Covid-19 poderia afetar irrigação cerebral em casos leves, mostra estudo francês
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Na segunda parte do programa Saúde em Dia dedicado aos efeitos da Covid-19 no cérebro, o neurocientista francês Vincent Prévot, pesquisador do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França) descreve o estudo realizado pela sua equipe, que demonstrou os efeitos do SARS-CoV-2 nos vasos sanguíneos cerebrais
Taíssa Stivanin, da RFI
A pesquisa é resultado de uma colaboração internacional que envolve diversas instituições e foi publicado na revista Nature Neuroscience, em 2021. As análises mostraram que o vírus era capaz de atacar as células endoteliais do cérebro, presentes nos vasos sanguíneos. “Nos pacientes, e nos camundongos, o vírus desencadeou a morte dessas células e micro-hemorragias", explica o cientista francês.
O estudo mostrou que o vírus foi responsável pelo chamado efeito de hipoperfusão – a baixa irrigação sanguínea em algumas regiões do corpo. O processo é pilotado pela proteína conhecida como Mpro. “O SARS-Cov-2 utiliza essa proteína para amadurecer seu material genético, mas também para atacar as células endoteliais do cérebro, gerando déficits cerebrais”, explica Vincent Prévot.
Para realizar a pesquisa, que teve início em março de 2020, a equipe do cientista francês estudou quatro cérebros de pacientes vítimas da Covid-19 que morreram no hospital universitário de Lille, no norte da França. Antes do óbito, os doentes autorizaram as autópsias e doaram o órgão para a Ciência. Na Alemanha, os pesquisadores que participaram do estudo puderam estudar 20 cérebros. A análise dos órgãos feitas pelas duas equipes levou às conclusões sobre o efeito da infecção nos vasos sanguíneos cerebrais dos contaminados, que desenvolveram formas graves.
Estudos paralelos
Para provar que SARS-Cov-2 estava por trás da baixa irrigação cerebral, a equipe francesa realizou outros estudos. O primeiro deles foi feito com camundongos, espécie naturalmente imune à primeira cepa do SAR-Cov-2. Eles foram modificados geneticamente para que a equipe conseguisse contaminá-los.
Nesses animais, assim como nos humanos, a proteína Mpro também era responsável pela morte das células endoteliais do cérebro em caso de infecção pela Covid-19, e gerou o aparecimento dos chamados “vasos fantasmas”, ou seja, desprovidos de células desse tipo.
A segunda pesquisa, feita com hasmters, espécie que geralmente desenvolve formas leves da doença, confirmou a tese dos cientistas franceses. “Descobrimos, de maneira surpreendente, que mesmo os hamsters apresentam, no pico da infecção, os vasos fantasmas, que desaparecem após a cura”, diz Vincent Prévot.
Efeitos reversíveis?
As descobertas trazem boas e más notícias, ressalta o pesquisador francês. “Isso significa que os efeitos da doença são reversíveis. Ao mesmo tempo, a má notícia é que mesmo os indivíduos que desenvolvem formas muito leves podem estar expostos a micro hemorragias e hipoperfusão”, analisa.
Além disso, ressalta, o fato de o vírus provocar a morte das células endoteliais significa que a infecção pode fragilizar o cérebro de uma maneira ainda imprevisível.
O órgão, explica o pesquisador francês, é protegido do resto do corpo pela chamada barreira hematoencefálica, uma espécie de “peneira” que regula a passagem, pelo sangue, das moléculas e o fluxo de nutrientes. Entre eles, o oxigênio e o açúcar, essenciais para os neurônios. O bom funcionamento dos vasos sanguíneos é, desta forma, fundamental para garantir uma atividade orgânica cerebral saudável.
A falta de irrigação e as micro-hemorragia causadas pela Covid-19 poderiam, dessa forma, afetar ou fragilizar células cerebrais, como é o caso, em maior escala, de um AVC, por exemplo.
“Talvez, mais tarde, essas regiões do cérebro não vão envelhecer tão bem, ou resistir menos com o avanço da idade. Talvez os neurônios vão morrer mais cedo e contribuir para o aparecimento, 20 ou 30 anos mais tarde, de doenças como a demência, Alzheimer ou Parkinson”, frisa o pesquisador francês.
As consequências da contaminação pela Covid-19 a médio e longo prazo, em populações vacinadas ou não, continuam sendo, de toda forma, um livro aberto que deverá ser escrito pela Ciências nas próximas décadas.
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