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Um pulo em Paris

França enfrenta ofensiva de grupos extremistas de direita

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A França enfrenta uma ofensiva de manifestantes de extrema direita que levou as autoridades a proibir cinco manifestações fascistas que estavam programadas neste fim de semana em Paris.

Ativistas picharam prédios em torno do Espaço Charenton, no 12º distrito da capital, onde ocorreria um seminário do grupo Ação Francesa, da extrema direita radical, que acabou sendo proibido.
Ativistas picharam prédios em torno do Espaço Charenton, no 12º distrito da capital, onde ocorreria um seminário do grupo Ação Francesa, da extrema direita radical, que acabou sendo proibido. © Taíssa Stivanin/RFI
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Cinco grupos de extrema direita, alguns bastante conhecidos, outros que ganharam força nos últimos anos, inclusive com conexões com outros grupos neonazistas na Europa, pretendiam fazer passeatas em Paris, mas foram proibidos pelas autoridades de segurança pública nesta sexta-feira (12) diante das críticas da oposição e de acontecimentos graves que chocaram a opinião pública nos últimos dias.

Um dos eventos proibidos foi o encontro anual do movimento monarquista Action Française (Ação Francesa), que começaria neste sábado (13), no 12° distrito de Paris. O colóquio seria encerrado no domingo (14), com os ativistas fazendo uma homenagem à Joana d'Arc, diante da estátua dedicada à heroína, próxima ao Museu do Louvre. No entanto, a manifestação não foi autorizada.

Desde os anos 1980, a figura de Joana d'Arc, camponesa que combateu os ingleses na Guerra dos Cem Anos, no fim da Idade Média, tornou-se uma figura de adoração da extrema direita francesa, por representar a defesa do país contra o invasor estrangeiro. Depois de ser capturada pelos ingleses, ela foi condenada por bruxaria e queimada viva. A heroína tornou-se um ícone da extrema direita depois de Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen e fundador do partido xenófobo Frente Nacional, declarar que Joana d'Arc era a personalidade francesa que ele mais admirava.

Outra manifestação proibida pelas autoridades neste fim de semana era a "Marcha do Orgulho Francês", organizada por um grupo de militares fundadores do site Lugar das Armas (Place des Armes). Em 2021, durante a campanha presidencial, este grupo publicou um manifesto golpista endereçado ao presidente Emmanuel Macron afirmando que o país estava a caminho de uma 'guerra civil' por causa do extremismo religioso – leia-se muçulmano. Na época, a líder de extrema direita Marine Le Pen elogiou os generais que assinaram a carta. Havia ainda uma manifestação de um grupo nacionalista antissemita, cujos militantes são admiradores do general Philippe Pétain, um ex-colaborador nazista. 

Na última terça-feira (9), o ministro do Interior, Gérald Darmanin, havia anunciado que iria proibir as passeatas da extrema direita depois da controvérsia causada por um encontro de 600 neonazistas no último sábado (6), em Paris. No entanto, os nacionalistas da Ação Francesa publicaram um comunicado em seu site dizendo que qualquer tentativa de impedir esta homenagem que eles fazem há mais de um século a Joana d'Arc não seria respeitada. 

Fachadas do bairro onde iria acontecer o encontro anual dos militantes xenófobos estão cobertas de pichações, tanto da extrema direita quanto do partido A França Insubmissa, de extrema esquerda, que pretendia fazer uma contramanifestação no local. Ainda pode haver tensão no sábado, mesmo com a proibiçao da polícia. 

Controvérsia após desfile neonazista

No fim de semana passado, cerca de 500 ativistas de um grupo neonazista, o Comitê 9 de Maio, se reuniram no 6° distrito de Paris, uma área nobre da cidade, para recordar a morte acidental do militante de extrema direita Sebastien Deyzieu, que caiu de um prédio em 1994, quando fugia da polícia. 

