Acessar o conteúdo principal

Com 25% de risco de estupro, contraceptivo faz parte do ‘pacote’ de mulheres na rota de migração para os EUA

As mulheres do continente americano que tentam migrar ilegalmente para os Estados Unidos enfrentam cada vez mais situações de agressão sexual durante o trajeto. Na Guatemala, muitas delas se preparam com contraceptivos antes de iniciarem a viagem, temendo o constante risco de estupro e gravidez. A maioria das mulheres guatemaltecas que fazem esta jornada são indígenas e, segundo estudos, pelo menos 1/4 delas são estupradas durante a viagem.

Mulher migrante espera em Tapachula, México, em 25 de outubro de 2021.
Mulher migrante espera em Tapachula, México, em 25 de outubro de 2021. AP - Marco Ugarte
Publicidade

Diana Fuentes, correspondente da RFI na Guatemala

Em um tom baixo, Aracely*, 34, explica como ela se prepara para viajar para os Estados Unidos. "Meus amigos me disseram que eu tenho que me preparar e me medicar. Dizem que o trajeto é muito difícil", diz ela à RFI.

"Tenho o medo de ser estuprada porque minhas amigas que viajaram para os Estados Unidos foram abusadas sexualmente. Elas não engravidaram porque se protegeram antes de viajar. Esse é o meu medo [engravidar], e vou impedir que isso aconteça", diz a mãe de duas crianças.

Outra imigrante, Teresa, chegou a Illinois há um ano. "As mulheres comentaram que até o próprio coiote [traficante de pessoas] e seus companheiros abusaram ou tocaram nelas", recorda. "Graças a Deus, no meu caso, não passei por essa experiência amarga", suspira.

Na maioria das aldeias indígenas guatemaltecas existem crenças religiosas muito fortes. Se as mulheres migrantes não chegam a seu destino ou são deportadas, quando retornam à sua aldeia uma série de rumores se espalha as condenando, alegando que já foram estupradas e estão sujas. Como no Brasil, ou ainda em grande parte do chamado "primeiro mundo", a culpa do estupro, no caso das mulheres, acaba na maioria das vezes caindo no colo das próprias vítimas.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes neste sentido: a cada dez minutos uma menina ou uma mulher foi estuprada no Brasil no ano passado. Apesar da recorrência do crime, o silenciamento das vítimas ainda é a regra, resultado de uma cultura machista e patriarcal, como explicou à RFI a gerente de projetos da ONG Plan International Brasil, Elaine Amazonas.

Por todas essas razões, a guatemalteca Aracely sabe que será um risco viajar sozinha: seu marido morreu há um ano e ela agora tem que cuidar das crianças. Sem trabalho, sua única solução é partir, mas antes de fazê-lo, ela decidiu tomar uma decisão radical. "Fui ao centro de saúde para optar pela injeção [de contraceptivo] de três meses", afirma.

Maioria das mulheres estupradas desiste de dar queixa

Quando enganadas pelos traficantes, às vezes o pagamento para um novo coiote é estipulado com base no sexo ou trabalho escravo. Se forem pegas pelos agentes federais na "terra de ninguém" - atravessando a fronteira -, elas também podem ser estupradas pela própria polícia.

Aracely explica como seria seu futuro se isso acontecesse: "A verdade é que se eu sofrer abuso sexual, acho que terei que buscar tratamento psicológico, mas continuaria com minha vida da mesma forma, lutando, trabalhando para sustentar minha família que deixei para trás na Guatemala", explica a mãe de família, projetando uma possibilidade de futuro nada confortadora.

A percepção de risco provável na violência sexual migrante é de 25,31%, de acordo com um relatório publicado em outubro de 2018 pelo Incedes-UNFPA. A coleta de dados é atualmente fraca devido à subnotificação dos casos, uma vez que a maioria das mulheres estupradas desiste de dar queixa e tem vergonha de compartilhar a experiência com seu círculo próximo. 

Os relatórios dos socorristas mostram que nestas caravanas de migração irregular diversas mulheres foram estupradas durante sua viagem. Muito poucas ou nenhuma delas teve acesso aos exames de saúde nos postos de fronteira. 

A evolução da migração antes e durante a pandemia levou a que meninas, adolescentes e mulheres fossem ainda mais expostas a este abuso sem que houvesse qualquer condenação para os estupradores.

*Nome da entrevistada foi alterado

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.