Na véspera das eleições locais realizadas neste domingo (14) na Alemanha, Angela Merkel declarou que estava "cruzando os dedos". Não bastou. O partido da chanceler alemã, a União Democrata Cristã (CDU), perdeu votos nos três Estados federais em jogo: o rico Baden-Württemberg, a Renânia-Palatinado e sobretudo a Alta Saxônia, na antiga Alemanha Oriental.
A CDU continua sendo o maior partido alemão, e os seus parceiros no governo federal, os socialistas do SPD, tiveram um resultado eleitoral muito pior. Mas isso não dá para tapar a dura realidade: os votos perdidos foram para o partido populista de extrema direita, xenófobo e antieuro, o AfD (Alternativa para a Alemanha). Na Alta Saxônia, o AfD ultrapassou fácil os 20% dos sufrágios, o melhor resultado para um partido de extrema-direita desde o fim do partido nazista em 1945.
A direita xenófoba só bateu numa tecla: a rejeição das centenas de milhares de refugiados que vieram para a Alemanha nos últimos meses. Um tsunami encorajado pela própria chanceler, que declarou publicamente estar disposta a acolher um milhão de migrantes e que isto era extremamente positivo para o futuro da Alemanha.
Merkel, que vem da antiga Alemanha do Leste comunista, deixou bem claro que não mais toleraria muros, na Alemanha e na Europa. Só que essas posições corajosas tanto do ponto de vista moral quanto econômico provocaram uma rebordosa política interna e nos países europeus vizinhos. Na Europa inteira, os partidos da ultradireita xenófoba estão avançando com o argumento de que os refugiados constituem uma "invasão" que vai acabar com a cultura e os modos de vida nacionais, e favorecer a infiltração de terroristas.
Merkel sai enfraquecida, mas não tem adversário à altura
Merkel ainda tem muita força política em nível federal, mas não há dúvida de que saiu enfraquecida dos pleitos de domingo. Para ela, a única ameaça séria só pode vir do seu próprio partido, apavorado com a perspectiva de perder eleitores à direita. Mas ainda não há um líder alternativo com muque suficiente para tentar um golpe interno. A questão principal para a chanceler vai ser com os parceiros europeus.
Imprensada contra a parede pelo monte de problemas provocados pelo êxodo de refugiados, Merkel negociou praticamente sozinha − e sem consultar o resto dos membros da União Europeia − um acordo com o governo turco de Recep Tayyip Erdogan. A Turquia ficaria com os refugiados e impediria o trânsito para a Europa. Em contrapartida, os cidadãos turcos teriam entrada livre no espaço europeu e as negociações para a adesão da Turquia à União Europeia seriam retomadas a sério.
Ora, boa parte dos outros países europeus não querem saber desse tipo de acordo com os turcos e consideram que Erdogan está chantageando a Europa com o problema dos migrantes. Angela Merkel vai ter que convencê-los a apoiar o acordo. Não vai ser fácil depois das derrotas eleitorais de domingo. E se a Europa se recusar a seguir a chanceler alemã, isto só poderá debilitar ainda mais a posição de Merkel na política interna.
Sem âncora sólida, paz e unidade da Europa estão ameaçadas
A situação atual é uma catástrofe para a Europa. Com a acumulação de problemas econômicos, sociais, demográficos, junto com as tentações secessionistas, nacionalistas e populistas, toda a construção europeia está ameaçada. E por enquanto, a única âncora sólida no meio dessa tempestade é Angela Merkel, chamada cada vez mais de "Imperatriz da Europa". Foi ela que conseguiu resolver o problema da crise grega e também é ela que está tentando enfrentar corajosamente, e de maneira prática, a crise dos refugiados, defendendo ao mesmo tempo os valores morais essenciais para a manutenção da paz e da democracia no Velho Continente.
Se amanhã, uma Alemanha sem Merkel e cada vez mais influenciada pela extrema-direita populista decidir abandonar essa liderança do processo de integração, não há mais nenhum líder nem país europeu capaz de manter a unidade da Europa. E nesse tão Velho Continente, a fragmentação é sempre sinônimo de tensões e imensas tragédias bélicas que acabam sempre envolvendo o resto do mundo. Só resta torcer para que Angela Merkel tenha condições de aguentar o rojão por mais algum tempo.
Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica semanal às segundas-feiras para a RFI
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