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Um pulo em Paris

Macron derrotou a extrema direita, mas é a esquerda que ameaça seu mandato nas eleições legislativas

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Os franceses votam no  próximo domingo (12) no primeiro turno das eleições legislativas. Cerca de 6.300 candidatos disputam as 577 vagas da Assembleia Nacional, entre eles 15 ministros e secretários de Estado recém-nomeados para o governo. A campanha para a renovação do Legislativo é marcada por dois fenômenos: o avanço dos candidatos de esquerda nas pesquisas e um recuo da extrema direita, derrotada no segundo turno da eleição presidencial.

Cartazes de candidatos que concorrem ao primeiro turno das eleições legislativas na França.
Cartazes de candidatos que concorrem ao primeiro turno das eleições legislativas na França. AP - Bob Edme
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A disputa está apertada. A principal interrogação é se o presidente Emmanuel Macron poderá contar com a maioria absoluta no plenário da Assembleia Nacional, o que significa eleger 289 dos 577 deputados, ou se governará com maioria relativa, ficando dependente de acordos com a oposição para aprovar os projetos de lei e reformas do Executivo.  

O principal fenômeno dessa campanha é o avanço da aliança de esquerda Nupes, que reúne os partidos de esquerda radical, ecologista, comunista e socialista liderados por Jean-Luc Mélenchon, terceiro colocado no primeiro turno da eleição presidencial. Mélenchon, um político experiente e reconhecido por seu talento de orador, foi muito hábil na articulação dessa aliança de esquerda. Em poucas semanas, ele conseguiu mobilizar eleitores que tinham votado em Macron sem convicção, apenas para barrar a candidata de extrema direita de Marine Le Pen. Desde a noite da reeleição de Macron, em 24 de abril, Mélenchon ocupou o espaço na mídia e se impôs como a principal liderança de oposição ao presidente.

Todas as pesquisas apontam um aumento das intenções de voto na aliança de esquerda, com pequenas variações. A última pesquisa do instituto Ipsos, por exemplo, mostra os candidatos da Nupes em primeiro lugar, com 28% das intenções de voto, seguidos de perto pela coligação Juntos (27,5%), formada pelo partido presidencial e três aliados menores de centro e de direita. A extrema direita aparece em terceiro lugar (19,5%). A direita republicana vem atrás, na quarta posição (11%), cinco pontos à frente do outro partido de extrema direita que emergiu na campanha presidencial, o Reconquista (6%), fundado pelo polemista Éric Zemmour. 

Apesar de a esquerda estar à frente nas intenções de voto, as projeções de deputados eleitos no Parlamento ainda são favoráveis aos governistas, por causa do sistema de votação majoritário em dois turnos. Os candidatos são eleitos proporcionalmente e em lista aberta. De acordo com a pesquisa Ipsos, a coligação de Macron pode eleger de 260 à 300 deputados, enquanto a aliança de esquerda contaria com 175 à 215 parlamentares. Tudo vai depender da taxa de abstenção, que pode chegar a 54% dos eleitores, e da migração de votos dos derrotados entre os dois turnos. O futuro do programa presidencial depende dos resultados de 30 a 50 circunscrições.

Extrema direita perde força após derrota na presidencial

Enquanto a esquerda se uniu para enfrentar os governistas, a extrema direita disputa as legislativas dividida. O partido de Marine Le Pen, Reunião Nacional, apresenta 569 candidatos em listas espalhadas em todo o país, mas a direção concentra os recursos de campanha em 150 concorrentes.

Marine Le Pen tenta profissionalizar o partido e recrutar jovens candidatos, mas desde as primeiras horas da campanha, as novas caras do RN causaram decepção. Aspirantes ao Parlamento foram enviados a programas de TV sem conseguir sequer esclarecer dúvidas sobre o programa da legenda. A falta de quadros é uma dificuldade conhecida dos nacionalistas, que sempre estiveram divididos em grupelhos.

