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Eleição na Colômbia inaugura um novo período político e econômico com risco de tensão social

Os colombianos votam neste domingo (19) para eleger seu novo presidente. Os eleitores escolhem, no segundo turno, entre o esquerdista Gustavo Petro e o independente Rodolfo Hernández, dois candidatos com propostas radicais de mudança para um país em crise. Com o país dividido em partes iguais entre dois pólos, o populismo de esquerda de Petro e o populismo de direita de Hernández, os analistas vem risco na governabilidade e advertem sobre a volta das grandes manifestações populares. O crescimento econômico também tende a desacelerar à espera das novas regras de jogo e da capacidade de governo do novo presidente.

O ex-guerrilheiro Gustavo Petro (e) enfrenta o milionário Rodolfo Hernández no segundo turno da eleição presidencial colombiana.
O ex-guerrilheiro Gustavo Petro (e) enfrenta o milionário Rodolfo Hernández no segundo turno da eleição presidencial colombiana. © AP/Fernando Vergara - Montage photo RFI
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O senador e ex-guerrilheiro Petro, de 62 anos, venceu o primeiro turno com 40% dos votos, contra 28% para Hernández. Mas sua vantagem diminuiu após o jogo de alianças e uma campanha bastante agressiva. Já Hernández, 77 anos, se apresentou na disputa como um outsider rico, que trazia uma mensagem anticorrupção e de austeridade.

Se Petro vencer, a esquerda chegará ao poder pela primeira vez no país. Mas se a vitória for para Hernandez, um milionário sem partido que enfrenta problemas com a justiça estará à frente da Colômbia. Vença quem vencer, o presidente que assumir no próximo 7 de agosto terá como um dos maiores desafios da sua gestão administrar o descontentamento social que, em 2019 e 2021, eclodiu em mega manifestações. A necessidade de uma mudança de rumo ficou exposta no primeiro turno, em 29 de maio, quando pela primeira vez na história do país, os partidos políticos tradicionais ficaram de fora.

Petro e Hernández cruzam a linha de chegada da corrida eleitoral tecnicamente empatados e essa divisão em partes iguais pode ser o estopim de uma nova insurreição popular. O primeiro alerta pode acontecer nas próximas horas: a mínima diferença de votos neste domingo pode levar a que o outro lado não reconheça a derrota, sobretudo se houver alguma denúncia de fraude.

"O primeiro motivo de protestos será se um dos dois candidatos não aceitar o resultado eleitoral que estará muito acirrado. Isso pode acontecer", afirma à RFI Jorge Restrepo, professor de Economia da Universidade Javeriana de Bogotá e diretor do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos (CERAC).

Bloqueio no Congresso

No médio prazo, as reformas prometidas por Gustavo Petro podem ser bloqueadas no Congresso, onde nenhum dos dois candidatos tem maioria. Esse bloqueio poderia levar a um cenário de grandes protestos. O candidato Rodolfo Hernández promete combater a corrupção, mas não tem uma agenda de reformas para atender as demandas populares. Nesse caso, as chances de manifestações são ainda maiores.

"Um governo de Gustavo Petro terá muitos problemas para governar porque não controla o Congresso e terá muita oposição para aprovar as reformas que pretende. O descontentamento social pode levar a um novo cenário de eclosão social. Por outro lado, são muito poucas as possibilidades de que Rodolfo Hernández atenda as demandas sociais, criando um terreno para a volta dos grandes protestos", explica à RFI Jorge Ivan Cuervo, analista político e pesquisador da Universidade Externado da Colômbia.

Colombianos fazem fila para votar no segundo turno da eleição presidencial.
Colombianos fazem fila para votar no segundo turno da eleição presidencial. AP - Jaime Saldarriaga

O ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, pretende uma ousada reforma tributária que financie uma reforma previdenciária e uma reforma no sistema de Saúde. Os projetos não visam diminuir o Estado, mas ampliar direitos, beneficiando a pirâmide social enquanto recorta privilégios da elite. Os latifúndios podem passar por uma reforma agrária.

