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Regulação da inteligência artificial precisa de debate que envolva sociedade, diz especialista

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A inteligência artificial é cada vez mais presente em nossas vidas e o aparecimento recente do Chat GPT deu ainda mais relevância à tecnologia. Nesse contexto, o Senado brasileiro analisa o Projeto de Lei 2.338 para regulamentar a inteligência artificial. Para especialista entrevistada pela RFI, o debate sobre o marco regulatório é tão importante como seu resultado.

Brasil e União Europeia tentam criar marcos legais sobre a inteligência artificial.
Brasil e União Europeia tentam criar marcos legais sobre a inteligência artificial. © Imaginima / Getty
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Ana Carolina Peliz, da RFI

Apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que preside a Casa, o PL é resultado do trabalho de uma comissão de juristas que analisou, ao longo de 2022, outras propostas relacionadas ao assunto, além da legislação já existente em outros países.

O texto, que será agora analisado pelas comissões temáticas do Senado, cria regras para que os sistemas de inteligência sejam disponibilizados no Brasil, estabelecendo os direitos das pessoas afetadas por seu funcionamento. Além disso, o PL define critérios para o uso desses sistemas pelo poder, prevendo punições para as eventuais violações à lei e atribuindo ao Poder Executivo a prerrogativa de decidir que órgão irá zelar pela fiscalização e regulamentação do setor.

De acordo com Dora Kaufman, especialista em inteligência artificial e professora do Programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital da PUC de São Paulo, apesar de ter sido inspirado na proposta regulatória da Comissão Europeia, o PL 2.328, que tem 45 artigos, teve um processo bastante diferente da lei europeia. O Artificial Inteligence Act, adotado em maio pelo Parlamento Europeu, tem mais de 100 páginas, foi proposto pela Comissão Europeia em 2021 e debatido por dois anos.

Para Kaufman, o debate sobre o marco regulatório é tão importante como o resultado final por duas razões: “Primeiro para que os próprios reguladores, no caso os congressistas, se familiarizarem com o tema. Por que como um legislador vai criar o marco regulatório sobre um objeto que desconhece? Então, é muito importante o tempo de discussão para os reguladores conhecerem o que é inteligência artificial”, defende a especialista. “O segundo é a própria discussão da sociedade”, completa.

Para ela, é necessário que as agências reguladoras setoriais como o Banco Central, a Anvisa ou o Ministério da Educação (MEC) participem do debate. “É fundamental que eles entrem nesse debate, porque toda vez que você faz uma implementação especial, você lida ao menos com dois domínios, o campo da inteligência artificial e de implementação. A educação, a saúde, a segurança e a área financeira são vários domínios. Quando você envolve a agência reguladora fiscalizadora setorial, pressupõe-se que pelo menos o domínio de implementação ela conhece. Então isso facilita o entendimento”, explica.

Além disso, atores como as Universidades, onde parte da pesquisa sobre a IA é desenvolvida no Brasil, e o governo federal devem também participar do debate. “Se a gente observar o processo que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa para ficar no âmbito do mundo ocidental, os governos estão envolvidos. Então, é importantíssimo que o governo federal lidere esse processo. Isso não é um processo restrito no Legislativo e é uma discussão que interessa à sociedade. O futuro do país”, diz.

Dora Kaufman, especialista em inteligência artificial e professora do Programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital da PUC de São Paulo.
Dora Kaufman, especialista em inteligência artificial e professora do Programa de Tecnologia da Inteligência e Design Digital da PUC de São Paulo. © Arquivo pessoal

Impactos da IA

Kaufman explica que cada domínio de implementação da IA tem impactos positivos distintos e também potenciais danos, e que o desafio de qualquer regulação é maximizar os benefícios e mitigar os potenciais danos.

A especialista diz que já usamos a inteligência artificial em nosso dia-a-dia. Nossa comunicação e sociabilidade já são bastante mediadas pela IA, e cada vez mais as plataformas e os aplicativos usados no cotidiano se baseiam no modelo de negócio de economia de dados.

“Além disso, gradativamente estamos migrando de modelos automatizados de decisão, usando programação, para usar inteligência social para decisões automatizadas em várias áreas. Isso também amplia o uso da inteligência artificial”, explica

“Ela é a tecnologia de propósito geral do século XXI. Porque nós estamos caminhando cada vez mais para modelos de negócio baseado em dados e inteligência”, insiste. “Hoje ela é o único modelo estatístico capaz de lidar com o Big Data, com esse volume extraordinário de dados, extrair informações úteis desse volume, isto é, os dados”, afirma.

As principais críticas à IA falam de ameaça a certos tipos de trabalho, aumento da circulação de notícias falsas, com as deep fakes, e também questões relacionadas a direitos autorias.

Segundo ela, com relação à ameaça aos postos de trabalho, nossa sociedade já está em um processo, desde meados do século passado, de automatização. A IA apenas “expande um processo de automação que já está em curso”. Por outro lado, ela ressalta os impactos negativos na renda dos trabalhadores. “Porque tem menos funções exclusivas dos humanos. Então, pela oferta e demanda, você acaba tendo efeito negativo sobre a remuneração”.

Aumento da desinformação

Sobre a circulação de notícias falsas, a especialista reconhece que IAs como o Chat GPT efetivamente podem aumentar a desinformação.

“Quando eu pergunto para este tipo de IA, no caso do chat GPT, ele te dá um texto do ponto de vista sintético muito bem elaborado. Mas tem muito dados que não são corretos”, diz. “Ele te dá a resposta, mas muitas vezes ele te dá até livros que nunca foram escritos. E quando as pessoas passam adiante essa informação falsa, ela amplia a desinformação”, diz. “A desinformação sempre existiu. A questão é que hoje a gente está aumentando esta escala”, analisa.

A questão dos direitos autorais e tecnologia é uma questão antiga, diz Kaufman. “O fato é que a IA produz imagens baseadas em imagens que já estão na internet. Só que não é possível você identificar quais foram usadas para gerar aquela resposta”, diz. “O Chat GPT, por exemplo, foi treinado em 175 bilhões de parâmetros de dados.”

Para Dora Kaufman, cada uma das questões gera um conjunto de discussões. “O que nós não podemos é simplificar, porque quando a gente simplifica, a gente está tratando genericamente, não está resolvendo a questão, não está enfrentando a questão como tem que ser”, defende.

“Não é à toa que no mundo inteiro ainda não exista uma proposta regulatória. Mesmo a da União Europeia tem inúmeras questões que não sei como vão ser implementadas, porque são difíceis de implementação e mais difícil ainda, de fiscalização”, diz.

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