França celebra 1.000 anos da igreja medieval da abadia do Monte Saint-Michel
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Uma das inspirações do escritor Umberto Eco em seu romance "O Nome da Rosa", a abadia do Monte Saint-Michel festeja os mil anos de sua igreja com a exposição "A morada do Arcanjo", uma referência a São Miguel, um dos principais representantes da hierarquia celeste, que, segundo a Bíblia, derrotou o demônio. Erigida no topo de uma colina e em meio a marés movediças entre a Bretanha e a Normandia, o prédio medieval foi o monumento tombado pela Unesco mais visitado durante a pandemia de Covid-19 na França.
Verdadeira façanha arquitetônica, a abadia é vertiginosa e chama a atenção pela verticalidade. Sua localização no topo da colina e na lateral de um rochedo impõe uma organização complexa, como conta o guia oficial da abadia de Saint-Michel, François Saint-James.
"Os peregrinos costumavam escalar essa grande escadaria interna ao longo da muralha que contorna o monumento e toda essa parte mais recente da abadia, que é a residência do abade, que não se pode visitar", explica.
"Há os escritórios da administração, mas também há os frades e feiras. A abadia pertence ao Estado desde a Revolução Francesa, quando foi invadida, e é administrada pelo Centre des Monuments Nationaux. Mas o Estado francês aceitou o retorno da vida religiosa há pouco mais de 50 anos e hoje há 11 religiosos aqui, 4 frades e 7 freiras, a maioria das quais são mulheres das fraternidades monásticas de Jerusalém, que são inquilinas do Estado e moram nessa parte do edifício", lembra ele.
Ponto estratégico no coração da baía no noroeste da França, a abadia também foi uma fortaleza do Ducado da Normandia na Idade Média. Durante a Guerra dos Cem Anos contra os ingleses, apesar dos muitos conflitos que ocorreram na região, o Monte Saint-Michel resistiu. Isso se deveu especialmente à construção de poderosas muralhas, mas, sem dúvida, também ao constante ir e vir das marés. O monte passou por um cerco inglês em 1423 e saiu vitorioso em 1434, tornando-se um símbolo de vitória para o reino da França.
"O quarto de hóspedes onde estamos é o quarto onde eles recebem os reis da França, que vêm em peregrinação ao monte. São Luís veio duas vezes, Luís 11, três vezes, Francisco I°, duas vezes. Bem, provavelmente foi nesse quarto que São Luís se banqueteou de costas para a lareira. E, provavelmente, foi nesse cômodo que o rei e seus cortesãos dormiram, como peregrinos", conta François Saint-James, durante a visita ao monumento.
O quarto local de peregrinação mais importante da cristandade, depois de Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela, o Monte Saint-Michel é o local de peregrinação mais importante da Europa. "Aqui, não conseguimos ver os limites entre terra, mar e céu. Para os homens e mulheres da Idade Média conhecidos como peregrinos, que cruzavam a Europa a pé às dezenas de milhares todos os anos, a Baía de Monte Saint-Michel era o fim da jornada e a porta de entrada para o além. O mar que a maioria deles descobriu aqui é o remanescente do dilúvio, o Mar Vermelho que se abre diante do povo escolhido. Então eles podem atravessar as águas do batismo", sublinha Saint-James.
Trazidos de helicóptero
Uma das curadoras da exposição "A Morada do Arcanjo", Brigitte Galbrun, falou à RFI sobre a escolha das peças expostas. "Junto com Mathilde Labatut, co-curadora da exposição, optamos por apresentar aspectos pouco conhecidos da história da Igreja do Monte Saint-Michel por meio de objetos escondidos em diferentes partes da abadia, ou que foram trazidos especialmente para revisitar ou conviver com a igreja da abadia".
"Alguns dos objetos mais importantes são completamente inéditos, e outros foram transportados de helicóptero, como a estátua do Arcanjo São Miguel em prata em uma base de madeira maciça. Existem apenas duas dessas na França, e temos a sorte de tê-las no departamento. Uma estátua muito bonita do final da Idade Média, que revive uma representação medieval com esse dragão aos pés da estátua. E é claro, há o “tesouro”, porque no século XIX queríamos reviver as grandes peregrinações. E o bispo da época, juntamente com um grande joalheiro e ourives de Paris, projetou um conjunto completo de joias para a coroação de Saint-Michel, ou São Miguel, em português, em 3 de julho de 1878", afirma.
Paredes pintadas de branco
Durante a visita, o guia explica as modificações feitas ao monumento, ao longo do tempo. "Tudo era pré-fabricado e pintado de branco na Idade Média. Infelizmente, ao longo da história, os arquitetos-chefes que tomaram conta do monumento mandaram raspar a parede, e todas as decorações desapareceram. Mas aqui é preciso imaginar que, há 1.000 anos, as paredes eram totalmente caiadas de branco, assim como em todos os outros lugares da abóbada. Atrás de mim, certamente havia a representação da virgem e dos anjos e santos. Uma camada de gesso esconde os traços na abóbada. Em todos os edifícios da Idade Média, tem-se duas camadas sobrepostas como pedras falsas, pois a pintura e a escultura eram servas da arquitetura", sublinha o especialista.
Enciclopédia da arte gótica
O guia François Saint-James ressalta o valor arquitetônico do monumento. "Na noite da Páscoa de 1103, a parede norte da nave desabou e teve que ser substituída. Era uma noite de Páscoa. Os monges estavam rezando aqui e nenhum deles morreu, mas os pisos de madeira foram substituídos por abóbadas de pedra, com arcos cruzados. Você vê aquele arco de pedra que cruza a parede principal? Esse é o nascimento da arte gótica, aqui na abadia. 50 anos depois, em Saint-Denis, nasce a catedral gótica, porque esses arcos de pedra permitem distribuir o peso pela primeira vez. A abadia do Monte Saint-Michel é uma verdadeira enciclopédia da arquitetura medieval", diz.
A exposição "A Morada do Arcanjo" fica em cartaz na abadia do Monte Saint Michel até o dia 5 de novembro de 2023.
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