Covid-19: livre circulação do vírus favorece aparecimento de “híbridos”
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Dois anos depois do início da pandemia de Covid-19, o SARS-Cov-2 ainda circula ativamente pelo mundo, mas a maioria dos países flexibilizou as medidas de proteção, como o uso de máscaras e o distanciamento social. Na França, assim como em muitos outros lugares, a vida voltou ao normal.
Taíssa Stivanin, da RFI
Milhares de infecções são registradas todos os dias na França, mas as contaminações não saturam mais os hospitais como no início da pandemia, em 2020. A alta taxa de vacinação protege a população das formas graves, porém, a livre circulação do SARS-Cov-2, gera um terreno propício para o aparecimento dos chamados “híbridos”.
O surgimento dos híbridos acontece quando duas pessoas são contaminadas simultaneamente por duas variantes diferentes. Os vírus trocam fragmentos de RNA e essa recombinação genética resulta em uma cepa com características de ambos, que em seguida infecta outro indivíduo. O processo é uma evolução natural dos vírus.
Em todo o mundo, desde o início da pandemia, os cientistas já descobriram centenas de híbridos do SARS-Cov-2. Entre eles está o XE, uma mistura de duas cepas da ômicron, a BA.1 e a BA.2, o XF - que mistura a delta e a ômicron - além do famoso deltacron. Esta cepa especificamente preocupa os cientistas porque teria conservado o potencial da variante delta em provocar casos graves.
“O vírus é capaz de se modificar, talvez não indefinidamente, mas há recombinações possíveis entre as diferentes famílias”, disse o infectologista francês Benjamin Davido, em entrevista à RFI. De acordo com o pesquisador, a flexibilização quase generalizada das medidas de proteção favorece a circulação de variantes de diferentes hemisférios, como já acontece com a gripe.
Isso explicaria em parte por que os governos que adotaram a estratégia “zero covid” não estão sendo bem-sucedidos no controle da propagação do vírus. “É o que está acontecendo atualmente na Ásia, e em países como China, Singapura ou Hong Kong. Nesses países, a população foi pouco exposta ao vírus e está sendo violentamente atingida pela onda ômicron”, observa Davido.
Guerra pode complicar pandemia
Com a livre circulação do SARS-CoV-2, o infectologista francês também alerta para o risco do surgimento de “incubadoras de variantes” entre os vacinados e o efeito negativo da guerra na Ucrânia sobre a pandemia. “A situação entre a Rússia e a Ucrânia é, atualmente, preocupante. O monitoramento das doenças infecciosas é difícil e pode contribuir para modificar o vírus. Isso favorecerá o aparecimento de outras variantes, como a ômicron, nos próximos anos”, prevê.
Muitas questões ainda continuam em aberto: com quais sequelas os contaminados terão que conviver após a cura? Há risco de outra cepa perigosa surgir no outono no hemisfério norte? As vacinas poderão ser “atualizadas” a tempo para proteger as populações? Apesar de todas essas incertezas, o infectologista francês tem uma visão otimista sobre a evolução da pandemia que, acredita, caminha em direção à fase endêmica.
“Infelizmente, o vírus matou os mais frágeis. Essa é a história das doenças infecciosas. Um vírus, em média, gera ondas sucessivas durante aproximadamente três anos e depois se torna sazonal. Foi o que aconteceu com a gripe espanhola no início do século 20”, exemplifica.
Imunidade coletiva
O infectologista francês ainda lembra que o SARS-Cov-2 sofreu mutações para poder contaminar o maior número de pessoas possível, sem necessariamente causar formas mais graves. Segundo ele, isso não significa que não seja perigoso, mas a vacinação e a exposição das populações ao vírus as protegem de hospitalizações prolongadas e morte.
Diversos estudos mostram que os imunizantes combinados à infecção geram forte proteção, ativando a imunidade humoral, formada por anticorpos específicos, e a celular, mediada pelos linfócitos T. Essas células do chamado sistema adaptativo, essenciais para o sistema imunitário, são mais ou menos eficazes em função de diversos parâmetros: um deles é a exposição a outros vírus ou bactérias ao longo da vida do indivíduo.
Sem o surgimento de uma nova cepa, a gestão do SARS-Cov-2 será parecida com a da gripe, observa Benjamin Davido. “De toda maneira, teremos uma imunidade coletiva com a ômicron, que não vai durar de maneira indefinida, mas por um período determinado.” Há cada vez menos casos graves, e a impressão, segundo ele, é que o vírus está se tornando menos agressivo.
“O vírus já atingiu os mais vulneráveis e as pessoas com mais risco de acabar no hospital. Além disso, houve uma intensa vacinação em nível internacional, incluindo a França, que faz com que estejamos, de uma maneira geral, protegidos”, reitera.
Um dos desafios, sublinha, é fazer com que a população entenda a importância da vacinação periódica com imunizantes à base de RNA, além da utilização das ferramentas existentes para frear a circulação da doença, quando for necessário. O fim de uma onda, lembra, não significa o fim da epidemia – e a gripe é o melhor exemplo. O especialista ressalta que é importante preparar o futuro, para evitar a saturação dos hospitais, como ocorreu nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19.
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