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O Mundo Agora

Irã foi fominha demais e abusou de posição de líder regional

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A década de 2020 começou com um estranho fogo de artifício : um drone americano matando o principal comandante militar iraniano Qassem Soleimani.

Multidão acompanha funeral de Qassem Soleimani no Irã, segunda-feira, 6 de janeiro de 2020.
Multidão acompanha funeral de Qassem Soleimani no Irã, segunda-feira, 6 de janeiro de 2020. Atta KENARE / AFP
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A decisão de Donald Trump de escalar o conflito com a república dos aiatolás pode ter várias explicações: motivos eleitoreiros, o traumatismo dos reféns da embaixada americana em Teerã em 1979, o recente ataque de milícias pró-iranianas contra a embaixada em Bagdá, a preparação de uma ofensiva contra a presença dos americanos na região, a instabilidade emocional da Casa Branca... Mas de fato, essa nova ameaça de uma guerra convencional entre os dois países é uma demonstração dos limites das guerras “híbridas” ou “assimétricas” do século XXI.

Esses conflitos de baixa intensidade são utilizados por Estados mais fracos para obter pequenas vantagens geopolíticas, sem arriscar uma guerra de verdade com o mais forte. A solução é usar aliados, grupos terroristas, milícias privadas ou religiosas, para ações militares locais e limitadas. O objetivo é conquistar pequenas vitórias táticas aproveitando a falta de apetite dos Estados mais poderosos por grandes intervenções militares.

O russo Vladimir Putin soube perfeitamente explorar essa estreita margem de manobra na Ucrânia, perfeitamente consciente de que nem os europeus nem os americanos estavam dispostos a morrer pelo governo de Kiev. Mas a condição foi não tentar conquistar e mandar no território ucraniano. Ganhar alguma vantagem diplomática ou pedaços de territórios aqui e acolá, tudo bem. Mas mudar os grandes equilíbrios geoestratégicos, nem pensar.

Irã muda jogo no Oriente Médio

O Irã, com seu programa atômico, seus mísseis precisos e de largo alcance, e suas intervenções por procuração, estava começando a alterar o jogo no Oriente Médio. O resultado foi a ruptura do acordo nuclear por parte dos Estados Unidos e as duras sanções econômicas ocidentais que arruinaram o país. O Irã sabe perfeitamente que não tem condições militares e econômicas de peitar os Estados Unidos num conflito militar aberto.

Soleimani foi o arquiteto de uma ambiciosa resposta indireta: fortalecer um verdadeiro império iraniano a baixo custo, no Leste e Norte da região. Um arco de influência iraniana que vai do Iraque – cada vez mais controlado por Teerã e suas milícias – até o Líbano do seu aliado Hezbollah, passando pela Síria onde as milícias xiitas cumprem um papel determinante. Além de controlar as milícias houthis no Iêmen para neutralizar as forças de seu inimigo saudita.

Uma brilhante partida de xadrez geopolítico, mas que só pode prosperar se não cutucar demais as feras adversas, Washington e Jerusalém. O perigo para Teerã era que os inimigos poderosos perdessem a paciência e chutassem o tabuleiro. E foi o que aconteceu. Qassem Soleimani – comandante da Força Qods, o prestigioso instrumento de intervenção externa das tropas de elite da Guarda Revolucionária – foi fominha demais.

Na verdade, os iranianos se meteram numa perigosa posição de xeque e mate. Dentro do Irã, a população vem se revoltando contra condições de vida miseráveis e reclamando da dinheirama que vai para as aventuras externas em vez de melhorar a vida dos cidadãos.

Nos países da região inclusive no Iraque xiita – as populações protestam nas ruas contra a mão de aço dos iranianos e suas milícias. Consulados iranianos foram queimados em Najaf e Basra, multidões xiitas manifestaram contra a presença iraniana no país. No Líbano, a população de Beirute vem gritando há semanas pelo fim da partilha religiosa do poder.

Na Síria, as milícias xiitas são sistematicamente enfraquecidas pelos bombardeios da aviação israelense. Para sair dessa enrascada Soleimani, queria dobrar a aposta na guerra “híbrida”: atacar mais sistematicamente alvos americanos na região para transformar a raiva anti-iraniana em raiva antiamericana. Só que desta vez, Washington pôs os pingos nos “is”: ou Teerã para por aí, ou vai ter que encarar uma escalada militar que não tem condições de aguentar. A grande pergunta das próximas semanas é como o regime dos aiatolás vai tentar salvar a pele sem perder a face.

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