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Na Cúpula das Américas, presidente da Argentina questiona abertamente Joe Biden e critica os EUA

Coordenado com os presidentes do México e da Venezuela, Alberto Fernández defendeu Cuba, Venezuela e Nicarágua, disse a Joe Biden que o país anfitrião não tem direito de rejeitar países, pediu a demissão do secretário-geral da OEA e a troca do presidente do BID, exortou Biden a criar um cenário para a paz na Ucrânia "sem humilhações nem dominação" e atacou a política exterior dos Estados Unidos para a América Latina. Biden respondeu com um sorriso diplomático.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez duras críticas ao governo americano durante a Cúpula das Américas.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez duras críticas ao governo americano durante a Cúpula das Américas. REUTERS - DANIEL BECERRIL
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Na casa do anfitrião, presidente da Argentina questiona abertamente Joe Biden e critica os Estados Unidos

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Olhando para o anfitrião Joe Biden e incluindo o seu nome num bombardeio de críticas, o presidente argentino, Alberto Fernández, foi muito além de apenas condenar as exclusões de Cuba, Venezuela e Nicarágua da Cúpula das Américas que termina nesta sexta-feira (10) em Los Angeles.

No seu discurso na noite desta quinta-feira (9), Alberto Fernández afirmou que um anfitrião não tem direito de rejeitar convidados e que os bloqueios econômicos dos Estados Unidos contra Cuba e Venezuela procuram condicionar os governos, mas afetam a população.

"Definitivamente, queríamos outra Cúpula das Américas. O silêncio dos ausentes nos interpela. Para que isso não se repita, gostaria de deixar registrado para o futuro que o fato de ser um país anfitrião da reunião não lhe concede a capacidade de impor o direito a admitir os países membros do continente", questionou Fernández, em referência às ausências de Cuba, Venezuela e Nicarágua, países que não foram convidados por não serem democráticos e por violarem os direitos humanos.

"O diálogo na diversidade é o melhor instrumento para promover a democracia, a modernização e a luta contra a desigualdade", afirmou Fernández. Na Cúpula das Américas de 2001, no Canadá, os países americanos concordaram com a exclusão de regimes que não fossem democráticos, de acordo com a Carta Democrática Interamericana da qual todos são signatários.

O argentino disse "vir de um país no qual se consagra o valor dos direitos humanos" e que "sempre defende a vigência dos direitos humanos em todos os âmbitos", justamente um dos argumentos de Joe Biden para excluir Cuba, Venezuela e Nicarágua da reunião.

Defesas de Cuba e Venezuela

Falando diretamente a Biden, o presidente argentino também criticou o atual distanciamento de Cuba por parte dos Estados Unidos, em contradição ao que foi o governo Obama.

"Foram desmanteladas as ações de aproximação com Cuba obtidas pela administração de Barack Obama enquanto o senhor era vice-presidente", recordou-lhe.

"Cuba suporta um bloqueio de mais de seis décadas imposto nos anos de 'guerra fria' e a Venezuela tolera outro (bloqueio) enquanto uma pandemia assola a humanidade e arrasta consigo milhões de vidas", reclamou.

"Com medidas desse tipo, (os Estados Unidos) procuram condicionar os governos, mas, na prática, só afetam os povos", acusou Fernández, alegando que falava como presidente da CELAC.

A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) foi criada em 2010, a partir da iniciativa do então presidente venezuelano Hugo Chávez, sob o argumento de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) é um âmbito que responde aos interesses dos Estados Unidos.

Em janeiro de 2020, alinhado aos interesses de Donald Trump, o governo de Jair Bolsonaro decidiu suspender a participação do Brasil na CELAC por "ter-se tornado palco dos regimes não-democráticos de Venezuela, Cuba e Nicarágua".

Convite provocador

Para se diferenciar da postura de Joe Biden, o presidente argentino estendeu um provocador convite ao norte-americano: participar da reunião de Cúpula da CELAC, em dezembro, em Buenos Aires, onde estarão os presidentes de Cuba, Venezuela e Nicarágua. A estratégia foi coordenada com os presidentes do México, Andrés Manuel López Obrador, e com o venezuelano Nicolás Maduro.

"Presidente Biden, estou aqui tentando construir pontes e derrubar muros (em alusão ao muro na fronteira com o México). Como presidente da CELAC, quero convidá-lo a participar da nossa próxima reunião plenária", cutucou.

Depois do discurso, quando Alberto Fernández cumprimentou Joe Biden, o presidente dos Estados Unidos respondeu sorridente: "Espero ansioso pelo convite".

Reestruturação da OEA e do BID

Em janeiro passado, Alberto Fernández assumiu a presidência anual do organismo, comprometendo-se a defender Cuba, Venezuela e Nicarágua em contraposição à OEA, sobretudo depois da renúncia, em novembro de 2019, do então presidente da Bolívia, Evo Morales.

Os países da esquerda regional alegam que houve um "golpe de Estado" no qual o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, responsável por auditar o processo eleitoral boliviano, teve um papel crucial.

Alberto Fernández pediu a demissão de Luis Almagro, quem estava no salão na hora do discurso. E também acusou os Estados Unidos de apropriarem-se do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) cuja presidência sempre foi ocupada pelos países latino-americanos, costume alterado durante o governo de Donald Trump, quem indicou à atual condução ao norte-americano Mauricio Claver-Carone.

"A OEA foi usada como um militar que facilitou um golpe de Estado na Bolívia. A condução do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que historicamente ficou em mãos latino-americanas, foi apropriada. A OEA, se quiser ser respeitada e voltar a ser a plataforma política regional para a qual foi criada, deve ser reestruturada, removendo imediatamente aqueles que a conduzem. O BID, sem demoras, deve ter a sua governança para a América Latina", indicou Fernández.

Contra a política exterior dos Estados Unidos

Houve ainda críticas à agenda dos Estados Unidos para a América Latina durante o governo de Donald Trump, política que Joe Biden ainda mantém inalterada.

"Presidente Biden, tenho certeza de ser esta a hora para se abrir de modo fraterno. Os anos prévios à sua chegada ao governo dos Estados Unidos foram marcados por uma política daninha para a nossa região, aplicada pela administração que o precedeu. É hora de mudar essas políticas e de reparar os danos", apontou Fernández.

Sobre o papel dos Estados Unidos na guerra na Ucrânia, o presidente argentino sugeriu que os Estados Unidos promovam uma negociação pela paz, sem pretender "humilhações nem desejos de dominação", em referência à Rússia.

"É urgente construir cenários de negociação que ponham fim à catástrofe bélica. Sem humilhações nem desejos de dominação. Sem geopolítica desumanizada nem privilégios de violência", pediu.

Alberto Fernández também diferenciou a responsabilidade dos Estados Unidos da que cabe à América Latina no tocante ao meio-ambiente. E pediu ajuda financeira aos países da região para avançarem com a agenda ambiental.

"Não somos responsáveis por emitir gases que promovem o efeito estufa. A injustiça ambiental que vivemos destrói o nosso continente. Devemos enfrentar a transição ecológica contando com auxílios financeiros suficientes", afirmou.

O presidente ainda criticou que na logomarca da Cúpula das Américas, com o mapa de todo o continente americano, não estivessem as ilhas Malvinas sobre as quais pediu "os legítimos direitos da Argentina".

O mapa símbolo desta reunião não inclui as Malvinas, nem a Terra do Fogo nem Fernando de Noronha, mas inclui as oito ilhas havaianas, o ponto mais equidistante entre o continente americano e o asiático.

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