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Argentina vai pedir “perdão” ao FMI depois de anunciar as primeiras medidas do “plano motosserra”

O mercado financeiro deve reagir nesta quarta-feira (13) às medidas anunciadas pelo novo ministro da Economia argentino, Luis Caputo, que visam eliminar o déficit fiscal de 5,5% do PIB em 2024. A taxa de inflação de novembro, cujo índice será divulgado hoje, deve ficar em torno de 13%, aproximando a Argentina dos 200% de inflação em 2023. Apesar da alta, o Banco Central manterá a taxa de juros em 133% ao ano.

O novo ministro da Economia argentino, Luis Caputo.
O novo ministro da Economia argentino, Luis Caputo. AFP/File
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Para evitar uma nova numa nova moratória com o Fundo Monetário Internacional (FMI) dentro de oito dias, quando vencerá uma parcela de US$ 1 bilhão, a Argentina vai pedir um “perdão” ou um pedido de dispensa, conhecido na gíria das finanças como “waiver”, por não ter cumprido com nenhuma das metas pactuadas com o FMI na renegociação de agosto passado.

“Iniciamos e progredimos rapidamente no diálogo formal com os organismos internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacional. O objetivo central é desfazer a incerteza em torno dos futuros vencimentos de capital. Essa incerteza se refere à obrigação que a Argentina enfrenta de iniciar o processo formal para solicitar uma dispensa (waiver) pelo descumprimento das metas acertadas em agosto”, indica uma nota do Banco Central da Argentina divulgada durante a madrugada desta quarta-feira (13).

Na nota, o BC argentino também antecipa que o governo do presidente Javier Milei não só vai recuperar a vigência do atual acordo como também vai negociar um novo plano de financiamento.

“O governo fará os esforços necessários para restabelecer a vigência do acordo assinado com o FMI e terá negociações adicionais que contribuírem para melhorar as condições de financiamento vigentes”, acrescenta a nota.

No próximo 21 de dezembro, a Argentina deve pagar US$ 1 bilhão ao FMI. Nos dias 9 e 16 de janeiro, outras duas parcelas de US$ 1,9 bilhão no total.

O atual acordo com o FMI, renegociado em agosto, não foi cumprido nas suas três metas (reservas internacionais, déficit fiscal e emissão monetária). As reservas do BC estão negativas em US$ 11 bilhões, o déficit fiscal primário comprometido e a emissão monetária foi amplamente superada depois que o então ministro da Economia e candidato a presidente, Sergio Massa, emitiu o equivalente a 2% do PIB para distribuir dinheiro como forma de melhorar o seu desempenho eleitoral.

FMI elogia audácia das medidas

O FMI deu as boas-vindas às medidas anunciadas pelo novo ministro da Economia, na noite desta terça-feira (12). A diretora-gerente do organismo, Kristalina Georgieva, apoiou o pacote de dez medidas.

“Dou as boas-vindas com satisfação às medidas decisivas anunciadas pelo presidente Javier Milei e pela sua equipe econômica para abordar os importantes desafios econômicos da Argentina, um passo importante para a restauração da estabilidade e para a reconstrução do potencial econômico do país”, publicou Georgieva nas redes sociais, anexando uma nota da diretora de Comunicações do FMI, Julie Kozack. 

“Depois de sérios reveses políticos nos últimos meses, este novo pacote proporciona uma boa base para futuras discussões, para voltar a encaminhar o programa existente apoiado pelo FMI”, apontou Kozack, depois de classificar as medidas como “audaciosas”.

Pacote motosserra

Entre as dez propostas anunciadas, seis têm caráter fiscal, duas abordam ajudas sociais e uma define uma nova taxa de câmbio.

Entre as que mais reação vão provocar nesta quarta-feira no mercado financeiro está a brutal desvalorização do peso argentino, que passa de 350 a 800 pesos por dólar na cotação oficial (comercial). A partir de agora, a moeda argentina vai perder 2% do seu valor por mês.

