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Reportagem

'França aceitaria tirolesa na Torre Eiffel?', indaga opositora de projeto no Pão de Açúcar

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As obras para a construção de quatro tirolesas ligando os morros do Pão de Açúcar e da Urca são contestadas pelos moradores do Rio de Janeiro. Eles denunciam um “crime ambiental” contra o cartão postal da cidade e Patrimônio Mundial da Unesco. O grupo que administra o complexo turístico do Pão de Açúcar se defende dizendo que o projeto obteve todas as licenças e alvarás necessários. No entanto, a obra foi embargada e está suspensa desde o início de junho, por decisão da Justiça.

A estação do bondinho no Morro da Urca, com o Pão de Açúcar ao fundo, e a lona verde do canteiro de obra da tirolesa à esquerda.
A estação do bondinho no Morro da Urca, com o Pão de Açúcar ao fundo, e a lona verde do canteiro de obra da tirolesa à esquerda. © RFI/Adriana Brandão
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A RFI visitou a instalação da tirolesa do Pão de Açúcar com a obra paralisada. Na praça, em frente à estação de embarque do bondinho, a reportagem foi recebida por moradores contrários ao projeto.

“Os franceses deixariam fazer uma tirolesa na Torre Eiffel?”, questiona Celi Paradela Ferreira, presidente da Associação de Moradores da Urca (AMOUR). “Nós também não queremos essa obra no Pão de Açúcar, que é um ícone do mundo. Não queremos essa mutilação. É um lugar de contemplação da natureza, não é um lugar de esportes radicais”, completa. A presidente da AMOUR garante que, ao contrário do que afirma a concessionária do Parque Bondinho Pão de Açúcar, a associação de moradores não foi “consultada”.

Celi Paradela Ferreira, presidente da Associação de Moradores da Urca (AMOUR).
Celi Paradela Ferreira, presidente da Associação de Moradores da Urca (AMOUR). © RFI/Adriana Brandão

Os moradores do bairro da Urca, onde fica o complexo turístico, também temem transtornos ainda maiores no trânsito local com o “aumento do fluxo de pessoas”.

A tirolesa do Parque Bondinho Pão de Açúcar promete aos turistas “uma experiência única” em uma das paisagens mais lindas do mundo. O local continua aberto à visitação e os turistas podem ver nas proximidades das estações nos morros da Urca e do Pão de Açúcar grandes lonas verdes que escondem os canteiros de obras.

O morro do ¨Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.
O morro do ¨Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. © RFI/Adriana Brandão

O projeto visa a instalação de quatro cabos, paralelos aos do bondinho. A descida de tirolesa entre o Pão de Açúcar e o Morro da Urca, de 755 metros de extensão, será feita a uma velocidade de até 100 km/h e terá a duração de 50 segundos. O preço da atração ainda está sendo estudado.

 

Impacto ambiental

As obras começaram há cerca de um ano, gerando muito polêmica. Vários movimentos contra o projeto, como o “Pão de Açúcar Sem Tirolesa” ou “SOS Pão de Açúcar”, foram lançados e ganharam a adesão de outros setores. Um abaixo assinado na internet contra a instalação do equipamento já recolheu mais de 24 mil assinaturas.

Os opositores não entendem como o projeto obteve todas as licenças necessárias. Segundo eles, o novo equipamento "responde a interesses exclusivamente privados em detrimento da população".

Claudio Pfeil, professor de Filosofia e ativista do movimento SOS Pão de Açúcar.
Claudio Pfeil, professor de Filosofia e ativista do movimento SOS Pão de Açúcar. © RFI/Adriana Brandão

Os moradores alegam que a tirolesa representa um risco ambiental e denunciam a “mutilação” do Pão de Açúcar, monumento natural tombado desde 1937. “Nós estamos defendendo a preservação do Pão de Açúcar. Para a construção da tirolesa, a empresa responsável já extraiu, já mutilou o Pão de Açúcar na razão de 56 caçambas de rocha. Ou seja, são mais de 160 m³ de rocha que já foram extraídos. Isso é uma mutilação absolutamente inaceitável”, afirma Claudio Pfeil, professor de Filosofia e integrante do movimento SOS Pão de Açúcar.

