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Brasileira que salvou judeus do nazismo: "País precisa de mais Aracys de Carvalho", diz historiadora

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Uma série televisiva que estreia nesta segunda-feira (20) vai mostrar ao público brasileiro a história de Aracy de Carvalho, a funcionária do Consulado do Brasil em Hamburgo que salvou judeus alemães da perseguição nazista.

A historiadora Mônica Raisa Schpun, com seu livro "Justa: Aracy de Carvalho e o resgate dos judeus: trocando a Alemanha nazista pelo Brasil"
A historiadora Mônica Raisa Schpun, com seu livro "Justa: Aracy de Carvalho e o resgate dos judeus: trocando a Alemanha nazista pelo Brasil" © Elcio Ramalho/RFI
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O período em que Aracy viveu e trabalhou na cidade alemã foi amplamente explorado pela historiadora Mônica Raisa Schpun, e resultou na publicação do livro “Aracy de Carvalho e o resgate de judeus: trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil” (Ed Civilização Brasileira), que completa 10 anos.

Pesquisadora do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo (CRBC) da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), Mônica Schpun descobriu e se interessou pela personagem ao estudar e preparar cursos e palestras sobre imigração. Ao se deparar com a informação de que Aracy de Carvalho tinha salvado judeus durante a guerra, ela decidiu aprofundar suas pesquisas sobre a funcionária do Consulado Brasileiro de Hamburgo, que era responsável pelo setor de vistos e passaportes nos anos que precederam e também durante a Segunda Guerra Mundial.

“No momento em que a Alemanha começou a perseguir mais os judeus, e que as filas aumentavam na porta do Consulado para conseguir um porto seguro de emigração, ela acabou ocupando um posto-chave porque ela recebia as pessoas e tratava os dossiês com pedidos de vistos”, lembra a pesquisadora.

A historiadora esclarece que a obra não é uma biografia de Aracy, pois se concentra sobretudo no período “mais forte de sua vida”, ou seja, nos oitos anos vividos em Hamburgo.

“O livro se concentra sobre esse período, sua ação e a constelação que se criou em torno dela”, diz a historiadora que identificou 16 judeus alemães que foram ao Brasil com a ajuda de Aracy. Os contatos com eles permitiram o acesso a arquivos no Brasil e Alemanha que foram fundamentais para sua pesquisa acadêmica de livre-docência, que se transformou no livro de  532 páginas.

Na obra, Mônica Schpun ressalta que foi difícil estabelecer o papel exato de Aracy de Carvalho, mas sua ação garantiu seu nome entre os “Justos entre as nações”, termo usado pelo Memorial do Holocausto em Jerusalém (Yad Vashem), para homenagear os não judeus que contribuíram para salvar vidas dos judeus perseguidos pelo regime nazista.

Apesar do mergulho intenso na vida e no trabalho da funcionária brasileira, a historiadora garante que é impossível estabelecer com precisão o número de judeus salvos por Aracy.

“É difícil estabelecer o papel da Aracy do ponto de vista quantitativo. Tem gente que falava que foram centenas ou milhares. Do ponto de vista quantitativo não é possível estimar porque sua assinatura não está nos passaportes, mas no meu caso, eu uso a definição do Talmud (livro sagrado dos judeus). ‘Quando você salva uma pessoa, você salva a humanidade’. Se ela salvou um, já estava de bom tamanho. Se ela salvou cem, ou mais, é impossível de dizer. Qualquer estimativa é falsa e inventada e fantasiosa”, garante.

Aracy e Guimarães Rosa

Na obra, Mônica também relata a relação de Aracy com o escritor João Guilmarães Rosa. Os dois se conheceram em Hamburgo, onde o então jovem diplomata se estabeleceu como cônsul-adjunto. “Ela o ajudou a se estabelecer na cidade e logo na sua chegada os dois iniciam a relação amorosa”, destaca. Eles nunca moraram juntos na cidade alemã, mas trabalharam muito próximos.

“Como ele era o superior hierárquico houve uma ambiguidade em relação a quem teve a iniciativa de salvar os judeus. O título de ‘Justo entre as nações” do Yad Vashem é um título individual e depende de testemunhos diretos de pessoas salvadas. As pessoas que testemunharam para que a Aracy fosse reconhecida como ‘Justa’, frisavam nos depoimentos que quem ajudava era ela”, afirma a historiadora.

Entre as testemunhas estava Margarethe Levy, que deixou Hamburgo junto com o marido para escapar do nazismo graças ao empenho da então funcionária do Consulado. O reencontro das duas aconteceu em 1942, quando Aracy volta ao Brasil, e a longa amizade que se estabeleceu se torna o fio condutor do livro. Na entrevista à RFI, Mônica lembra que as duas morreram aos 102 anos de idade, com apenas 10 dias de intervalo.

A historiadora Mônica Raisa Schpun
A historiadora Mônica Raisa Schpun © RFI

Visita ao Museu do Holocausto

No livro, a historiadora relata que comunidade judaica de São Paulo se mobilizou e reuniu fundos que permitiram a Aracy realizar um de seus sonhos, que era conhecer Jerusalém e o Museu do Holocausto, que visitou em 1985. “Eles compraram um terreno, que existe até hoje, em uma periferia de Jerusalém, que se chama Aracy de Carvalho e onde foram plantadas mil árvores. Na Alameda dos Justos, Aracy ajudou a plantar uma árvore que leva seu nome”, recorda.

Na entrevista à RFI Brasil, Mônica Schpun lembra que existem atualmente pouco mais de 20 mil ‘justos’ reconhecidos no mundo. E na região das Américas, apenas seis, dos quais dois são brasileiros: O ex-embaixador do brasil em Paris, Luiz Martins de Souza Dantas, e Aracy de Carvalho.   

“O Brasil precisa de mais personagens desse tipo, que dão uma dimensão não só nacional, mas internacional. A gente deve se orgulhar. Acho que é importante para um país, para um povo, de poder se orgulhar internacionalmente de ter uma personagem como essa”, afirma.

A historiadora também destaca a importância de levar a história de Aracy de Carvalho a um público mais amplo por meio da televisão.

“É extremamente importante. A história é pouco conhecida. O Brasil carece de personagens com quem a gente possa se identificar coletivamente. Esse trabalho traz um elemento de identificação em um momento em que o país está polarizado, em crise, passando um momento tão difícil. É uma personagem do bem, que a gente gosta e pode se identificar pelo lado bom e humano, de uma brasileira que fez o bem”, avalia.

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