Marine Le Pen disputa um mandato de deputada por uma circunscrição do norte da França e deve ser eleita. A irmã mais velha da família, Marie-Caroline Le Pen, tenta uma vaga na Assembleia por uma circunscrição da região parisiense, mas não é favorita. 

Os candidatos da aliança de esquerda são mais bem preparados e convincentes. No caso da coligação Juntos, de Macron, o presidente avaliou pessoalmente cada candidatura, e os outros três partidos aliados, de centro e de direita — Modem, Horizontes e Agir —, disputam com políticos experientes. 

O que pode acontecer se a esquerda ganhar? 

O pior cenário para Macron seria perder a maioria que detém no Parlamento. A França tem um sistema político semipresidencialista. O presidente é eleito por voto direto, acumula a chefia das Forças Armadas e desempenha um papel mais forte do que no sistema parlamentarista, pois ele pode nomear o primeiro-ministro, dissolver a Assembleia de Deputados, propor reformas e controlar a política externa do país. 

Juridicamente, Macron tem o direito de nomear quem ele quiser para o cargo de primeiro-ministro. Mas, se a oposição conquistar a maioria na Assembleia, e isso já aconteceu três vezes no passado — em 1986, 1993 e 1997 —, Macron seria comparado aos presidentes anteriores, que nomearam o líder da oposição como primeiro-ministro. Durante toda a campanha, Mélenchon pediu aos franceses que votassem na aliança de esquerda para elegê-lo o próximo premiê.

Nas três experiências que a França teve no passado, os chefes de governo de coabitação, como se diz no jargão político francês, conseguiram imprimir sua marca.

Mélenchon defende um programa que alimenta controvérsias. Sem entrar na guerra de números dos economistas de um campo e do outro, ele quer aumentar fortemente os impostos para os 10% mais ricos e diminuir a pressão fiscal sobre 90% da população, enquanto Macron promete não aumentar os impostos, apesar da queda do crescimento e da alta da inflação, e mantém o fim programado de algumas taxas. 

Com relação à aposentadoria, Mélenchon quer recuar a idade mínima dos atuais 62 anos para 60 anos, enquanto Macron quer aumentar essa idade para 64 ou 65 anos. 

Em política externa, as propostas entre os dois políticos são radicalmente diferentes: o acordo dos esquerdistas e Mélenchon defende a desobediência aos tratados da União Europeia e a saída da França do comando integrado da OTAN, num primeiro momento, seguida de uma retirada completa do país da aliança militar ocidental. 

No atual contexto de guerra na Ucrânia, Macron, que venceu a eleição presidencial defendendo um aumento de influência da União Europeia no cenário geopolítico dominado por Estados Unidos e China, diz que os adversários de extrema esquerda e extrema direita "têm uma visão de mundo de volta ao passado", e pede aos eleitores uma maioria forte e clara para governar.   

Para reforçar sua legitimidade após uma vitória menos reluzente do que em 2017, Macron envia 15 dos 28 ministros e secretários de Estado recém-nomeados pela primeira-ministra Elisabeth Borne à batalha das urnas. A própria chefe de governo é candidata a um mandato de deputada em uma cidadezinha da Normandia. Segundo a regra instituída pelo presidente de centro-direita, os assessores que perderem a eleição terão de renunciar ao governo. Aqueles que vencerem permanecerão em seus cargos e serão substituídos na Assembleia Nacional por um suplente. 

Esse sistema, que favorece as elites e impede uma renovação política em profundidade no país, é muito criticado e apontado como uma das razões do desamor dos eleitores franceses pela política nos últimos anos. No caso de Macron, ele exige que os ministros e secretários de Estado enfrentem as urnas numa tentativa de ganhar legitimidade, já que compôs seus dois governos com tecnocratas, funcionários de alto escalão e poucas personalidades da sociedade civil. Macron exige que eles se submetam ao crivo dos eleitores para compreender as dificuldades e nuances da política.

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