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Um pulo em Paris

França acolhe 100 mil refugiados ucranianos; a maioria não vê a hora de voltar para casa

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A guerra na Ucrânia entrou em seu segundo ano nesta sexta-feira (24) sem nenhuma perspectiva de trégua. Os 100 mil refugiados ucranianos acolhidos no território francês estão mais do que nunca preocupados com familiares e amigos que deixaram para trás. Apesar de se sentirem bem acolhidos, eles só têm um sonho: voltar para casa e reconstruir o país. 

A Torre Eiffel ficará iluminada com as cores da bandeira da Ucrânia até 26 de fevereiro.
A Torre Eiffel ficará iluminada com as cores da bandeira da Ucrânia até 26 de fevereiro. REUTERS - SARAH MEYSSONNIER
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O retorno da guerra na Europa tem enorme impacto no dia a dia dos franceses, que são inundados de imagens atrozes das trincheiras no leste da Ucrânia, seja em reportagens na TV ou vídeos postados pelos soldados nas redes sociais. Milhares de homens jovens morrem diariamente sob as bombas dos dois lados, o que parecia impensável depois de dois conflitos mundiais.

Russos e ucranianos travam uma guerra de alta intensidade, comparada à barbárie que foi a Primeira Guerra Mundial. O futuro de dois países e de boa parte do mundo está comprometido pelo que historiadores e analistas citam como uma "loucura" do poder revisionista do presidente russo, Vladimir Putin.

Na França, a opinião pública tem grande admiração pela coragem e resiliência dos ucranianos. Uma pesquisa recém-publicada pelo instituto Ipsos mostra que para 56% dos franceses, o governo deve continuar apoiando a Ucrânia, inclusive enviando armas, até a retirada completa das forças russas. Entre os mais velhos, com mais de 50 anos de idade, esse apoio sobe para 66%, porque eles têm uma consciência mais sensível sobre os horrores vividos nos períodos de ocupação das duas grandes guerras na Europa. 

A França acolhe atualmente 100 mil refugiados ucranianos; 90% são mulheres e crianças, já que os homens de 18 a 60 anos de idade não podem deixar o país por causa da lei marcial. Em um ano, a França absorveu 20 mil crianças e adolescentes na rede pública de ensino. Houve alguns períodos de retorno, mas agora este número se estabilizou. A maioria vive em Paris, Nice e Estrasburgo.

O governo francês concedeu autorização de trabalho temporário para 65 mil refugiados, que encontraram emprego em setores com falta de mão de obra: em hotéis, restaurantes e no comércio. O Estado francês gastou até agora € 500 milhões (R$ 2,7 bilhões) para receber os refugiados, verba que paga despesas de alojamento e um auxílio mensal de subsistência. O acesso à escola e o atendimento de saúde é gratuito para os ucranianos. 

Nas escolas, professores e alunos se adaptaram bem à nova realidade. As crianças ucranianas aprendem rapidamente o francês e as mães se sentem bem acolhidas. Essas famílias deslocadas são provenientes de todas as regiões da Ucrânia, inclusive de áreas em que falavam russo – a população que Putin alegou que precisava "salvar do genocídio" na Ucrânia. 

Há famílias de Mariupol, Zaporíjia e Odessa, onde 80% da população fala russo, entre outras cidades. O presidente Volodymyr Zelensky também fala russo fluentemente. 

Os diretores de escola dizem não ver rivalidade entre os alunos refugiados. Algumas crianças brincam dizendo que o mais difícil é aprender a história da França. 

A única queixa dessas famílias é que elas mudaram várias vezes de casa em um ano, por depender de quartos e apartamentos oferecidos pelos franceses. Mas a rede de solidariedade funciona bem.

Posição do governo Lula na guerra

A proposta do presidente Lula de criar um clube de países para negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, conta com o apoio declarado do presidente Emmanuel Macron. Desde o início do conflito, Macron privilegiou o diálogo com Putin. Mas essa disposição não resultou em qualquer avanço, e o líder francês passou a ser cobrado por sua ambivalência. 

Nesta sexta-feira, data em que a guerra entra no segundo ano, Macron disse que a França estará ao lado da Ucrânia até a vitória. Ele defendeu a necessidade de aumentar a pressão contra a Rússia, depois de declarar há poucos dias que era preciso "não humilhar" Moscou.

A Rússia diz que estuda o plano proposto pelo presidente Lula, mas tudo depende da situação no campo de batalha, segundo um comunicado do Kremlin.

A China também defende o diálogo entre as partes, mas Putin insiste que não abrirá mão do reconhecimento dos quatro territórios que anexou em outubro passado sem sequer controlá-los na Ucrânia. Isolado, o presidente russo busca uma vitória para se manter no poder.  

Emergência de nova ordem mundial

As iniciativas diplomáticas em busca da paz são bem-vindas. Mas a questão é saber se a Rússia, depois de invadir um país independente, sairá desse conflito levando uma parte do território ucraniano, o que significará que a força terá prevalecido sobre o direito, com consequências imprevisíveis em outras regiões do mundo. O estabelecimento de uma nova ordem internacional oriunda desse uso da força é a principal preocupação dos europeus.

Os europeus não são ingênuos, eles sabem que a ordem internacional do pós-guerra, de dominação ocidental, está em declínio absoluto. Hoje, existe um grande número de países não alinhados. Rússia e China atuam em parceria para construir uma outra ordem mundial, algo que o Brasil também almeja. 

Os europeus apoiam a Ucrânia pela proximidade geográfica que a ameaça russa representa e para impedir que o modelo democrático liberal seja substituído por modelos autocráticos. Na percepção dos europeus, a Ucrânia tornou-se um espaço onde se trava uma guerra de valores, de princípios de liberdade, estabilidade e segurança que foram conquistados a duras penas depois de séculos de guerras entre os povos do continente.

A invasão russa já modificou o equilíbrio de forças dentro do bloco, entre oeste e leste, com a Polônia e os países bálticos crescendo em influência, depois de terem alertado Alemanha e França durante anos sobre o risco que a Rússia representava em termos de segurança. 

Sem a Otan e os Estados Unidos, por falta de um sistema próprio de defesa, os europeus não tinham outra saída neste momento a não ser se unir novamente numa frente ocidental. As capitais europeias conhecem os planos expansionistas da China e o espaço que a Rússia conquistou na África e no Oriente Médio nos últimos anos. Fontes de inteligência da França e dos Estados Unidos afirmam que Pequim, apesar de negar, tem ajudado a Rússia com armas e componentes.

Agressão não pode ser recompensada, diz chanceler

Em entrevista ao jornal Le Parisien nesta sexta-feira, a ministra francesa de Relações Exteriores disse que a Rússia sofre uma derrota "estratégica, política e moral". "Não haverá paz e estabilidade em nenhum lugar se as agressões forem recompensadas", explicou. "Basta abrir um livro de história para compreender isso", completou.

Com o objetivo de reafirmar a solidariedade com o sofrimento dos ucranianos, várias cidades francesas estão promovendo eventos públicos para arrecadação de doações. Simbolicamente, a Torre Eiffel ficará iluminada até domingo (26) com as cores amarela e azul da bandeira ucraniana, em apoio à coragem do país de enfrentar o Exército russo com tanta união e bravura.

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