados, que é quase uma favela urbana.

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