Entretanto, as imagens de centenas de pessoas vestidas de preto e com o rosto coberto por máscaras, carregando bandeiras pretas com a cruz celta – um símbolo usado por supremacistas brancos –, chocou muita gente. Os manifestantes, a maioria homens jovens,  carregaram uma longa faixa onde estava escrito "Sebastien presente". De tempos em tempos, acendendo sinalizadores e foguetes, eles gritavam o slogan "Europa, Juventude, Revolução", que foi criado por um outro grupo de extrema direita, bastante violento, que surgiu na faculdade de Direito da Sorbonne em 1968, o GUD. 

Terminada a manifestação em Paris, 300 neonazistas encerraram a noite fazendo uma festa em uma sala municipal de Saint-Cyr-l’École, a oeste da capital, onde fica a maior escola de cadetes e oficiais da França. Ironicamente, a sala alugada se chama Simone Veil, a ex-ministra francesa da Saúde que foi deportada para o campo de concentração de Auschwitz em 1944. Na festa, os participantes fizeram saudações nazistas, segundo revelou o site Mediapart.

Prefeito que teve casa incendiada por extremistas renuncia

Além dessa manifestação que causou protestos de políticos e da comunidade judaica, o prefeito de uma cidade francesa renunciou nesta semana ao cargo depois de ter a casa incendida por extremistas de direita.

O médico Yannick Morez, agora ex-prefeito de Saint-Brevin-les-Pins, uma cidade balneária de 14 mil habitantes, foi alvo de um ataque extremista porque pretendia mudar para um local maior um centro de acolhimento de requerentes de asilo que já existe no município desde 2016.

Em março deste ano, quando ele estava dormindo com a mulher e os três filhos dentro de casa, extremistas de direita jogaram um coquetel molotov no carro da família, estacionado em frente à porta de entrada. O veículo pegou fogo, e as chamas ainda se espalharam por toda a fachada da casa. A família conseguiu se salvar, mas o prefeito continuou sendo assediado, ameaçado de morte por querer receber mais imigrantes na cidade. 

Morez diz ter solicitado proteção do Estado várias vezes depois do incidente, sem se sentir realmente em segurança. Depois da renúncia, o presidente Emmanuel Macron, que havia escrito uma carta ao prefeito na época dos fatos, declarou que as ameaças ao gestor municipal eram "indignas". A primeira-ministra Élisabeth Borne lamentou "o aumento dos extremismos na França", em geral. 

Em uma longa reportagem sobre o caso publicada nesta sexta-feita (12), o jornal Libération observa que violência dos extremistas de direita tem recebido incentivo do ex-candidato à presidência Eric Zemmour, que foi derrotado no primeiro turno da eleição passada pela adversária Marine Le Pen. 

Desde setembro, Zemmour voltou à atividade política e tem incitado seus seguidores a percorrer cidades em todo o país, que recebem refugiados, para levantar a população contra os imigrantes. Em várias localidades, prefeitos já desistiram de acolher refugiados pela pressão dos extremistas de direita.

Dois pesos, duas medidas

As autoridades francesas têm sido muito criticadas por uma política de dois pesos, duas medidas. O ministro do Interior, que é de direita, se refere aos radicais de extrema esquerda que participam das manifestações contra a reforma da Previdência de “terroristas”. Darmanin também proíbe a população de fazer panelaços, mas autorizou a manifestação que reuniu mais de 500 neonazistas. É uma condescendência preocupante.

O presidente Macron é cada vez mais detestado por franceses que atribuem a ele essa polarização no país. A esquerda e até a direita republicana responsabilizam Macron por ter atraído Marine Le Pen para o segundo turno das duas eleições que disputou, contando que os franceses escolheriam o voto útil para barrar a extrema direita. 

As dificuldades de Macron em compartilhar o poder com aliados acabou por favorecer Le Pen. A extrema direita perdeu a eleição presidencial, mas elegeu 89 deputados na Assembleia Nacional. Embalados por esse sucesso eleitoral, os grupos neofascistas se tornaram atores de peso nas redes sociais e conquistam novos seguidores. 

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