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Inflação na Argentina bate recorde de 30 anos e país vê aumento de conflitos sociais

Durante dois dias, na Argentina, mais de 100 mil pessoas protestaram sob o lema "Por trabalho e por salário, contra a fome e contra a pobreza" e culminaram, na quinta-feira (12), na Praça de Maio, em Buenos Aires. A tensão social provocada pela inflação é a maior dos últimos 14 anos e, apesar do anúncio de um auxílio do governo que deve beneficiar 13,6 milhões de trabalhadores informais e aposentados, a maioria da população acha que a situação não vai mudar. 

Os clientes esperam sua vez de comprar legumes em uma feira de alimentos em Buenos Aires, Argentina, quinta-feira, 13 de janeiro de 2022.
Os clientes esperam sua vez de comprar legumes em uma feira de alimentos em Buenos Aires, Argentina, quinta-feira, 13 de janeiro de 2022. AP - Rodrigo Abd
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) da Argentina informou que a inflação de abril foi de 6%, acumulando 23,1% nos quatro primeiros meses do ano e 58% nos últimos 12 meses, a maior taxa desde janeiro de 1992, quando o país saía da hiperinflação.

Com o aumento da inflação, aceleraram-se os protestos em todo o país, conforme registra a consultoria Diagnóstico Político que projeta o ano de 2022 como o de maior conflito social.

"Nos primeiros quatro meses do ano, foram mais de 2.500 protestos com bloqueios de avenidas e estradas em todo o país. Tudo indica que 2022 será o ano com mais bloqueios desde 2009, quando começamos a monitorar os protestos. É o começo de ano mais tenso dos últimos 14 anos", diz Patricio Giusto, analista político, diretor da consultoria Diagnóstico Político.

"Há uma correlação direta da disparada da inflação e da queda de popularidade do governo com o aumento de protestos", afirma.

No ano passado, houve 6.658 manifestações em todo o país, número só superado pelos 6.805 protestos de 2014. Somente em abril de 2022, foram 908 protestos, cifra recorde.

"Se a tendência se mantiver, vamos superar os 10 mil protestos em 2022 e a principal razão é a inflação", indica Giusto.

Sem perspectiva de melhora

Mariel Fornoni, diretora da consultoria Management & Fit, especialista em opinião pública, indica que a população não acredita que o governo possa controlar a inflação.

"A inflação é, de longe, a principal preocupação dos argentinos. Cerca de 45% dos entrevistados colocam esse problema como prioridade, independente da visão política ou da classe social. Ao mesmo tempo, sete de cada dez entrevistados afirmam que o governo não tem nenhuma probabilidade de solucionar o problema da inflação. Nenhuma", sublinha Fornoni.

Os 6% de abril mantém a Argentina no pódio mundial de inflação, apesar da leve queda desde os 6,7% de março, quando o país ficou abaixo apenas dos 7,6% da Rússia, um país em guerra e afetado por sanções econômicas.

"Não estamos satisfeitos nem contentes com os índices de inflação", disse o presidente argentino, Alberto Fernández, nesta quinta-feira (12) em conferência de imprensa em Paris, durante viagem à Europa. "Há uma porcentagem da inflação derivada do aumento dos preços dos alimentos como consequência da guerra", alegou.

Os 58% acumulados nos últimos 12 meses, no entanto, indicam que a guerra tem efeito marginal sobre uma dinâmica de inflação galopante no país.

"É óbvio que esta aceleração não tem nada a ver com o que acontece no mundo. Nos demais países, os aumentos de preços por excesso de emissão monetária e por efeito da invasão russa na Ucrânia aumentaram a inflação em, no máximo, seis ou sete pontos percentuais. Aqui estamos falando de uma inflação que vai superar os 70% em 2022", comparou o economista Aldo Abram, diretor da Fundação Liberdade e Progresso.

Inflação bem alimentada

No melhor cenário, as dez principais consultoras da Argentina preveem uma taxa de inflação de 65,1% em 2022, segundo relatório do Banco Central da Argentina divulgado na semana passada. No entanto, renomados economistas do país não descartam um cenário de 80% para o ano.

Nos primeiros 28 meses do governo de Alberto Fernández, a inflação acumulada ficou em 153,1%, mesmo quando as tarifas de energia elétrica, gás e água mantiveram-se congeladas, 19 programas procuraram controlar os preços, as restrições ao movimento de capitais foram reforçadas e o acesso à moeda estrangeira ficou praticamente proibido.

A partir do próximo mês, estão previstos aumentos nas tarifas de serviços públicos que devem variar entre 17% (tarifa social), 42% (classe média) e 130% (classe alta). Para as indústrias, os aumentos previstos chegam a 73%.

"Daqui para frente, virão os impactos dos aumentos nas tarifas de serviços públicos, nos planos de saúde e na telefonia, além da emissão monetária do governo", adverte Eugenio Marí, economista-chefe da Fundação Liberdade e Progresso.

Sem acesso ao crédito internacional, a Argentina emite moeda sem respaldo, alimentando a inflação.

"A sensação no mercado é de que não existe nenhum programa econômico que defina o rumo do governo, algo básico para o combate à inflação. Existe muita incerteza sobre a real capacidade de o governo reduzir o déficit fiscal para diminuir a emissão monetária e reverter as expectativas inflacionárias", aponta o economista Fausto Spotorno, uma referência no país.

Enquanto o índice de inflação era divulgado, dezenas de colunas de manifestantes, vindos de todo o país, chegavam à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Mais de 100 mil manifestantes marcharam sob o lema "Por trabalho e por salário, contra a fome e contra a pobreza", exigindo aumento dos planos de assistência social, deteriorados pela aceleração do efeito inflacionário.

Ao mesmo tempo, o governo divulgava que 13,6 milhões de trabalhadores informais e aposentados vão receber um "auxílio inflação" durante os dois próximos meses. O dinheiro será um paliativo, mas também virá da emissão monetária e vai convalidar novos aumentos de preços.

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