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Ao centrar visita à Rússia em relação comercial, Bolsonaro usa viagem como ferramenta de campanha, diz especialista

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Jair Bolsonaro desembarca em Moscou nesta terça-feira (15) em um uma visita oficial e tem encontro previsto com o presidente russo Vladimir Putin. A viagem do líder brasileiro tem como objetivo principal discutir as relações bilaterais entre os dois países, com ênfase nos aspectos econômicos e comerciais. As tensões atuais entre Moscou e boa parte dos países ocidentais em razão do envio de milhares de soldados russos para a fronteira da Ucrânia não estão previstas na pauta anunciada até agora.

Jair Bolsonaro desembarca em Moscou em momento de tensão entre Rússia e parte da comunidade internacional
Jair Bolsonaro desembarca em Moscou em momento de tensão entre Rússia e parte da comunidade internacional EVARISTO SA AFP/File
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Silvano Mendes, enviado especial a Moscou

A agenda oficial detalhada de Bolsonaro em Moscou será divulgada para a imprensa apenas na manhã desta terça-feira, quando o presidente desembarca na capital russa. Mas há semanas, desde que a visita começou a ser cogitada, todas as informações convergem para uma viagem centrada em temas econômicos. O próprio presidente brasileiro declarou que estaria em Moscou para "melhorar as relações comerciais" com o "parceiro" russo, mesmo estando "consciente dos problemas que alguns países têm com a Rússia".

Os “problemas” mencionados pelo líder brasileiro são as tensões atuais com boa parte da comunidade internacional, que critica há semanas a posição de Moscou, após o envio de mais de 140 mil soldados russos para a fronteira com a Ucrânia, no que está sendo visto como uma ameaça de invasão do país vizinho, que poderia ser o estopim de uma guerra na região. Desde então, um verdadeiro balé diplomático acontece entre Moscou e Kiev, com vários chefes de Estado e de governo passando pelas duas capitais tentando acalmar a situação.

O Kremlin nega um projeto concreto de invasão. Mas declarações de Kiev, que não esconde suas aspirações de aderir à Otan, não agradam os russos. Moscou contesta a ação da Organização do Tratado do Atlântico Norte na região, afirmando que a entidade está ampliando sua zona de influência em direção ao leste do globo.

Diante desse contexto de tensão internacional, será que é possível passar por Moscou sem tocar no assunto da crise ucraniana? “Se existe uma vontade política, é possível”, resume Liudmila Okuneva, diretora do departamento de história dos países da Europa e das Américas na Universidade das Relações Internacionais MGIMO em Moscou.

“O Itamaraty tinha medo que o presidente tomasse um partido. Se ele se mostrasse de acordo com a Rússia, estaria se colocando do lado de Moscou, o que não é admissível para a diplomacia brasileira", diz a professora da MGIMO, instituição conhecida por formar os diplomatas russos. Por outro lado, "se apoiasse a Ucrânia, ele destruiria as relações bilaterais com a Rússia. Por isso recomendaram ficar fora de tudo isso. E me parece que, na situação atual, essa posição é muito sábia”.

Dmitry Razumovsky, diretor do Instituto de Estudos Americanos da Academia de Ciências da Rússia, também considera que a questão ucraniana deve ficar fora da visita, inclusive do lado do Kremlin. “Na minha opinião, do lado russo, não haverá nenhuma provocação para que Bolsonaro faça declarações sobre a situação geopolítica. Talvez os jornalistas brasileiros estejam esperando por isso. Não os russos”, analisa.

Além disso, concentrar os debates na questão comercial interessa ambos os países, com ressalta Alina Shcherbakova, professora da Escola Superior de Economia na Universidade Nacional Russa de Pesquisa. "Para o Brasil é fundamental retornar à posição de maior exportador de alimentos da Rússia", alerta.

Ela lembra que "na primeira década dos anos 2000 o Brasil ocupou o primeiro lugar no ranking de exportadores de alimentos para a Rússia, mas em 2015 foi substituído por Belarus e em 2019 pela China. Em 2020 foi classificado como o exportador número 4, mas não é suficiente para um grande exportador de alimentos como são os brasileiros. Aqui devemos pensar não só na quantidade de alimentos, mas também na qualidade, e aqui o Brasil certamente ganha", detalha a professora, especialista na questão". 

Muito além da exportação de alimentos

Mas seria simplista resumir as relações comerciais entre Brasil e Rússia aos produtos alimentícios ou investimentos primários. “O que os brasileiros buscam não é tanto investir diretamente na Rússia, e sim encontrar alguns produtos específicos e know how, por exemplo ligados ao petróleo e o gás”, aponta Nicolas Dolo, empresário francês baseado em Moscou e consultor junto a empresários estrangeiros que investem na Rússia.

“Eu recebo um número consideráveis de consultas ligadas ao gás natural liquefeito. Os brasileiros estão realmente em busca (desse tipo de produto) e são mais compradores potenciais que investidores. Eles procuram parceiros”, resume. “Outro aspecto que os brasileiros buscam aqui são pessoas que têm uma expertise especifica sobre grandes projetos que acontecem atualmente no Brasil, principalmente no setor ferroviário e aeroespacial, áreas onde a Rússia tem uma histórico incontestável”, sentencia Dolo.

Liudmila Okuneva, diretora do departamento de história dos países da Europa e das Américas na Universidade das Relações Internacionais MGIMO
Liudmila Okuneva, diretora do departamento de história dos países da Europa e das Américas na Universidade das Relações Internacionais MGIMO © Silvano Mendes / RFI

Relações antigas

Por falar em história, Liudmila Okuneva lembra que a relação entre Brasília e Moscou é antiga. “Basta dizer que o Brasil, em 1828, foi o primeiro país latino-americano com o qual o então império russo estabeleceu as relações diplomáticas”. No entanto, desde então boa parte dos diálogos entre as duas nações se concentra no âmbito comercial. A professora lembrou, por exemplo, a importância da importação da carne bovina brasileira para a Rússia e da exportação de fertilizantes russos para o Brasil, “dois temas que interessam muito o agronegócio brasileiro”, ressalta.

Um detalhe que dá aos aspectos econômicos dessa viagem uma ressonância muito mais política, aponta a pesquisadora. “Bolsonaro está usando esses interesses na luta eleitoral. E considerando que o agronegócio tem um apoio eleitoral muito grande, claro que ele quer apoiar esses interesses”, resume. “Isso é muito importante para o Brasil. Muito mais que todas as diferenças ou divergências entre a Rússia e o mundo ocidental”, aponta a historiadora.

A rota da viagem de Bolsonaro também é vista pela professora como um elemento político visando a corrida presidencial de outubro no Brasil. “Indo depois de Moscou visitar o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, o presidente Bolsonaro gostaria de manter a posição do líder conservador e usar essa posição na campanha eleitoral”, conclui Liudmila Okuneva.

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