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Protestos em Cuba podem perder aliados com avanço das detenções e cortes na internet

Havana e Washington trocam acusações sobre a responsabilidade das manifestações que agitaram Cuba no domingo (11), quando milhares de pessoas foram às ruas da ilha reivindicar “Liberdade!" e "Abaixo a ditadura!", segundo as palavras de ordem dos manifestantes. Para inibir os protestos, o governo cubano cortou a internet na segunda-feira (12), o que levanta questionamentos entre observadores sobre a continuidade da mobilização popular. Intelectuais e artistas denunciam a detenção de mais de cem pessoas na ilha. 

As ruas de Havana estavam vazias na segunda-feira 12 de julho de 2021.
As ruas de Havana estavam vazias na segunda-feira 12 de julho de 2021. YAMIL LAGE AFP/File
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Domitille Piron, correspondente da RFI em Havana, e AFP

Mais de cem pessoas são declaradas como detidas em Cuba após os históricos protestos que começaram no domingo na ilha, entre elas alguns opositores conhecidos, como Guillermo Fariñas, o ex-preso político Daniel Ferrer e o artista Luis Manuel Otero Alcántara. De acordo com uma lista publicada na segunda-feira à noite no Twitter pelo Movimento San Isidro (MSI), um grupo de intelectuais e universitários que exigem liberdade de expressão e criação, 114 pessoas foram detidas ou não foram localizadas.

As redes sociais e a internet têm sido determinantes para a mobilização popular. Uma manifestação filmada e transmitida pelo Facebook na manhã de domingo, na pequena localidade de San Antonio de los Baños, perto de Havana, teve o efeito de bola de neve e encorajou outras pessoas a ir para a rua. Os manifestantes, exasperados pela crise econômica causada pela pandemia e também pelo peso das sanções americanas, denunciam a fome, a falta de medicamentos e a intransigência do governo.

Em San Antonio de los Baños, a gota d'água foram os apagões que chegam a durar 12 horas por dia. Com a chegada do verão, diversas usinas termelétricas das 18 que geram a energia do país tiveram problemas, provocando cortes no abastecimento. A falta de eletricidade gera uma irritação cada vez maior na população.

A revolta ganhou força graças às redes sociais. Um dos slogans ouvidos nas ruas foi "pátria e vida", refrão de uma canção de protesto que defende mudanças na ilha e que foi amplamente divulgada na internet. O governo logo acusou os Estados Unidos de estarem por trás dos protestos. 

Vincent Bloch, professor da Universidade de Nova York e especialista em Cuba, avalia que as trocas de mensagens e imagens nas redes permitiram que as pessoas participassem das manifestações com menos medo e apreensão, e entendessem que havia muita gente disposta a ter a mesma atitude. 

A maneira que o governo encontrou para sufocar a rebelião nascente foi cortar o sinal dos telefones celulares. Desde 2018, com a chegada e o desenvolvimento da rede de telefonia móvel na ilha, houve um despertar da sociedade civil cubana e um aumento das críticas às autoridades. O Partido Comunista Cubano acredita que deve travar uma batalha ideológica com os internautas nas redes sociais. Mas esta batalha parece comprometida. O único meio de impedir as trocas é cortando a comunicação, o que aconteceu na segunda-feira. 

O uso de redes privadas do tipo VPN e outros dispositivos para contornar a censura estão se tornando indispensáveis ​​em Cuba. A população teme que, sem a internet, a repressão se torne mais dura, longe dos olhos do mundo. Os relatos de violência e prisões de participantes nos protestos estão se multiplicando. 

Crise lenta e corrosiva

Cuba já estava em crise antes da chegada da pandemia do coronavírus à ilha, em março de 2020. A queda da economia venezuelana, que tem sido seu principal suporte, e o endurecimento do embargo norte-americano durante a gestão de Donald Trump, com mais de 240 sanções adicionais, nocautearam a economia cubana.

As sanções impostas pelo então presidente republicano incluíram o fechamento dos escritórios da Western Union na ilha, no final de 2020. Essa decisão afetou diretamente a população que recebe dólares de seus parentes no exterior. Além disso, os navios de cruzeiro dos Estados Unidos foram proibidos de fazer escala em Cuba. Investidores e bancos foram afugentados sob a ameaça de multas milionárias de Washington. O governo Joe Biden manteve essa política, enquanto a pandemia impediu a entrada de turistas, a segunda fonte de moeda estrangeira no país.

Afetada por reformas lentas e por má gestão administrativa, a economia cubana registrou um recuo de 10,9% em seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, a pior queda desde 1993. Com isso, os cubanos fazem longas filas para ter acesso a alimentos e remédios. Carente de liquidez, o governo abriu várias lojas em dólares, moeda que os cubanos recebem do exterior, ou devem obtê-la no mercado negro, porque não podem contar com os bancos, nem com as casas de câmbio.

As lojas que recebem pesos cubanos estão praticamente sem estoque, o que tem causado indignação por parte da população que não tem moeda estrangeira.

A tudo isso, soma-se a reforma financeira que entrou em vigor no início de 2021 para unificar o peso cubano e o peso conversível (CUC), em vigor há 26 anos. A medida aumentou o salário mínimo em cinco vezes, para US$ 87, e elevou significativamente os demais salários. Do mesmo modo, houve aumento nos preços de bens e serviços. Segundo a Economist Intelligence Unit, em 2021 haverá uma inflação de 400% a 500%.

Epidemia

Embora a ilha, de 11,2 milhões de habitantes, tenha conseguido por mais de um ano conter relativamente o avanço da pandemia, houve um momento crítico de contaminações na semana passada. Cuba registra 244.914 infecções e 1.579 mortes até agora.

Os cientistas cubanos desenvolveram cinco vacinas candidatas contra a Covid-19, incluindo o imunizante chamado Abdala. Na semana passada, o produto recebeu autorização do regulador cubano para seu uso emergencial e se tornou o primeiro imunizante desenvolvido na América Latina contra o coronavírus.

O país começou a vacinar a população em maio. Até o momento, 1,7 milhão de pessoas foram imunizadas com três doses.

Mudança política

Quatro anos e meio após a morte de Fidel Castro e três meses depois que Raúl Castro deixou o poder para se aposentar, muitos cubanos, principalmente jovens, estão pedindo uma mudança. Boa parte exige do presidente e primeiro-secretário do PCC, Miguel Díaz-Canel, espaço para outras formas de pensar e para o debate de diferentes pontos de vista.

Além dessas demandas políticas, os cubanos também querem melhorar as condições de seu cotidiano e ter mais liberdade nos negócios, em um país onde a abertura do setor privado avança lentamente.

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