A desvalorização incentiva as exportações e vem acompanhada de aumentos nos impostos às importações e às exportações para alavancar a arrecadação.

O imposto pago nas importações dobra de 7,5% para 15%. Quanto à tributação das exportações, que só incidia sobre as vendas de produtos agropecuários, agora passa a valer para todos os produtos. O novo governo garante que, assim que terminar a emergência econômica do país, esse imposto será eliminado.

Continuam as restrições para a compra de moeda estrangeira.

O governo considera que a forte desvalorização do peso terá impacto limitado no custo de vida porque os comerciantes já aumentaram os preços, considerando a desvalorização prevista. Além disso, a recessão da economia funcionaria como um freio ao aumento de preços.

O Estado argentino não vai mais financiar obras públicas. Serão canceladas as licitações aprovadas cujas obras não tenham ainda começado. A partir de agora, as obras públicas só serão financiadas pelo setor privado.

“Não há dinheiro para pagar mais obra pública que, como sabemos, muitas vezes termina no bolso dos políticos ou dos empresários. A obra pública foi sempre foco de corrupção. Isso acaba conosco”, justificou o ministro Caputo.

As transferências discricionárias de recursos da União às províncias serão reduzidas ao mínimo. “São recursos que, infelizmente, na nossa história recente, foram usados como moeda de troca por favores políticos”, acusou o ministro.

Redução de ministérios e secretarias

No capítulo de reestruturação do Estado, o número de ministérios e de secretarias será reduzido pela metade, o de subsecretarias, em 23%, e os cargos hierárquicos, em 50%. No total, serão eliminados 34% dos cargos políticos.

Todos os contratos de trabalho do Estado que tiverem menos de um ano de vigência não serão renovados. O ministro Caputo criticou a prática habitual da política de contratar parentes e amigos no último ano de mandato de um governo. Na mira de cortes em ministérios estão veículos oficiais, seus motoristas e até gastos com celulares.

O governo suspende por um ano toda a publicidade oficial, principal fonte de receita da maioria dos veículos de comunicação argentinos. “Não há dinheiro para gastos que não sejam estritamente necessários e, muito menos, para sustentar, com dinheiro dos contribuintes, veículos de comunicação criados para louvar as virtudes de governos”, criticou o ministro.

Ajuste doloroso para os argentinos

No seu discurso de posse, o presidente Javier Milei disse que, desta vez, o ajuste vai recair “quase” todo sobre o Estado e não sobre o setor privado. Mas por trás desse “quase”, aparece o ajuste para a população: haverá redução dos subsídios à energia (luz, gás, combustíveis) e ao transporte público. Essa medida terá impacto direto no bolso dos argentinos e indireto no aumento da inflação.

O pacote de medidas ortodoxas é oficialmente chamado de “urgência econômica”, mas popularmente apelidado como “plano motosserra”, devido ao instrumento que durante a campanha eleitoral Javier Milei prometeu usar para cortes drásticos no orçamento do Estado. O objetivo das medidas é o equilíbrio fiscal, eliminando o déficit de 5,5% do Produto Interno Bruto ao longo de 2024.

Como a Argentina não tem acesso ao crédito internacional nem dinheiro nos cofres públicos, a emissão monetária descontrolada foi o instrumento usado pelo governo anterior para financiar o Tesouro. O problema é que essa saída é a principal causa da alta inflação.

A remarcação de preços tem sido diária – entre 30% e 50% ao longo das duas últimas semanas. O índice de inflação de novembro, a ser divulgado nesta quarta-feira, deve ficar em torno de 13%. O de dezembro pode ficar acima de 20%.

O próprio presidente, no seu discurso de posse, previu uma inflação entre 20% e 40% até março. E que a economia ainda vai piorar antes de melhorar. Segundo o próprio presidente, todo o esforço é para evitar o pior: a hiperinflação.

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