Franceses celebram a inscrição da baguete como Patrimônio Cultural da Unesco
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Basta visitar uma “boulangerie”, o nome dado às padarias em francês, que você encontra muitos fãs da baguete e todos orgulhosos que esta iguaria finalmente tenha entrado para a lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. Mais do que os ingredientes que a compõem (farinha, água, sal e fermento), a distinção foi dada pelo “savoir-faire”, a forma particular de preparar, amassar e assar esse tipo de pão.
Todos os dias, a técnica de informática Virginie faz fila para comprar baguete. Ela diz que não existe igual no mundo. “A baguete é algo que só se encontra na França, já viajei para muitos lugares e não existe como a nossa, que se vende em todas as cidades, mesmo nos vilarejos. Ela não tem imitação”, afirma. “Casca crocante por fora e por dentro um pouco úmida e mole”, descreve. “Eu compro duas por dia e nós somos dois em casa”, completa.
Símbolo do cotidiano francês, quem nunca viu um parisiense andando nas ruas com a sua baguete debaixo do braço? Não raro, eles comem um pedaço na rua, assim que saem da padaria. Lionel explica o porquê. “O bom é quando ela está quente e crocante", diz. “Sim, estamos orgulhosos porque consagra uma tradição centenária e permite reconhecer esse conhecimento que existe há muito tempo”, acrescenta este parisiense.
A votação aconteceu nesta quarta-feira (30), em Rabat, no Marrocos. A Unesco reconheceu o conhecimento dos padeiros artesanais e a escolha celebra uma arte de viver "à francesa". Afinal, a baguete é um ritual diário, um elemento estruturante da refeição e um sinônimo de partilha, destaca Lionel. “É um hábito francês, todos os dias termos o nosso pão. Minha filha fica muito contente de comer e eu também. Estou muito contente que a baguete seja conhecida”, comemora.
Tradição histórica
Imortalizada nos filmes, a baguete é um produto relativamente recente, surgido no início do século 20, em Paris. Porém, há outras versões para a sua origem. Há quem diga que a baguete de pão branco remonta à época de Napoleão. Diz-se que seus padeiros inventaram um pão alongado para ser mais fácil de transportar pelos soldados. Já naquela época, o pão era sagrado!
A massa da baguete deve descansar entre 15 e 20 horas a uma temperatura entre 4 e 6°C.
Todos os dias, 12 milhões de consumidores franceses vão atrás dessa iguaria nas padarias do país, que produzem seis bilhões de baguetes por ano. Para os franceses, ir comprar o pão é um verdadeiro hábito social. E por aqui ninguém teme os estereótipos. “Eu vou deixar crescer o bigode agora, para fazer realmente o parisiense com a boina e a baguete”, brinca Daniel, outro ávido consumidor.
O reconhecimento acontece em um momento em que este saber tradicional francês está ameaçado pela industrialização e pela diminuição do número de padarias artesanais no país. Elas passaram de 55.000 em 1970 (uma para 790 habitantes) a 35.000 atualmente (uma para cada 2.000 habitantes).
Wafa diz que começa o dia sempre com uma tartine, o que seria o pão na chapa no Brasil. E prefere a baguete tradicional. “Há alguns que guardam o modo de fazer tradicional, que amam essa profissão de padeiro e de fazer baguete. Há outros que fazem em grande quantidade e não prestam tanta atenção na qualidade”, lamenta. “A baguete é indispensável na nossa mesa. Eu sou casada com um tunisiano que come muita baguete e a gente adora. Estamos contentes que ela faça parte do patrimônio cultural da Unesco”, acrescenta.
O pão comprido, vendido em todas as padarias e também em supermercados, é um dos símbolos do país no exterior. O próprio presidente, Emmanuel Macron, deu seu apoio ao dossiê de candidatura da baguete, descrevendo-a como "250 gramas de magia e perfeição".
A sua escolha para representar a França no concurso da Unesco foi feita em 2021, desbancando outros candidatos como os telhados de zinco de Paris e a Festa do Vinho de Arbois, no leste da França.
Todos os anos, a prefeitura de Paris realiza o Grande Prêmio da melhor baguete da Cidade. O ganhador se torna o fornecedor oficial de pães do Palácio do Eliseu, a sede do governo presidencial na França.
Quem conhece o país sabe que é normal o pessoal fazer uma longa fila na frente da boulangerie do bairro, só para esperar uma boa fornada de baguetes. Mas se ela é boa fresquinha, não pense que os franceses desperdiçam aquele resto que sobra. Por aqui, todo mundo tem uma receita para aproveitar o chamado “pão dormido”, acrescenta a consumidora que passa a receita do que seria quase a rabanada no Brasil. “Podemos fazer o ‘pain perdu’, uma receita que fazemos no fim de semana, com o pão da véspera que ficou duro", diz Wafa. "Você coloca no leite, ovo e um pouco de açúcar e vai para panela. Assim não se perde o pão”, ensina.
Além da expertise da baguete, o Comitê do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco examinou este ano 56 pedidos de inscrição. Entre eles o harissa, um molho picante típico da Tunísia e a cultura do chai (chá) no Azerbaijão e na Turquia.
A França tem cerca de 20 elementos já inscritos na lista de patrimônio imaterial da Unesco, alguns deles divididos com outros países. É o caso do alpinismo, que os franceses compartilham com os suíços e os italianos.
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