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Reportagem

O “beabá” das COPs: entenda como funcionam as Conferências do Clima da ONU

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Chegou a hora de o mundo se sentar novamente à mesa para debater o futuro da humanidade. Sentar e discutir, propor, ceder; literalmente negociar cada vírgula de um acordo. A 26ª Conferência do Clima da ONU em Glasgow, na Escócia, é a maior reunião multilateral do planeta. Mas como exatamente ela acontece? Ela serve mesmo para alguma coisa?

A Conferência do Clima da ONU é hoje a maior reunião multilateral do planeta.
A Conferência do Clima da ONU é hoje a maior reunião multilateral do planeta. © ANDY BUCHANAN / AFP
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A RFI preparou uma série de três podcasts para explicar a importância e os imensos desafios dessas conferências da ONU. Durante duas semanas, os chamados “líderes" vão debater maneiras de os países conseguirem, juntos, diminuir os impactos das mudanças climáticas nas próximas décadas – para que os piores cenários previstos pela ciência não se concretizem, se nada for feito para conter o aquecimento global. 

As Confêrencias das Partes das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas colocam sobre uma mesma mesa 195 países extremamente diversos – dos mais ricos e desenvolvidos aos mais pobres, onde outras questões ainda são mais primordiais, como ter comida no prato.

Já as grandes potências, as maiores poluidoras, relutam até o limite à ideia de abandonar práticas que só aumentam o problema, como usar energias altamente poluentes – e o mundo inteiro arca com as consequências.

São dias intermináveis de negociações entre diplomatas e ministros de Estado – os presidentes também aparecem para dar um impulso, ou segurar as conversas. Nem todos têm a mesma disposição em adotar medidas que custam caro e demandam um verdadeiro esforço de mudança na economia e na sociedade, que resultem em menos emissões de CO2 e outros gases que esquentam a Terra.

“Como não teve COP no ano passado, por causa da pandemia, temos um acúmulo de assuntos e decisões extremamente importantes que precisam ser resolvidos. Temos a novidade da volta dos Estados Unidos à mesa, os maiores emissores históricos”, ressalta Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne mais de 70 organizações ambientais ou grupos de pesquisas sobre o tema.

Líderes plaudem adoção do Acordo de Paris sobre o Clima, fechado na COP21, na capital francesa.
Líderes plaudem adoção do Acordo de Paris sobre o Clima, fechado na COP21, na capital francesa. AFP PHOTO / MIGUEL MEDINA

Promessas em vão?

Para as maiores potências, que emitem muito CO2 para se desenvolver, o grande desafio é a neutralidade de carbono: chegar até 2050 podendo diminuir drasticamente ou compensar, de diferentes formas, as toneladas de gases que emitem.

Um dos critérios que norteiam as negociações é o de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” – ou seja, todos terão de fazer algum esforço, mas é preciso encontrar uma maneira para que a divisão seja justa e equilibrada. A discussão sobre o financiamento das ações nos países em desenvolvimento, pelos países ricos, está entre as mais delicadas da conferência.

Faz apenas seis anos que o Acordo de Paris sobre o Clima foi assinado e o maior objetivo do tratado – limitar o aquecimento do planeta a no máximo 1,5°C até 2100 – já está descarrilando. Na prática, os países não cumprem aquilo que afirmam que vão fazer para emitir menos CO2 – e a ONU não tem como obrigá-los a fazer.

“Mesmo assim, as conferências servem para muita coisa. Elas nos trouxeram de um lugar de desconhecimento e negação das questões climáticas até esse momento, em que a gente tem um acordo internacional, tem um caminho e sabe o que perseguir para arrumar essa bagunça do clima, que foi feita por nós mesmos”, observa Astrini, especialista nas negociações climáticas há cerca de duas décadas.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima © Márcia Alves/Observatório do Clima

A adoção de um mercado de carbono, negociado entre os países no ambito do artigo 6° do Acordo de Paris, contribui nesse sentido. Um país ou uma empresa poderá comprar ou vender CO2 de outro, que tenha promovido ações para limitar as emissões – que se transformam em créditos. O Brasil está particularmente interessado neste tema: a redução do desmatamento representa um potencial de bilhões de toneladas de carbono que o país poderá negociar.

No caso do Brasil, a maior contribuição para o combate às mudanças climaticas é a diminuição da devastação das florestas, que responde por 44% do total de emissões do país. Nos últimos anos, com a volta de recordes de desmatamento, a voz e o poder de negociação do governo brasileiro na COP26 saem prejudicados.

Jovens têm pressa por ações

Os jovens estão na linha de frente de toda essa discussão – são eles que mais vão sentir os efeitos da crise climática nas próximas décadas. Os cientistas advertem que as consequências podem ser dramáticas se o aquecimento do planeta chegar perto de 3°C até o fim do século, como é o caso atualmente.

Incêndios, furacões ainda mais devastadores, aumento crítico da temperatura em algumas regiões do globo, colapso da agricultura e do abastecimento alimentar são algumas das consequências que poderão levar a fluxos migratórios inéditos na história e a guerras. Esse cenário tira o sono de pessoas como Paloma Costa, uma dos milhares de jovens que decidiram exigir que os “engravatados de cabelos brancos” de hoje assumam a responsabilidade por esse problema.

"Querendo ou não, uma conferência internacional é um espaço que vem há 27 anos discutindo os avanços e, da forma como são necessários, ainda são muito poucos”, lamenta.

A jovem ativista Paloma Costa fala ao lado de Greta Thunberg (direita) durante a Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2019, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque.
A jovem ativista Paloma Costa fala ao lado de Greta Thunberg (direita) durante a Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2019, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque. AFP - JOHANNES EISELE

Nesta COP26, pela primeira vez, jovens como Paloma terão direito a um assento na conferência para tomarem parte nas negociações. Eles se prepararam em um encontro de três dias em Milão, a Youth4Climat, em setembro. Mas até entre eles, há grandes divergências entre o que querem, de acordo com o país de onde vêm.

“Desde o processo de escolha, de organização, tudo isso foi bastante exclusivo. Como que jovens indígenas vão participar de um processo desses sendo que no mínimo se requer internet e inglês? Como que fica nossa posição como juventude em um evento em que estavam mais de 400 jovens e tinha apenas quatro representantes indígenas em toda a conferência?”, critica.

“Realmente fica um pouco ali no papel, um pouco na foto, nas notícias. Também existe muito esse chamado youthwashing, que é chamar o jovem para ficar sentado ali, trazer um certo tipo de ação, mas que em realidade não passa além de uma conversa, de uma foto, de uma autopromoção", adverte.

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