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Política hoje mexe mais com as paixões que com argumentos, analisa pesquisadora

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A revolução causada pelas redes sociais na comunicação do mundo provocou alterações importantes no discurso político. Hoje, a política impulsionada pelo mundo digital mexe muito mais com as paixões do que com argumentos lógicos, analisa Camila Moreira César, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle e pesquisadora de comunicação e democracia.

Camila Moreira Cesar
Camila Moreira Cesar © Captura de tela
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Nas últimas duas décadas, a forma como os políticos falam publicamente e o modo de falar sobre política mudou profundamente com a redução da importância de meios de comunicação tradicionais e de espaços institucionalmente legítimos, explica a pesquisadora.

Se antes o espaço de fala da política tinha solenidade e acontecia em uma entrevista na televisão ou em uma fala diante de um partido ou de um sindicato em cima do púlpito e com momento para começo e fim, as redes sociais e a possibilidade de transmitir toda e qualquer mensagem quebrou os códigos preexistentes.

Nas arenas digitais, “há uma dessacralização da política, um alargamento das formas de produzir, de falar, de se apropriar desta política, tanto para os atores institucionais, partidos, candidatos ou pessoas que estão em mandato, quanto para os eleitores, que agora têm em seus celulares um jeito muito simples de participar e de agir nessas disputas discursivas, ainda que de maneira passiva”.

Política da identificação

A mudança no meio provoca alterações no conteúdo. Com o acesso à cena pública fácil e horizontal, já que todos em alguma medida podem ter, os políticos falarão com o público de igual para igual, buscando criar uma identificação. “Isso faz parte do que muitos pesquisadores têm chamado de populismo 2.0, esse ponto de criar uma identificação, uma proximidade que antes era inexistente”, comenta Moreira César.

Essa identificação é criada com um discurso que busca formas específicas de falar simples, mas também em imagens feitas para serem replicadas, como a difusão de cenas da vida privada que anteriormente não seriam vistas no espaço público, como um almoço com farofa espalhada pelo chão ou uma dança sobre uma lancha no meio do mar.

Para aproveitar as plataformas digitais, que reúnem as pessoas por preferências e selecionam o conteúdo a ser mostrado por algoritmos, a política tornou-se o lugar preferencial das paixões. “Essa política é muito mais lacradora porque ela está mais apaixonada, ela mexe muito mais com os sentimentos, com as paixões das pessoas em detrimento do que antes era um espaço mais para os argumentos”, afirma a professora.

Sem constrangimentos

Tentando potencializar a circulação das informações, o discurso político digital vai focar em seus seguidores já convertidos – que também serão aqueles que vão curtir e espalhar as informações. E essa fala direta para convertidos cria uma liberação da palavra que ultrapassa, por vezes, o bom senso público.

“Estamos em uma fase de polarização importante e o funcionamento destas plataformas permite este retorno a círculos mais privados de discussão, que nos deixam mais à vontade para falar coisas que antes não se falavam. E isso cria uma forma de encorajamento nas pessoas para falar coisas que antes eram constrangedoras de se dizer em público.”

O fenômeno ganhou força não só no Brasil, mas em toda América Latina, como mostra o livro recém-publicado “Discours Politiques et Médiatiques en Amérique Latine”, organizado por Camila Moreira César, Henry Hernandez-Bayter e Ailin Nacucchio. A publicação reúne pesquisas de diferentes países da região apresentadas durante um colóquio sobre discurso político realizado em 2019.

Ainda que a forma como o discurso político mudou seja parecida, os conteúdos que vão ser usados neste discurso têm grande diferença. Se no Brasil o combate em relação a questões de gênero tornou-se central entre grupos religiosos e conservadores, o tema não mobiliza, por exemplo, na Argentina, país com leis mais progressistas em relação ao aborto, cita a pesquisadora.

Apesar desta revolução das redes sociais e da entrada de novas plataformas como o TikTok, para as eleições de 2022, Camila Moreira César aposta que os termos serão mais moderados do que aqueles da última disputa presidencial brasileira. “Não acho que as coisas serão tão acaloradas como em 2018, acho que a crise que tivemos, que a gestão catastrófica da pandemia são pontos que vão pesar”, considera.

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