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Peru: lei que isenta policiais e militares de responsabilidade penal durante pandemia do coronavírus causa polêmica

Em pleno estado de emergência devido à pandemia de coronavírus, o novo Congresso peruano aprovou um decreto polêmico que exime de qualquer responsabiliadde penal as forças da ordem que provocarem ferimentos ou morte a terceiros, no desempenho de suas funções.

Pessoas que não respeitam o confinamento decretado pelo governo são detidas por policiais e militares nas ruas de Lima. 26/03/2020
Pessoas que não respeitam o confinamento decretado pelo governo são detidas por policiais e militares nas ruas de Lima. 26/03/2020 © REUTERS/Sebastian Castaneda
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Dánae Rivadeneyra, da RFI

Em entrevista à RFI, Gloria Cano, secretária-geral da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), explica que o decreto está longe de forçar os cidadãos a cumprir as ordens de isolamento social, e sim, tem apenas objetivos populistas.

No final de semana, o Congresso da República do Peru promulgou a Lei nº 31012, "Lei de Proteção Policial", cujo parágrafo principal afirma: "Os agentes das Forças Armadas e da Polícia Nacional do Peru estão isentos de responsabilidade criminal quando, no cumprimento de sua função constitucional e no uso de suas armas ou outros meios de defesa, de maneira regulamentar, causem ferimentos ou morte".

Este decreto foi adotado no contexto de emergência sanitária, que exige um isolamento social total e toque de recolher das 20h às 5h. As medidas restritivas cada vez mais mais duras foram decididas diante do desrespeito dos cidadãos em cumprir as regras. Até o momento, estima-se que 33.000 pessoas foram detidas por violar as normas. A situação levou a uma divisão no Peru, pois há muitos que exigem ações mais rígidas para impedir a propagação do novo coronavírus.

No entanto, a aprovação desta lei, que garante carta branca para as ações das forças de ordem, traz um cenário preocupante, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.  Gloria Cano explica que essa lei não é nova, pois é um projeto do Congresso anterior, dissolvido constitucionalmente pelo presidente Martín Vizcarra.

“Nós, como membros de organizações de direitos humanos, nos manifestamos contra esse decreto. Ele não foi adotado no contexto da luta contra a epidemia, mas elaborado pelo Congresso anterior para enfrentar situações de conflito social”, lembra Cano.

De acordo com a secretária-geral da FIDH, na época essa lei não foi aprovada pelo Ministério da Justiça ou pela Ouvidoria. “Segundo constatamos, a própria Polícia está descontente com a adoção desse decreto, uma vez que contraria o princípio da igualdade perante a lei, porque eles seriam os únicos funcionários que seriam dispensados de responder à Justiça por qualquer crime que cometam durante o exercício de suas funções."

Denúncias de abusos policiais

No país, surgiram muitos questionamentos sobre a decisão do novo Congresso de aprovar um projeto de lei do Legislativo anterior.

“Entendemos que tem havido uma ânsia mais populista, desde que o presidente da República assumiu a liderança diante de uma situação de pandemia e de uma grave situação de saúde pública. Talvez, os políticos do Congresso queiram aproveitar essa onda de popularidade, com uma lei em resposta à parcela da população que não respeita as recomendações de ficar em casa. Espero que seja revogada pelo próprio Congresso ou que o Tribunal Constitucional a declare inconstitucional. Isso pode ser solicitado pelo Ministério da Justiça ou pela Procuradoria de Justiça, que já se declarou contrária”, argumenta Gloria Cano.

Embora a origem do polêmico decreto não esteja relacionada à tentativa de frear o coronavírus, no atual contexto de confinamento e toque de recolher, casos de abusos por parte das forças da ordem já foram relatados. Um desses casos de suposto abuso policial teria sido cometido contra o jornalista Ralph Zapata, editor regional da plataforma digital "Ojo Público". Ele foi levado de sua casa para uma  delegacia de polícia e contestou a detenção.

“Eu estava coordenando a edição regional com meu editor-geral quando me aproximei da da porta de entrada porque ouvi que dez policiais estavam repreendendo minha mãe, que tem 75 anos e estava sentada ao lado da porta. Os policiais disseram que ela tinha que entrar em sua casa devido ao estado de emergência e ao toque de recolher. Ela disse ‘eu estou dentro da minha casa’. Naquele momento, quando cheguei perto, os policiais me agarraram pelo pescoço, me puxaram violentamente, estava sem sapatos e assim fui levado à delegacia. Eu fiquei chocado (...) No (site) Ojo Público estamos totalmente convencidos e apoiamos as medidas restritivas do governo para enfrentar a pandemia, no entanto, nunca vamos tolerar os abusos da Polícia e das Forças Armadas (...) isso foi claramente um abuso policial”, denuncia.

Ralph Zapata afirma que, de acordo com as informações que recebeu, em áreas remotas da região de Piura, a duas horas da fronteira com o Equador, estão ocorrendo excessos policiais. "Estou preocupado com a situação nesse locais, temos muitas regiões vulneráveis ​​que tentamos defender desde a promulgação dessa lei."

No Peru, diante do flagrante desrespeito dos cidadãos – até o momento 33.000 foram detidos infringindo ordens de confinamento, o governo anuncia que o toque de recolher para certas regiões começará mais cedo do que o planejado.

Medidas semelhantes estão ocorrendo em outros países da América Latina, como El Salvador, Honduras e Guatemala, onde garantias constitucionais foram suspensas, o que representa uma grande preocupação, segundo organizações de direitos humanos.

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