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Reportagem

Jogos Olímpicos Rio-16: a pressão para organizar a casa e os ensinamentos para Paris-2024

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A multidão gritou alto na praia de Copacabana quando o Rio de Janeiro foi anunciado como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Urbanizada entre o mar e a floresta, a escolha da primeira cidade na América do Sul a receber a maior competição esportiva do planeta fez o mundo vibrar. A "Cidade Maravilhosa" teve sete anos para se tornar uma metrópole olímpica e agora compartilha a sua experiência, às vésperas dos Jogos Paris-2024, após uma olimpíada pandêmica e sem público no Japão. 

As cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos Rio-2016 aconteceram no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.
As cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos Rio-2016 aconteceram no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. REUTERS/Sergio Moraes
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Maria Paula Carvalho, da RFI

"Quando comparada às capitais do Velho Mundo, o Rio é ainda um adolescente", destaca o vídeo oficial do Comitê Olímpico Internacional (COI) dos Jogos Rio-2016. Ilustrado com belas praias, gente alegre e uma paisagem de tirar o fôlego, o filme apontava os desafios que os cariocas enfrentariam em sua “aventura olímpica”. É assim que muitos se referem ao momento histórico que transformaria a cidade para sempre.  

A RFI conversou com organizadores, representantes do poder público, da sociedade civil e do mundo esportivo para lembrar fatos marcantes dessa experiência, perguntar sobre o aprendizado e pedir possíveis “conselhos” para a França, colocando os fatos em perspectiva e contextualizando a realização do evento.  

Uma organização em três esferas  

"Uma olimpíada é como uma operação de guerra", compara Leonardo Espíndola, procurador do Rio de Janeiro que, em 2016, era secretário da Casa Civil e representante do Estado no Comitê organizador dos Jogos Olímpicos, uma entidade privada formada pelos três entes federativos envolvidos no projeto: o município, o Estado e a União.  

“Realizar mais de 50 competições simultaneamente na mesma cidade, alimentar, deslocar todos esses atletas e população para os Jogos simultaneamente, o que se fala é que não há precedente de operações com essa complexidade. São 16 dias muito intensos, em que tudo acontece ao mesmo tempo”, define. 

O Rio já tinha a experiência dos Jogos Pan Americanos (2007) e da Copa do Mundo (2014). A cidade exuberante e caótica, que às vezes intimida os visitantes, também acolhe. No Rio-fantasia, onde tudo parece possível e o Carnaval é um bálsamo coletivo, nada é tão extraordinário que não possa acontecer, até mesmo sonhar em sediar o maior evento esportivo do planeta, apesar de várias candidaturas anteriores frustradas.  

Concorrendo com cidades mais desenvolvidas e prontas, como Chicago (Estados Unidos), Madri (Espanha) e Tóquio (Japão), o Rio de Janeiro apostou na oportunidade de transformação para seduzir os jurados.  

“Não há dúvida de que o Rio de Janeiro era a cidade com menos recursos e em tese com menos condições de realizar os Jogos, em comparação com cidades desenvolvidas do primeiro mundo. Mas para o Rio, a olimpíada seria uma oportunidade de fazer a diferença. Os Jogos poderiam servir muito à cidade. Então, esse foi o grande argumento para trazer os Jogos para o Rio”, conta Espíndola.  

Além disso, "havia uma convergência política favorável" completa José Cândido Muricy, sub-secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro à época. “A gente deu sorte e isso facilitou muito o trabalho. Mesmo assim, é um grande desafio você conseguir articular com as três esferas de governo, os três interesses paralelos que existem por recursos e outras ações, junto com a Rio-2016 que é um ente não-governamental”, explica. 

Obras no parque Olímpico dos Jogos Rio-2016, no Rio de Janeiro
Obras no parque Olímpico dos Jogos Rio-2016, no Rio de Janeiro Tomaz Silva/ Agência Brasil

Olimpíadas, um grande negócio 

O momento anterior aos Jogos Olímpicos Rio-2016 era muito bom para o Brasil, observa o sociólogo Ronaldo Helal, pesquisador e coordenador do laboratório de estudos em Mídia e Esporte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Havia uma expectativa muito grande, o presidente Lula havia deixado o governo com 87% de aprovação. Em 2009, não havia as críticas que vieram depois, de corrupção e as pessoas indo para rua”, diz o acadêmico. "Na cidade, as obras em si, claro que é sempre um tormento, você não consegue 'fazer uma omelete sem quebrar os ovos', mas havia um entendimento de que era necessário”, analisa. 

"Para as empreiteiras foi muito favorável, ganharam muitos recursos e para os que estavam na direção desse projeto também", afirma, por sua vez, Orlando Alves Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pergunta crucial se os Jogos Olímpicos foram positivos ou negativos para o Rio e o país depende do olhar do observador e do fato que as olimpíadas, segundo ele, "viraram um grande negócio". 

