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Reportagem

Em Portugal, semana literária reúne intelectuais como Djamila Ribeiro e Laurentino Gomes para discutir língua e cidadania

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Um debate centrado na língua portuguesa como território, lugar de diversidade, de possibilidades e desafios. É assim que o evento propõe uma nova reflexão sobre o nosso idioma. Para o jornalista e escritor brasileiro Jamil Chade, um dos oradores, é preciso aproveitar o espaço comum que a língua nos oferece para construir um novo tipo de identidade.

O Ciclo Cidadania da Língua é realizado até o dia 2 de julho, com programação aberta ao público, pela Associação Portugal Brasil 200 anos.
O Ciclo Cidadania da Língua é realizado até o dia 2 de julho, com programação aberta ao público, pela Associação Portugal Brasil 200 anos. © divulgação
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Caroline Ribeiro, correspondente da RFI em Lisboa

“A gente se acostumou a ter a identidade ligada à nacionalidade. Eu sou brasileiro, ela é portuguesa, e isso bastava. O que a gente está fazendo é quebrar essas fronteiras, quebrar essa lógica e colocar a cidadania na identidade cultural. Essa cidadania que a gente pensa é a língua portuguesa”, explica Chade à RFI Brasil.

O Ciclo faz parte da programação da Feira do Livro de Coimbra e é organizado pela Associação Portugal Brasil 200 anos. José Manuel Diogo, fundador da entidade, explica que a ideia para o evento surgiu depois que o acordo de mobilidade da CPLP entrou em prática. O mecanismo garante facilidades para residência e locomoção de cidadãos entre os nove estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

“Nós olhávamos para o conceito de cidadania da língua durante anos com uma perspectiva poética e cultural. Mas esse ano, com a aprovação do acordo de mobilidade da CPLP, isso deixou de ser romântico e passou a ser um fato legislado. Hoje, qualquer cidadão de um país de língua portuguesa pode, de forma praticamente automática, obter autorização de residência em Portugal e isso é revolucionário. Pela primeira vez, o fato de você ser cidadão de um país que fala uma língua dá a você autorização para viver lá”, explica Diogo à RFI Brasil.

Desafios e passado histórico

Mas, mesmo com uma nova abertura para que os caminhos dos cerca de 280 milhões de falantes do português se cruzem, a língua ainda enfrenta desafios ligados, justamente, à essa diversidade cultural.

Nascido em Portugal, José Manuel Diogo, que também é diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, se acostumou a disfarçar o sotaque para ser melhor compreendido pelos brasileiros. “Cheguei a ter reuniões em inglês no Brasil”, conta. “Nesse ambiente profissional, de encontrar investidores, projetos, que cada vez acontece mais, os portugueses de Portugal morando no Brasil ou recebendo os brasileiros, essa falsa ideia de que falamos a mesma língua é o primeiro obstáculo para geração de economia. É uma decisão consciente e profissional, então a melhor coisa é você se colocar em um lugar para as pessoas entenderem o que você tem a dizer”.

Aproximar os países falantes do português é também revisitar o passado. Para o historiador brasileiro Laurentino Gomes, que também participa como orador do Ciclo Cidadania da Língua, a imposição do idioma como instrumento de colonização deixou marcas presentes até hoje.

“Quando nós falamos de construção histórica, é importante levar em conta quais são os protagonistas, os anônimos. É muito sintomático que o processo de escravização incluía a mudança da língua, que é um dos principais elementos de identidade de uma pessoa. Morria a língua original com a qual a pessoa se identificava na África e ela tinha que adotar a língua portuguesa. O Brasil, na época dos chamados descobrimentos, tinha mais de mil línguas faladas pelos povos originários, mas a língua portuguesa foi imposta”, diz o autor à RFI.

“Claro que há beleza nessa língua, tem Saramago, os grandes poetas, Guimarães Rosa, a música, mas há também uma história de opressão, de anulamento das identidades, por isso essa discussão é tão importante. Falar sobre a língua é falar sobre nós mesmos, sobre a nossa jornada”, analisa Gomes.

Para a escritora luso-angolana Yara Nakahanda Monteiro, que vai debater no evento com a filósofa e escritora brasileira Djamila Ribeiro sobre as influências culturais presentes na língua portuguesa, a aceitação das mudanças que o idioma sofre é fundamental para uma maior integração entre os falantes.

“Eu acho que é importante entender que estamos todos em pé de igualdade, somos todos falantes. A mudança vem sempre com resistência, mas acho que já está a ser ultrapassada. Já se tem visto os benefícios da influência e dos empréstimos linguísticos. Muitos deles já foram aceitos e estão registrados em dicionário. O objetivo deste evento em Coimbra é exatamente proporcionar uma reflexão", diz.

Para Djamila Ribeiro, que visita Portugal pela primeira vez, as reflexões devem ser ferramentas não só para um maior unidade linguística, mas também para o combate ao racismo, que ganha força quando uma ou outra variante do português é discriminada.

“Eu acho que é muito importante a gente entender as consequências do colonialismo, da imposição de uma cultura sobre outras. É fundamental para que a gente consiga entender porque esses países ainda vivem em realidades muito desiguais”, diz Ribeiro à RFI.

Para a escritora, é preciso falar abertamente sobre o tema. “Não ter medo de trazer essas verdades desconfortáveis, como uma intelectual portuguesa, Grada Kilomba, fala em seu livro Memórias da Plantação. A língua é esse elo que nos une e nos possibilita discutir isso de maneira empática. A gente pode conversar e dialogar partindo de lugares diferentes, mas entendendo esses lugares e tentando chegar num lugar comum”.

O Ciclo Cidadania da Língua é realizado até o dia 2 de julho, com programação aberta ao público. As palestras também vão ficar disponíveis no site da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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