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Reportagem

Rio-2016: denúncias de corrupção abalaram o legado olímpico

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Sete anos depois dos Jogos Olímpicos Rio-2016, os brasileiros ainda não conseguiram fechar totalmente a conta do evento, orçado em torno de R$ 40 bilhões, gastos com a operação, obras de mobilidade urbana e a construção de arenas, com metade de recursos privados e metade dos cofres públicos. É que muitas das obras esportivas e de infraestrutura incluídas no projeto olímpico e mesmo a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede estiveram envolvidas em suspeitas de superfaturamento ou pagamento de propina. 

Obras esportivas e de infraestrutura incluídas no projeto olímpico e mesmo a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede estiveram envolvidas em suspeitas de superfaturamento ou pagamento de propina. 
Obras esportivas e de infraestrutura incluídas no projeto olímpico e mesmo a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede estiveram envolvidas em suspeitas de superfaturamento ou pagamento de propina.  REUTERS/Ricardo Moraes
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Maria Paula Carvalho, da RFI 

Os bastidores da Rio 2016 envolvem suspeição de irregularidades que vão desde a compra de votos até fraudes em licitações. Cinco empreiteiras foram responsáveis pela maioria das obras dos Jogos Rio-2016.Todas as construtoras estiveram envolvidas no escândalo de corrupção na Petrobras, investigado pela Operação Lava Jato, que apurou um bilionário esquema ilegal na companhia petrolífera brasileira, envolvendo outras empresas, partidos e políticos. 

Além dos números oficiais, a fatura começou a ser paga antes mesmo da cerimônia de abertura, em agosto de 2016. Essa foi a suspeita levantada pela Operação Unfair Play (Jogo Sujo), um desdobramento da Operação Lava Jato em parceria com autoridades francesas, que apurou indícios de corrupção na candidatura carioca. 

Tudo começou com uma investigação do Ministério Público da França, divulgada pelo jornal Le Monde, revelando que um empresário brasileiro teria pagado propina ao filho do ex-presidente da Federação Internacional de Atletismo (FIA) para garantir votos para o Rio. Os franceses pediram a colaboração do Brasil nas investigações, que envolveram, também, procuradores de Antígua e Barbuda, dos Estados Unidos e do Reino Unido. 

De acordo com a Procuradoria, "vasta documentação e provas robustas" indicaram que o grupo liderado pelo então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, havia repassado US$ 2 milhões em propina para comprar o voto do senegalês Lamine Diack, que esteve à frente da FIA de 1999 a 2015. O valor teria sido pago por meio de seu filho, Papa Massata Diack. 

 

Matéria do jornal Le Monde, revela suspeitas de corrupção na escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Matéria do jornal Le Monde, revela suspeitas de corrupção na escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Reprodução

 

Cabral foi sentenciado a penas que somadas ultrapassavam 100 anos de prisão em várias condenações pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O político deixou a penitenciária no fim do ano passado, após seis anos preso, e atualmente circula com uma tornozeleira eletrônica. 

Em novembro de 2021, o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Artur Nuzmann, foi condenado a quase 31 anos de prisão pela acusação de ter participado de pagamento de propina em troca de votos para a candidatura do Rio, na eleição realizada em 2009 pelo COI. 

O Ministério Público Federal investigou suspeitas de corrupção nas obras dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro que contaram com recursos da União, como a construção do metrô, projetos de despoluição ambiental e do legado dos jogos. Em delação da empreiteira Carioca Engenharia, foi revelado pagamento de propina envolvendo as obras do Porto Maravilha.  

Segundo o depoimento do empresário Ricardo Pernambuco (dono da Carioca Engenharia), cerca de R$ 13 milhões foram pagos em propina ao deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados. Os valores seriam para que o parlamentar atuasse em favor da empresa para facilitar a liberação de valores do Fundo de Investimento do FGTS para as obras do porto. À época, a defesa do ex-deputado negou o recebimento de propina. 

Uma série de escândalos que acabaram prejudicando a imagem dos Jogos. “Eu acho que tivemos Jogos com muita lisura no procedimento de contratação. Questões como a contratação da linha 4 do metrô ou obras de VLT são públicas, é óbvio que não é o legado que nenhuma sociedade gostaria de ter, não são imagens positivas para o nosso país”, lamenta o procurador de Justiça do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola. “Mas foram objetos de investigação, as pessoas foram punidas, parte dos recursos foram devolvidos, e de alguma forma se mostrou que as instituições brasileiras funcionaram”, analisa.    

“Há deslizes que é impossível você controlar, tem muita gente envolvida, muito interesse. Então, eu falo por mim, não tem como avaliar”, responde José Cândido Muricy, sub-secretário da Casa Civil do Estado do Rio durante os Jogos. “É triste, no fundo, quando você vê algumas coisas comprovadamente aparecendo, você fica decepcionado e incrédulo, mas todos somos humanos, as coisas acontecem”, completa. 

José Cândido Muricy, sub-secretário da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro.
José Cândido Muricy, sub-secretário da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro. © arquivo pessoal

“Desde o início, o orçamento era dividido e a gente acompanhava os gastos com base em três grandes orçamentos: esportivo, das instalações e um orçamento amplo de toda a preparação das cidades, que incluía o metrô e trabalhos na Baía de Guanabara”, explica Mário Andrada, diretor de Comunicação da Rio-2016. “Do ponto de vista do Comitê Organizador, que era responsável por montar o espetáculo olímpico, supervisionar as construções das instalações e organizar os Jogos, está mais do que provado que não houve nenhum tipo de corrupção”, diz. “Os números, as compras, os gastos foram revisados e não tem nenhum problema. As decisões eram tomadas em colegiado e não houve nenhum indício”, afirma o executivo. Porém, “existe um processo de apuração jurídica no Brasil com relação à candidatura do Brasil à Rio 2016, um projeto que potencialmente envolve a compra de votos que garantiram a escolha do Rio. Esse processo está em andamento. (…) Essa é a principal suspeita e a única investigação de corrupção e procedimentos antiéticos. A execução dos Jogos foi limpa e estamos tranquilos quanto a isso”, garante Andrada. 

Ao mesmo tempo em que os Jogos Olímpicos podem acelerar o desenvolvimento de uma cidade, um plano audacioso de obras de infraestrutura como esse exige fiscalização, explica o professor Orlando Santos, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. “A corrupção é decorrente da exceção, quando você cria facilidades. Os mega eventos permitiram endividamentos por parte das cidades que sediaram a Copa e a Olimpíada. São leis de exceção legitimadas pela percepção dos mega eventos”, afirma. “As contratações de empreiteiras foram facilitadas, você teve inúmeros procedimentos que facilitaram os atos de corrupção. O que foi negativo para a gestão publica no Brasil”, conclui.

Nessa série de reportagens, buscamos colocar em perspectiva a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Um projeto que exigiu preparação e que continua dando frutos, sete anos depois. De lá para cá, métodos de transparência e prestação de contas têm evoluído, assim como a cobrança da sociedade.  Agora é só esperar por Paris 2024 e torcer!

Vista aérea do rio Sena para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris em 2024
Vista aérea do rio Sena para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris em 2024 © Paris 2024 / Florian Hulleu

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