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EUA: seis meses após morte de George Floyd, Minneapolis ainda vive em clima de tensão racial

Durante sua passagem nesta sexta-feira (30) por Rochester, interior do estado de Minnesota, o presidente Donald Trump resgatou os problemas de gestão dos protestos que surgiram depois da morte de George Floyd pela polícia para reforçar suas críticas às autoridades locais, que limitaram o acesso da população ao seu comício eleitoral.

Memorial George Floyd foi criado no local onde o afro-americano de 46 anos foi morto.
Memorial George Floyd foi criado no local onde o afro-americano de 46 anos foi morto. © Elcio Ramalho/RFI
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Do enviado especial a Minneapolis,

“Os chamados líderes de vocês têm sofrido muito, mas eles não são líderes muito bons como vocês descobriram durante os distúrbios”, ironizou Trump em alusão aos protestos violentos que tiveram início em Minneapolis e se espalharam pelos Estados Unidos antes de gerar manifestações de apoio em vários países no mundo para o movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam).

A onda de violência desencadeada pela tragédia com o afro-americano em 26 de maio colocou o tema da violência policial contra os negros e o racismo na sociedade americana na agenda política em pleno ano eleitoral. Mas durante a campanha, a pandemia e seus efeitos desastrosos na economia dominaram os debates, ofuscando outros temas importantes da sociedade, como a luta pela igualdade social.

Mas na cidade que virou referência da luta pelo combate ao racismo e à violência policial contra os negros, a tensão revelada pelo assassinato ainda não se dissipou. As discussões continuam sobre a reforma na polícia municipal e o futuro do local onde Floyd foi assassinado.

Memorial George Floyd

As ruas que dão acesso ao local onde o afro-americano de 46 anos foi morto quando estava sob custodia policial continuam bloqueadas com objetos que constituem barreiras e bloqueiam a passagem de veículos.

Barreiras improvisadas impedem a passagem de carros no local ond se encontra o Memorial George Floyd.
Barreiras improvisadas impedem a passagem de carros no local ond se encontra o Memorial George Floyd. © Elcio Ramalho/RFI

No caminho, cartazes em frente das casas e pinturas no asfalto indicam o clima que predomina entre os moradores. Um deles diz: “não pode haver paz sem justiça”. Ao seu lado, outro soa como aviso: “George vive aqui”.

Alguns metros adiante, no famoso cruzamento da 38th com a Chicago Avenue, flores cercam o  monumento onde se destaca uma obra com o punho cerrado, símbolo do movimento Black Lives Matter.

Em uma das paredes da loja de conveniência, o Memorial George Floyd, com a imensa pintura de seu rosto e seu nome, se lê a frase “I can’t breath” (Não consigo respirar), dita pelo afro-americano quando teve o pescoço imobilizado pelo joelho do policial branco Derek Chauvin. Ele foi indiciado por homicídio culposo e assassinato em terceiro grau, que deve ser julgado no ano que vem. A cena captada por vídeo de um aparelho celular viralizou e escandalizou o mundo.

Praça com o símbolo do movimento Black Lives Matter
Praça com o símbolo do movimento Black Lives Matter © Elcio Ramalho/RFI

“Ainda sentimos uma certa tensão, mas sem a mesma violência que caracterizou aquele momento. Vemos agora a comunidade levando sua vida normalmente, e é bom ver isso”, diz Ralph Wilson proprietário de um salão e beleza ao lado da loja de conveniência, que acompanha de perto a movimentação no local famoso.

Segundo ele, a morte de George Floyd desapareceu e não repercutiu mais na corrida eleitoral. "Não teve impacto na campanha. Como qualquer outra tragédia, falaram por um tempo, mas agora as pessoas não se preocupam mais, como foi o caso nos primeiros dias depois da tragédia”, diz, sem relatar preferência por um candidato à presidência do país.

“Não tenho preferência, nada vai mudar, democratas ou republicanos, nada muda para mim”, diz o afro-americano.  