"Se antes elas eram a celebração do esporte, da paz e o lugar de encontro das nações, se isso estava em primeiro lugar e os negócios subordinados a essa celebração, o sentido se inverteu" observa. "Agora os negócios estão em primeiro lugar e o esporte subordinado aos negócios", completa o pesquisador. O problema dessa inversão de valores, ele explica, é que os interessados "conseguem subordinar normas, regulações e dispositivos de governança locais e constituir normas de exceção que são impostas para a cidade".  

Santos explica que nem sempre o que está nos planos olímpicos é o que a cidade mais precisa no momento. Ele destaca o peso de tais investimentos na tomada de decisão para o desenvolvimento urbano. "O que esses projetos impõem às cidades acaba sendo aceito como bom. Mas não são discutidos democraticamente. São os projetos que a cidade requer? Se fossem discutidos em outro contexto, não seriam implementados", acredita. 

O professor cita como o exemplo os recursos em mobilidade urbana, um dos itens de maior despesa no orçamento olímpico. "Mas nenhum centavo foi investido na integração dos transportes urbanos nas cidades que formam a Região Metropolitana do Rio. O que é uma aberração", aponta.   

 

Orlando Alves Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Orlando Alves Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). © arquivo pessoal

 

Jeitinho brasileiro: “um diferencial”  

Rodeada por beleza natural, a metrópole do Rio de Janeiro que conhecemos hoje é o resultado de uma longa batalha entre o homem e a natureza. Passada a euforia da indicação para sediar os Jogos Olímpicos-2016, veio a angústia da enorme responsabilidade assumida.  Paraíso de contradições, a cidade combina o melhor e o pior do Brasil. E ambos ficaram evidentes na longa jornada olímpica.  

“A gente tinha uma pressão muito grande porque o brasileiro passa uma impressão para o mundo de que nós não somos acostumados a planejar”, admite Luiz Gustavo Brum, um dos executivos que trabalharam na organização da Rio-2016.  “Mas isso não é verdade. A gente tem um planejamento, consegue fazer. Porém, o brasileiro tem um perfil diferente de tomada de decisão. O papel aceita tudo, mas, na última hora, o brasileiro tem capacidade de resolver os imprevistos de forma brilhante, isso foi um diferencial”, avalia o responsável pelo complexo do estádio do Maracanã, onde aconteceram as cerimônias de abertura e de encerramento, além das partidas de futebol e vôlei. 

Muito antes da chegada dos visitantes, os cariocas enfrentaram uma dinâmica de demolições e de renovação urbana, tendo suas construções escrutinadas pelo resto do mundo e com medo, até o último minuto, de não dar conta do recado.  

Vista aérea do Parque Olímpico do Rio de Janeiro, tirada em 26 de julho de 2016
Vista aérea do Parque Olímpico do Rio de Janeiro, tirada em 26 de julho de 2016 AFP/Archives

“O grande antropólogo Darcy Ribeiro dizia que o brasileiro oscila entre o ufanismo tolo e um pessimismo exacerbado. Falta um pouco de equilíbrio”, observa Ronaldo Helal, sociólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Ou somos os melhores do mundo, ‘com o brasileiro não há quem possa’, mas se perdemos, nos sentimos os piores", acrescenta, ao explicar a cobrança sentida pela população. "Nos anos 1950, o grande jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues chamou isso de complexo de vira-latas", analisa, sobre o que chama de um “etnocentrismo invertido”. “Os outros são melhores do que nós, nós não somos capazes, esse país não vai para a frente. É um país tupiniquim. Mas, ao mesmo tempo, tem esse louvor à malandragem e ao jeitinho. Então falta um pouco de equilíbrio”, reforça Helal. 

Apesar dos questionamentos da imprensa e da cobrança internacional, “foram provavelmente os melhores 30 dias da história do Rio de Janeiro”, avalia Mário Andrada, diretor-executivo de Comunicação e engajamento dos Jogos Olímpicos Rio-2016. “Quem esteve aqui durante os Jogos não vai se esquecer e a gente também não. Os Jogos foram impecáveis, os atletas foram bem tratados, as competições começaram no horário, enfim, os Jogos foram ótimos”, diz. “A gente passou uma imagem de que o Brasil é capaz de fazer, apesar de a gente ter os nossos problemas, mostramos que a nossa cidade é capaz e quando a gente quer a gente faz, entrega”.  

E foi isso que testemunharam 1,7 milhão de turistas que desembarcaram no Brasil, entre os dias 23 de julho e 8 de agosto de 2016, para os Jogos Olímpicos e entre 7 e 18 de setembro, para os Jogos Paralímpicos. 

Mas para chegar a esse resultado, o país precisou superar diversas crises, entre elas uma grave crise política, como veremos na próxima reportagem.  

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