Rodolfo Hernández critica a "velha política", quer um Estado austero e promete caçar os corruptos, cortando mordomias. Porém, sem base no Congresso, deve depender das bancadas de centro-direita e de direita, formadas pelos mesmos políticos que critica e que os eleitores demonstraram rejeitar, votando contra o "establishment" político e econômico que sempre governou o país.

Hernández: “Qualquer semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência”

"Rodolfo Hernández é o produto de uma estratégia de marketing que o 'establishment' político e econômico encontrou para impedir que Gustavo Petro ganhe as eleições. A ausência de um programa de governo o fará refém das mesmas forças políticas que ele diz enfrentar. Qualquer semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência", compara Jorge Ivan Cuervo.

"É a eleição presidencial mais incerta e desconcertante. Impossível prever o que vai acontecer no próximo governo. Está em jogo a mudança do modelo de desenvolvimento e a do sistema político. Representaria uma reviravolta na política econômica e na política social do país. O fato de existir essa possibilidade não significa que vai acontecer, mas gera muita tensão na sociedade", observa Jorge Restrepo.

"Num eventual governo de Rodolfo Hernández, Gustavo Petro seria o principal opositor e teria maior capacidade de bloqueio. É um cenário de mais protestos", insiste.

Período de tensão

O período de tensão que se abre inclui as instituições. O movimento reformista de Gustavo Petro implica uma mudança na lógica institucional. Já o personalismo político de Rodolfo Hernández tende a questionar as leis e a desacreditar o papel das instituições.

"O que vem pela frente é muita tensão institucional. Tensões da presidência com o Judiciário, com o Congresso, com o sistema financeiro, no campo internacional. Essas tensões vão existir, ganhe quem ganhar, mas talvez seja maior com Petro, devido à sua lógica reformista", prevê Restrepo.

"Com os dois candidatos, existe a possibilidade de uma eclosão social. A sociedade é uma panela de pressão", ilustra Cuervo.

Economia em espera

A incerteza também promete paralisar boa parte de uma economia que se recupera do tombo com a pandemia. O governo do atual presidente Ivan Duque prevê um crescimento de 6,5% em 2022, o maior entre os países da OCDE, organização da qual a Colômbia faz parte. Depois de uma queda de 7% em 2020, em linha com o desempenho dos países da região, a economia colombiana cresceu 10,7% no ano passado, superando a média regional.

"Há um alto grau de incerteza sobre os dois candidatos. Por exemplo, Gustavo Petro fala sobre uma reforma previdenciária e no setor da saúde que, do ponto de vista fiscal, considero preocupante. Rodolfo Hernández, por sua vez, mantém o foco na eficiência do Estado, mas é preciso ver o quão efetivo será nesse aspecto. O mercado aguarda esses sinais", indica à RFI Carlos Sepúlveda, reitor da Faculdade de Economia da Universidade do Rosario na Colômbia.

"Sinto que nenhum dos dois candidatos tem carta branca para fazer o que propõe. Se Gustavo Petro cumprir ao pé da letra com uma reconfiguração dos sistemas previdenciário e de saúde, levará o país a um cenário econômico complexo. Se Rodolfo Hernández, sem bancada no Congresso, cumprir ao pé da letra a promessa de não ceder a interesses políticos, vai gerar instabilidade política", adverte.

"Se pegarmos o que os dois candidatos disseram literalmente, estamos perante um risco econômico, por um lado, e perante um risco político, pelo outro", aponta Carlos Sepúlveda.

Tanto Gustavo Petro quanto Rodolfo Hernández são protecionistas no campo econômico. Os dois, por exemplo, prometem rever o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos.

"O horizonte está totalmente nublado na Colômbia. Os dois candidatos representam um país com menor crescimento e mais isolado. Haverá uma forte desaceleração no segundo semestre. Os agentes econômicos estarão à espera de regras claras. A mudança estrutural vai depender da capacidade de governo do novo presidente. Tudo na Colômbia é agora condicional", conclui Jorge Restrepo.

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