Uma referência do caso na campanha veio da irmã de George Floyd, Bridgett que participou da campanha de Joe Biden por meio de um spot publicitário. Na mensagem curta, de pouco mais de 30 segundos, ela diz que Joe Biden é a mudança que o país precisa.

Pintura e homenagens a George Floyd, morto em uma operação policial em Minneapolis.
Pintura e homenagens a George Floyd, morto em uma operação policial em Minneapolis. © Elcio Ramalho/RFI

Reforma da polícia local

O caso George Floyd foi o mais eloquente de um longo histórico de negros vítimas de ações da polícia de Minneapolis, que deu origem a uma das organizações mais ativas no tema. A Ong Communities United Against Police Brutality (CUAPB) celebrou no último dia 22 de outubro o 25° dia nacional de protesto contra a violência policial. Este ano, a data focou nas vidas perdidas pela violência, as chamadas “Stolen Lives”. 

A associação se apresenta como uma entidade com objetivo de criar um clima de resistência aos abusos da autoridade policial e milita para a criação de uma unidade específica para tratar com pessoas que apresentam distúrbios mentais. Uma estatística divulgada pela Ong indica que 50% das vítimas policiais apresentavam algum tipo de distúrbio. Por isso, consideram que os policiais não sabem dar a melhor resposta para muitos desses casos.

Com a morte de Floyd, houve uma grande pressão para desmantelar a Polícia de Minneapolis, mas a iniciativa foi recuada pelas dificuldades de garantir segurança e proteção aos moradores. A conselheira municipal Andrea Jenkins, que mora a duas quadras de onde George Floyd foi morto, defende uma reforma que visa mudar o sistema de financiamento da estrutura policial.

“Defendo a iniciativa de deslocar recursos da política para investir em medidas de proteção e nos problemas que afetam a população, como a falta de moradia e o treinamento de mão de obra para criar oportunidade de trabalho e mais recursos para as estruturas de saúde e escolas", disse.

"Não significa que tenhamos que viver em uma sociedade sem polícia, mas ela tem que ser melhor treinada e preparada para lidar com vários tipos de problemas, como investigar crimes graves e combater o terrorismo. A polícia tem que fazer parte da comunidade. Ela não pode continuar operando como uma força militar”, afirma.  “Muitos que pagam seus salários os veem como inimigos. E parece que as comunidades negras e pardas têm sido alvo da hostilidade policial e isto tem que acabar”, reitera.

Turistas afro-americanos tiarm fotos em frente ao Memorial George Floyd.
Turistas afro-americanos tiarm fotos em frente ao Memorial George Floyd. © Elcio Ramalho/RFI

Memorial virou ponto turístico

Outro problema ainda a ser resolvido é o destino do local onde se encontra o Memorial. Oficialmente, George Floyd é o nome de uma praça, e uma decisão deve ser tomada pelas autoridades sobre a iniciativa de fechar ou não as ruas e transformar o entorno em um espaço fechado definitivamente para a circulação de veículos.

“Os moradores dessa devem ser ouvidos sobre o destino desse lugar”, opina a arquiteta Alisson Salzman, de passagem pelo local.

O Memorial já foi vandalizado, mas tem recebido visitas constantes de admiradores, turistas e muitos afro-americanos de passagem pela cidade. Três motoristas de Houston, no Texas, aproveitaram a vinda à Minneapolis para conhecer de perto o local onde Floyd foi assassinado.

“Espero que isso promova verdadeiras mudanças, começando para que as pessoas entendam que todas as vidas importam. Isto tem que ser o mais importante, toda vida importa. Algumas mudanças devem acontecer, mas ainda temos um grande caminho pela frente”, garante Lonnie Waye, um dos motoristas.

Depois de uma sessão de fotos no local, seu colega Artar Parks não esconde a emoção com a visita. “Viemos aqui para dar apoio e para nunca esquecer o que aconteceu. Para nós, isso faz uma grande diferença. Isso está mudando um pouco, as pessoas já não são as mesmas e estão nos colocando no mesmo nível delas”, afirma.

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