 

O CEO da concessionária que administra o Parque Bondinho Pão de Açúcar, Sandro Fernandes, ouvido pela RFI, contesta. Ele afirma que “todas as reduções de rocha, que tiveram nivelamento, foram em áreas já antropizadas, isto é, áreas que já foram mexidas pelo homem”. O CEO informa que o nivelamento foi necessário “para darmos acessibilidade plena, para que uma pessoa com necessidades especiais possa fazer toda a jornada ao lado dos seus amigos, da sua família”.

Sandro Fernandes CEO do Iter, que administra o Parque Bondinho do Pão de Açúcar.
Sandro Fernandes CEO do Iter, que administra o Parque Bondinho do Pão de Açúcar. © RFI/Adriana Brandão

Sandro Fernandes rebate quase todas as críticas ao projeto, que recebeu os alvarás necessários “após dois anos e meio de processo de licenciamento”. Segundo ele, a tirolesa terá principalmente um impacto positivo para a “imagem do Rio de Janeiro” e não vai alterar o número de visitantes.

“O nosso limitador é o bonde. Não haverá nenhuma alteração na capacidade de operação do bonde, que se manterá a mesma. Ou seja, a tirolesa é simplesmente mais uma alternativa para quem quer descer do Pão de Açúcar ao Morro da Urca, mas só para no máximo 100 pessoas por hora”, detalha.

No entanto, o CEO preferiu não comentar a denúncia de que a tirolesa seria apenas o pontapé inicial de uma série de intervenções previstas, mas ainda não aprovadas, no Pão de Açúcar. De acordo com a arquiteta Claudia de Castro Barbosa o grupo que administra o complexo “já está tentando aprovar um projeto que se chama ‘Masterplan,’ onde pretende construir um teatro no morro do Pão de Açúcar, uma casa de shows, praça de alimentação, lojas e mais entretenimento, que não é configurado como contemplação. (...) Eles ficam muito chateados quando a gente diz que eles estão querendo fazer um shopping. OK, não vamos chamar de shopping, mas o que é um shopping senão tudo isso que eles estão querendo colocar lá?”.

A arquiteta Claudia da Costa Barbosa, moradora da Urca, e integrante do movimento Pão de Açúcar sem Tirolesa.
A arquiteta Claudia da Costa Barbosa, moradora da Urca, e integrante do movimento Pão de Açúcar sem Tirolesa. © RFI/Adriana Brandão

Embargo

No início de junho, a Justiça Federal atendeu pedido do Ministério Público para suspender as licenças concedias pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e embargou a obra.

A concessionária entrou com recurso. “Estamos muito tranquilos com a nossa resposta, tranquilos que, ao serem analisadas, a nossa contestação, nosso agravo, as obras serão retomadas”, espera Sandro Fernandes, lembrando os dois anos e meio do processo de licenciamento. 

Em uma primeira decisão, no final de junho, o desembargador carioca Luiz Paulo da Silva Araújo negou o recurso feito pela empresa e manteve a suspensão da instalação da tirolesa do Pão de Açúcar. A decisão final da Justiça deve sair entre 45 a 60 dias.

De qualquer maneira, essa primeira vitória é festejada pelos movimentos Pão de Açúcar Sem Tirolesa e SOS Pão de Açúcar, que seguem mobilizados. Os ativistas apostam também no apoio do ICOMOS Brasil (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) que fez um alerta à direção do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco.

Em nota à RFI, a Unesco esclareceu que pediu "informações complementares" ao governo do Brasil, depois de ter inicialmente solicitado e recebido "esclarecimentos formais" sobre o caso. "Quando receber todas as informações necessárias, a Unesco realizará sua análise com a ajuda de seus órgãos consultivos e fornecerá comentários técnicos e recomendações às autoridades", prossegue a nota, que diz acreditar no "diálogo" e em "soluções sustentáveis que tenham em vista preservar os valores do sítio".

Se não houver acordo, "a questão poderá ser levada posteriormente ao conhecimento do Comitê do Patrimônio Mundial", conclui o texto da Unesco.

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