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Coronavírus: Argentina abandona negociações do Mercosul para priorizar política econômica interna

Em meio à crise provocada pela pandemia, governo argentino anuncia abandono de negociações do Mercosul para priorizar a economia interna do país. Os demais membros do bloco devem avaliar medidas jurídicas, institucionais e operacionais contra a decisão.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, no Congresso do país em 1 de março. Argentina anuncia que vai sair de negociações do Mercosul para privilegiar políticas econômicas internas, diante da crise sanitária.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, no Congresso do país em 1 de março. Argentina anuncia que vai sair de negociações do Mercosul para privilegiar políticas econômicas internas, diante da crise sanitária. AFP/Archivos
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Marcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O Paraguai, no exercício da Presidência rotativa do bloco, anunciou a decisão argentina transmitida aos coordenadores de cada país através de uma videoconferência, realizada na sexta-feira (24).

"A República Argentina anunciou a decisão de deixar de participar nas negociações de acordos comerciais em curso e das futuras negociações do bloco", divulgou, em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Paraguai.

"A Argentina informou que adotou esta medida para atender as prioridades da sua política econômica interna, agravada pela pandemia da covid-19, e indicou que não será obstáculo para que os demais Estados Partes prossigam com os diversos processos negociadores", acrescenta a nota.

Atualmente, o Mercosul tem negociações avançadas com Canadá, Coreia do Sul e Singapura, mas também quer avançar com o Japão e iniciar negociações com os Estados Unidos.

Argentina trava o Mercosul

Porém, a postura argentina pode complicar o objetivo dos demais membros do bloco. Pelas atuais regras do Mercosul, todos os países precisam aprovar juntos determinada decisão sem que um possa avançar sozinho. Nas negociações comerciais que envolvem tarifas, todos os países precisam negociar em conjunto e chegar a entendimentos por consenso. A ausência de um, na prática, emperra as negociações de todos.

"A Presidência Pró-Tempore do Paraguai e os demais Estados Partes do Mercosul avaliarão as medidas jurídicas, institucionais e operacionais mais adequadas" para que "a retirada da Argentina das negociações não afete a integração comunitária", indica o comunicado do Paraguai.

União Europeia excluída da decisão

Sobre os acordos de livre comércio assinados no ano passado com a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, nas siglas em inglês), o comunicado ressalta que "a decisão argentina exclui as negociações já concluídas", embora o presidente argentino, Alberto Fernández, já tenha dito que "vai rever os acordos comerciais assinados com a Europa".

Os acordos com a União Europeia e com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) estão em fase de revisão legal para depois serem aprovados pelos respectivos parlamentos.

Em entrevista com a RFI, o economista Marcelo Elizondo, diretor da consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI) especializada em Mercosul, a ruptura argentina é inédita e a decisão prejudica a própria argentina.

"Não é nada saudável para o Mercosul que um dos seus membros represente um desalinhamento absoluto do objetivo do próprio bloco. Nunca houve uma ruptura desse tipo entre os membros fundadores. O Mercosul decidiu internacionalizar-se e a Argentina decide não acompanhar. Essa decisão é prejudicial para a própria Argentina", avalia Elizondo.

Em julho passado, prevendo a possibilidade de uma mudança política na Argentina, os países do Mercosul aprovaram a chamada "cláusula de vigência bilateral", a partir da qual cada país pode entrar individualmente no acordo com a União Europeia à medida que o parlamento de cada Estado aprovar o texto, sem esperar pela aprovação de todos as nações para oficializar a integração.

"O governo argentino está pondo em risco a relação bilateral com o Brasil da qual tanto depende. O acordo pode entrar em vigência sem a Argentina e acho que é isso o que deve acontecer", conclui o economista Marcelo Elizondo.

Proteção do emprego

Porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores da Argentina divulgaram aos jornalistas, de forma informal, um texto com a posição argentina. Nos argumentos, o governo alega que, na sua política interna, a Argentina prioriza "proteger empresas, o emprego e a situação dos mais humildes" como forma de prevenir-se dos efeitos econômicos da pandemia ao contrário de alguns sócios que "defendem uma aceleração das negociações para acordos de livre comércio com Coreia do Sul, Singapura, Líbano, Canadá e Índia, entre outros".

A Argentina está cercada por governos favoráveis à abertura comercial. Durante a sua posse em 1 de março, o presidente uruguaio, Luís Lacalle Pou, enviou um recado ao seu homólogo argentino: os acordos assinados devem ser postos em prática e as negociações em andamento devem ser terminadas.

"Os processos iniciados devem ser terminados. Caso contrário, geram falta de credibilidade", advertiu Lacalle Pou.

Quando o presidente argentino, Alberto Fernández, assumiu em dezembro passado, Jair Bolsonaro indicou uma reação se a Argentina adotasse o caminho do protecionismo. "Não digo que sairemos do Mercosul, mas podemos juntar-nos com o Paraguai e com o Uruguai e decidirmos se a Argentina fere alguma cláusula. Se ferir, então, podemos afastá-la", avisava Bolsonaro.

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