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RFI Convida

Brasileiro assina curadoria de exposição do artista e dissidente chinês Ai WeiWei em Lisboa

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Estudos de Diplomacia no Brasil, História da Arte em Florença,  Filme e Televisão em Nova York. Esta é a trajetória de Marcello Dantas, que também assina a curadoria de artistas mundialmente reconhecidos. Um dos pontos altos de sua carreira acontecerá neste mês de junho com a abertura da primeira exposição em Portugal do artista e ativista dissidente chinês, Ai Weiwei, um dos mais influentes, criativos e respeitados nomes da arte contemporânea.

Marcello Dantas, curador da exposição "Rapture", do artista e dissidente chinês Ai Wei Wei, em Lisboa.
Marcello Dantas, curador da exposição "Rapture", do artista e dissidente chinês Ai Wei Wei, em Lisboa. © RFI/Adriana Niemeyer
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Adriana Niemeyer, correspondente da RFI em Lisboa

A mostra Rapture, de Ai WeiWei, acontece de 4 de junho a 28 de novembro no espaço cultural Cordoaria Nacional, em Lisboa, onde Marcello Dantas concedeu esta entrevista para a RFI.

RFI: Marcello, quando começou a sua relação com Ai Weiwei? Como vocês se conheceram?

Marcello Dantas: Eu escrevi para ele em 2011 depois que eu vi a mostra Sunflowers Seeds na Tate Galery e pensei que interessa muito o seu processo de transformação social que antecede a realização da sua obra. Ou seja, quando ele ativou uma comunidade de mais de mil mulheres numa cidade remota na China ele deu uma chance delas expressarem alguma coisa sobre a sua identidade, ganharem renda e mudar a equação social. Achei que esse modelo mental de se fazer arte -  em que o artista sai do atelier e se engaja na sociedade - pode ser replicado em outras partes do mundo. Foi nessa hora que eu fiz um convite para ele. Surpreendemente, depois de cinco semanas, ele se interessou, mas logo foi preso. E esse diálogo acabou tardando mais de quatro anos para se desenvolver, até que ele sinalizou que poderia ter novamente o seu passaporte e viajar. Porque este tipo de projeto só é possível com a presença do artista. Então eu fui a Pequim para iniciar esse processo, que já dura seis anos, de desenvolvimento e de ativações sociais internacionalmente. Fizemos no Brasil, Chile e Argentina… agora estamos em Portugal.  Acho que é uma história linda, de como a arte contemporânea pode se engajar de forma muito sensível e de transformações sociais.

RFI: Ai Weiwei costuma fazer uma imersão nos países onde vai expor e trabalhar junto com os artesãos locais como você mesmo mencionous. Atualmente ele vive no Alentejo. Como foi a conexão dele com os artesãos da região ? Você participou deste processo?

Marcello Dantas: Participei ativamente. Na realidade ele está em Portugal por minha causa. Ele veio aqui encontrar comigo para que eu pudesse mostrar possíveis espaços para eventualmente fazer uma exposição. Mas antes de me encontrar, ele marcou com um agente imobiliário uma visita para ver uma  quinta  no Alentejo, que acabou comprando. Mas o meu papel foi introduzir a ele tanto os artesãos quanto as técnicas de Portugal inteiro. Participou gente do norte do país, do Alentejo, gente de perto de Fátima, de Lisboa…não interessava a região mas sim as técnicas e os materiais. Elegemos a cortiça, os tecidos,  o trabalho em pedra e os azulejos como a matéria-prima das obras que iam ser criadas; assim como no Brasil usamos as madeiras, a porcelana e as raízes. É um processo muito bonito de diálogo, que ultrapassa a questão linguística e usa a linguagem das mãos, dos saberes ancestrais das artes e dos ofícios. Uma linguagem que ultrapassa as pessoas, perfura gerações e chega na gente como um legado.

RFI:  Um dos pontos mais fortes desta mostra aqui em Lisboa vai ser a apresentação do documentário Coronation, filmado clandestinamente nos hospitais de Wuhan, pela equipe do Weiwei sobre a pandemia do Covid-19. Qual a mensagem desse esse filme  e por que está sendo rejeitado por festivais e plataformas?

Marcello Dantas: Esse é um filme que denuncia uma verdade latente. Ele já apontou desde o ano passado que o quê aconteceu em Wuhan é um virus de laboratório, e não um acidente de mercado ou da população. Foi um acidente com uma arma biológica que falhou, mas não era intencional. Mas é um acidente que a China encobriu de todas as formas. E todas as plataformas de distribuição do mundo, hoje em dia, sofrem a influência do poder do mercado chinês. Se você distribui alguma coisa que vai contra a China você pode ser banido assim como acontece com várias plataformas de redes sociais e de distribuição que hoje não são permitidas de atuar no país asiático.Eu nem vejo de fato o governo chinês atuando diretamente contra isso. Eu acho que se trata do medo das pessoas de que a sua relação com a China fique comprometida por causa de uma relação com o Ai Weiwei. O importante é que o filme mostra como nenhum outro documento- um filme já feito dentro da epidemia desde o primeiro momento- a escala , o alcance e a dor. Mas principalmente a censura sobre qualquer informação relativa ao tema. E ele carrega consigo uma tese de que isso aconteceu como « uma coisa » que escapou do contrôle.

RFI:   Você, que ja realizou tantas iniciativas culturais no Brasil em diversas áreas, como analisa o nosso cenário cultural e o impacto das atuais políticas do setor na produção artística do país?

Marcello Dantas: Eu acho que é um absoluto desastre o que está acontecendo no Brasil. Mas é um desastre planejado. A gente não tem nem o direito de ficar impressionado porque o atual governo disse que iria fazer isso com todas as virgulas ;  e está fazendo.  O desmonte do setor cultural é uma política de governo. E isso dá um esvaziamento tremendo no setor. Por outro lado acontece uma coisa interessante porque força as pessoas atuarem mais internacionalmente - assim como durante a ditadura ou no exílio- de buscar uma repercussão e um alcance  além do território brasileiro. O que pode ser bom para a arte brasileira. Pode ser bom que de alguma forma a gente crie outros vínculos que gerem espaços para expressão de artistas e temas brasileiros fora do Brasil. Porém para o público brasileiro é um desastre. A quebra do sistema de financiamento da cultura brasileira é criminosa porque você vai desprover uma geração inteira de educação e sensibilização. O dano sobre os artistas é uma parte importante mas o dano na população deve ser multiplicado por milhares…é uma maneira de emburrecer o país e fazer dele um país mais incapaz de ter algum senso crítico sobre as coisas.  Estranhamente esse parece ser o projeto.

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