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Saúde em dia

Tratamento hormonal melhora cognição de pacientes com Síndrome de Down, mostra estudo

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A pesquisa foi publicada no início de setembro na revista científica americana Science. Ela mostrou que uma terapia à base de um neuro-hormônio (GnRH) melhorou a capacidade cognitiva dos pacientes. Em todo o mundo, a trissomia do cromossomo 21 atinge em média 1 a cada mil crianças nascidas vivas, que sofrem diversas disfunções orgânicas.

O biólogo brasileiro Mauro Silva, que atualmente é pesquisador na Unirversidade de Harvard, nos Estados Unidos.
O biólogo brasileiro Mauro Silva, que atualmente é pesquisador na Unirversidade de Harvard, nos Estados Unidos. © Arquivo Pessoal
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Taíssa Stivanin, da RFI

O neuro-hormônio GnRH (Gonadotropin-Releasing Hormone, em inglês) capaz de trazer mais qualidade de vida para os pacientes com a Síndrome de Down é um peptídeo produzido no hipotálamo, localizado na base do cérebro. Esse órgão coordena várias funções fisiológicas, inclusive a reprodutiva.

O GnRH estimula a liberação de gonadotrofinas hipofisárias, que por sua vez estimulam a produção de hormônios sexuais como o estrogênio e a testosterona. Mas, recentemente, os cientistas descobriram que ele também age melhorando as conexões neuronais.

O estudo publicado na Science foi dividido em duas partes. Na primeira, a equipe do diretor de pesquisas do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), Vincent Prévot, estudou o mecanismo da regulação desse hormônio em camundongos com Síndrome de Down, em seu laboratório em Lille, no norte da França, especializado no estudo da reprodução.

O biólogo brasileiro Mauro Silva, especialista em neuro-endocrinologia e atual pesquisador na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é um dos 29 cientistas que participaram da pesquisa. Entre 2018 e 2021, ele atuou no laboratório francês, analisando, através da neurocirurgia, como os neurônios agiam no cérebro dos camundongos.

“A gente sabe que muitos pacientes com Síndrome de Down, após a puberdade, são inférteis e têm problemas olfativos. Isso está associado à perda de alguns neurônios, que todos os vertebrados têm, incluindo humanos. Eles são chamados hormônios liberadores de gonadotrofinas ou GnRH, que é a sigla em inglês”, explicou Mauro Silva à RFI. Em pacientes com Síndrome de Down, explica, é constatada uma perda desses neuro-hormônios, que, lembrando, também controlam a reprodução nos mamíferos.

“Basicamente, o que fizemos depois, foi administrar esse hormônio, o GnRH, nos camundongos. Mas não basta apenas dar o hormônio, ele tem que ser administrado de uma maneira pulsátil, em doses específicas, para não provocar o efeito contrário”, detalhou o biólogo brasileiro.

Portadores da Síndrome de Down têm vários defeitos genéticos porque possuem uma cópia extra, parcial ou integral, do cromossomo 21. Isso faz com que tenham 47 cromossomos, em vez dos 46 habituais.

Esquema da pesquisa com camundongos que mostra como o micro RNA atua na liberação da gonadotrofina
Esquema da pesquisa com camundongos que mostra como o micro RNA atua na liberação da gonadotrofina © Divulgação

“ A gente sabe que existem fatores genéticos que vão regular a transcrição de vários genes, como o que fabrica o hormônio GnRH, e o quanto ele é produzido ou não. Alguns desses fatores são chamados micro RNAs. Eles atuam no nosso genoma e determinam em que níveis serão produzidos pelo organismo”, ressalta o pesquisador brasileiro.

Durante essa fase da pesquisa, os cientistas descobriram que as disfunções cognitivas e olfativas estavam relacionadas à secreção anormal de GnRH e à atuação de micro RNAs no cromossomo 21 extras dos portadores da síndrome. “Se você tem uma desregulação dos micros RNAs, que são muito importantes, você vai acabar influenciando também na quantidade de GnRH”, descreve.

Ele explicou que um desses micro pedaços de RNA, o miR-200b, é particularmente importante nesse processo. Presente em menor quantidade nos genes de pacientes com a trissomia do cromossomo 21, ele inibe a produção de GnRH. A equipe então introduziu o miR-200b no cérebro dos camundongos, obtendo uma melhora cognitiva.

Estudo clínico com humanos

Apesar de ser uma descoberta importante, a manipulação do genoma feita durante a pesquisa fundamental não era possível em humanos por diversos motivos, inclusive éticos.

Mas, com base nos primeiros resultados obtidos com a aplicação direta do neuro-hormônio, o Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, conduziu, concomitantemente, um estudo clínico com sete pacientes portadores de Síndrome de Down, entre 20 e 50 anos de idade.

Eles foram equipados com bombas programáveis à distância, por computador, que forneciam através de uma injeção subcutâne,a uma determinada dose do GnRH. Os pacientes que participaram da pesquisa receberam um “pulso” a cada duas horas, durante seis meses, com uma dose do hormônio.

Seis deles apresentaram melhoras nas capacidades cognitivas, incluindo atenção e memória, em comparação a antes da terapia. Exames de ressonância magnética feitos antes e após o estudo demonstraram que a administração do hormônio melhorou o desempenho cognitivo e reforçou a comunicação entre algumas áreas do córtex cerebral e no tálamo, na parte central do órgão.

“A conectividade do cérebro mudou durante esses seis meses, o que traz muita esperança para terapias que não envolvem apenas a Síndrome de Down, mas outras síndromes que afetam nosso cérebro. Isso mostra que nosso cérebro permanece muito plástico, até mesmo se você tem uma síndrome”, resume o biólogo brasileiro. “Não é cura, é ajudar o paciente a ter uma vida mais normal, comparada à vida de outros pacientes normais”, observa.

O biólogo brasileiro conta que na Suíça os pesquisadores provavelmente testarão a terapia em mais pacientes e analisarão outros efeitos benéficos da administração da proteína no metabolismo ou na reprodução, por exemplo. O objetivo é, a médio prazo, buscar a aprovação do uso da bomba no mercado. Uma longa jornada que apenas começou, observa o cientista brasileiro.

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