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Um pulo em Paris

Marcha contra antissemitismo convocada para domingo expõe divisões na França

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Depois da conferência de ajuda humanitária para palestinos da Faixa de Gaza, que levantou na quinta-feira (9) US$ 1,07 bilhão (cerca de R$ 5,24 bilhões) de doações em Paris, os franceses se preparam para uma marcha que vai acontecer no domingo (12) contra o antissemitismo.

Em 9 de outubro, dois dias após a invasão do Hamas no território hebreu, organizações judaicas promoveram uma manifestação de apoio a Israel que reuniu 16 mil pessoas em Paris.
Em 9 de outubro, dois dias após a invasão do Hamas no território hebreu, organizações judaicas promoveram uma manifestação de apoio a Israel que reuniu 16 mil pessoas em Paris. AFP - JULIEN DE ROSA
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A manifestação foi convocada pelos presidentes do Senado, Gérard Larcher, e da Assembleia de Deputados, Yael Braun-Pivet, com o objetivo de demonstrar solidariedade aos judeus e repúdio às agressões antissemitas que explodiram na França e na Europa desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro. Entretanto, em vez de representar um momento de unidade do país, essa marcha está escancarando divisões, tanto entre políticos quanto na sociedade.

O presidente Emmanuel Macron decidiu se ausentar para não criar um mal-estar com os países árabes. A primeira-ministra Élisabeth Borne irá representar o governo. Os ex-presidentes Nicolas Sarkozy e François Hollande confirmaram presença. 

Logo que a iniciativa foi anunciada, a líder de extrema direita Marine Le Pen, que herdou do pai, Jean-Marie Le Pen, um partido antissemita e xenófobo, e há anos busca ocultar esse passado com uma equipe mais jovem, confirmou que irá à manifestação com o atual presidente de seu partido Reunião Nacional (RN), Jordan Bardella. Outro partido xenófobo, o Reconquista, fundado pelo jornalista Éric Zemmour também se prontificou a aparecer. 

Essa adesão da extrema direita, vista como oportunista, criou constrangimento e protestos de entidades judaicas mobilizadas para o ato. O Conselho Representativo das Instituições Judaicas (Crif) na França declarou que a extrema direita promove "uma recuperação indecente" da iniciativa. 

Já o partido de esquerda radical França Insubmissa (LFI) se recusou a participar de uma manifestação organizada, segundo o líder Jean-Luc Mélenchon, "por amigos que dão apoio incondicional ao massacre" de palestinos. 

Líderes católicos e protestantes indicaram que irão à caminhada. Por outro lado, líderes muçulmanos estão mais relutantes. A principal entidade que representa a comunidade – Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) – afirma que uma marcha que tem o objetivo exclusivo de denunciar o antissemitismo sem uma palavra sobre a islamofobia, "infelizmente não é suscetível de unir as pessoas”.

A União dos Muçulmanos Franceses declarou que condena sem reservas o antissemitismo, mas afirma que não irá caminhar ao lado de "islamofóbicos notórios" e apoiadores de um Estado colonial [referindo-se a Israel] que não têm uma palavra para a Palestina”. Alguns pregadores muçulmanos disseram à imprensa que irão ao ato público. As associações judaicas estão bastante mobilizadas.

Ameaças de morte

Os franceses ainda têm na memória uma manifestação histórica contra a intolerância e o ódio, ocorrida logo após a série de atentados terroristas islâmicos de janeiro de 2015. Na época, 1,4 milhão de pessoas participaram de uma marcha no dia 11 de janeiro, em Paris, que marcou pela presença de líderes estrangeiros, pessoas de todas as religiões e centenas de artistas. Oito anos depois, artistas judeus têm evitado dizer se irão à manifestação de domingo depois de receberem ameaças de morte contra eles e familiares.

Para os organizadores, o número de participantes é uma incógnita. Os franceses estão preocupados com o impacto da guerra na Faixa de Gaza dentro do país. De acordo com uma pesquisa recente Harris Interactive para o canal de TV LCI, 82% dos franceses acreditam que o conflito terá repercussões no risco terrorista dentro do território francês. Para 81% dos entrevistados, o conflito na Faixa de Gaza irá favorecer a “ascensão do extremismo”, aumentando a desconfiança entre a própria população (76%). “A segurança dos judeus na França” (74%) e “a segurança dos muçulmanos” (60%) são outras consequências temidas pela população.

Curiosamente, essa pesquisa indicou que a posição moderada do predidente Emmanuel Macron agrada a 39% dos entrevistados. Nenhum líder político se sai melhor do que o chefe de Estado quando se expressa sobre o conflito na Faixa de Gaza. Algumas declarações de Macron foram contundentes, principalmente quando ele disse que não fazia distinção entre a vida de um judeu e a de um palestino. "Todas as vidas contam", afirmou Macron, pedindo a Israel mais proteção aos civis na Faixa de Gaza. 

Fórum da Paz de Paris busca evitar guerras do amanhã 

Começou nesta sexta-feira (10) a 6ª edição do Fórum da Paz de Paris, um espaço de discussão e lançamento de projetos para melhorar a governança global em várias áreas, sempre com apoio a iniciativas multilaterais. O evento foi criado por Macron em 2018, no início de seu primeiro mandato. Os críticos dizem que depois de a França perder influência, sem conseguir pesar de verdade na resolução de conflitos e crises internacionais, Macron criou eventos desse tipo para ter o que mostrar e não perder protagonismo na cena diplomática. 

A denominação de Fórum da Paz faz logo as pessoas pensarem em guerras, mas o diretor-geral dessa plataforma de ações, o historiador Justin Vaïsse, que coordena um trabalho de longo prazo com os países participantes, como é o caso do Brasil, diz que a verdadeira vocação do fórum é construir a paz de amanhã. A guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza impacta o encontro, enquanto a invasão russa na Ucrânia um pouco menos neste ano. O foco de dois dias de discussões em Paris são as mudanças climáticas e a aceleração do uso da inteligência artificial, que têm potencial para criar outros conflitos graves no futuro. 

Nesse momento de reorganização do sistema internacional, o Fórum da Paz de Paris tem buscado um consenso sobre regras para combater a desinformação, os ataques cibernéticos, o eterno problema das desigualdades entre países ricos e pobres e o aquecimento global. A percepção da diplomacia francesa é que essas questões associadas causarão cada vez mais problemas geopolíticos.

França e Reino Unido apresentaram uma proposta de regulamentação contra a proliferação de ferramentas de ciberataque desenvolvidas pelo setor privado, que podem desestabilizar países, como já aconteceu com o software de espionagem Pegasus, criado por uma empresa israelense. Para ajudar os países pobres a enfrentar as mudanças climáticas, Macron defende um novo modo de funcionamento dos bancos de financiamento multilaterais. Especialistas também estão discutindo prevenção a futuras pandemias, em uma agenda diversificada.

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