Reviravolta no resultado das eleições pode dar vitória a Morales e provoca revolta na Bolívia
Depois de uma contestada interrupção de 24 horas, o Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia retomou a contagem dos votos. Os resultados parciais agora dão a vitória a Evo Morales, provocando distúrbios nas principais cidades do país na noite de segunda-feira (21).
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
O Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia - que responde aos interesses do presidente Evo Morales - realizou uma contagem rápida dos votos, após interrompê-la no domingo, quando a apuração estava em 83,7%. Naquele momento, Evo Morales aparecia com 45,7% dos votos e Carlos Mesa, com 37,8%. A diferença de 7,9%, irreversível para os analistas, que apontavam para um inédito segundo turno.Porém, repentinamente, a divulgação dos votos foi suspensa, despertando suspeitas de fraude.
Na noite de segunda-feira, a divulgação foi retomada, mas o cenário já era outro: com 95,2% dos votos apurados, Evo Morales obtinha 46,8% contra 36,7% de Carlos Mesa, a diferença agora passava a 10,1%, suficientes para Evo Morales chegar a um controverso quarto mandato presidencial.
Pela regra boliviana, para ganhar no primeiro turno, o candidato deve superar os 50% dos votos ou ter mais de 40%, mas com uma diferença de, pelo menos, dez pontos de vantagem sobre o seu adversário imediato.
"Evo Morales não podia considerar a possibilidade de um segundo turno porque sabia que, se não ganhasse no primeiro, não teria chances no segundo, quando toda a oposição tenderia a se unir em apoio a Carlos Mesa", explicou à RFI o analista político boliviano, Raúl Peñaranda. "Ou Evo Morales ganharia no primeiro turno ou não ganharia mais", afirmou.
Revolta popular
Imediatamente, em frente ao hotel em La Paz, onde o TSE realiza o trabalho de contagem dos votos, militantes do partido Comunidade Cidadã de Carlos Mesa gritavam "fraude" enquanto militantes do Movimento Ao Socialismo, legenda de Evo Morales, festejavam o resultado. A polícia precisou de intervir nos enfrentamentos entre os dois grupos com bombas de gás lacrimogêneo.
A reviravolta no resultado eleitoral provocou cenas de revolta popular nas principais cidades do país. Manifestantes indignados queimaram urnas encontradas em casas e carros. Dois tribunais eleitorais regionais, nas cidades de Sucre e Cobija, foram incendiados. Os protestos continuaram ao longo da noite.
Organizações civis e partidos políticos convocaram marchas de "resistência civil" nas principais cidades do país para esta terça-feira (22).
Contagem manual
A decisão do TSE surpreendeu ainda mais porque o próprio órgão havia anunciado que abandonaria a apuração dos votos através das atas confeccionadas e passaria apenas à contagem manual, voto por voto. Por essa metodologia que poderia durar até oito dias, com 60,9% dos votos apurados, Evo Morales tinha 42,3% contra 42,5% de Carlos Mesa numa disputa acirrada na qual, inclusive, Mesa liderava.
Carlos Mesa anunciou que desconsideraria os resultados, denunciou fraude e pediu que a missão de observadores internacionais tivesse a mesma atitude.
"Não vamos permitir outro 21 de fevereiro", avisou Mesa, em referência ao referendo de fevereiro de 2016 no qual 51,3% da população disse "Não" a uma reforma constitucional para habilitar a reeleição indefinida de Evo Morales.
Apesar da derrota, o governo recorreu ao mesmo Tribunal Superior Eleitoral que, em 2017, permitiu uma quarta candidatura do presidente baseado no artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos no qual toda pessoa "tem o direito de participar num governo do seu país, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos".
O chefe dos observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), Manuel González, classificou o resultado como "uma mudança drástica e inexplicável" o giro do TSE.
Para ele, a reviravolta "modifica drasticamente o destino da eleição e que gera perda de confiança no processo eleitoral e uma profunda preocupação e surpresa", disse González. Ele lamentou que essa mudança tenho gerado conflitos em várias cidades e que o candidato Evo Morales tenha feito "um notório uso dos recursos públicos".
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