Acessar o conteúdo principal
Rendez-vous cultural

"Faz escuro mas eu canto": obras da 34ª Bienal de São Paulo são expostas em Arles

Publicado em:

O centro cultural Luma Arles, no sul da França, inaugura nesta sexta-feira (16) a exposição itinerante “Faz escuro mas eu canto”, com obras da 34a Bienal de São Paulo, realizada em 2021. Até março, o público francês poderá conferir uma seleção de trabalhos - entre pinturas, fotografias, vídeos, experiências sonoras e instalações - deste que é um dos maiores eventos dos circuitos artísticos internacionais do mundo. 

Cartaz da exposição "Même dans la pénombre je chante encore" ("Faz escuro mas eu canto”), com obras da 34ª Bienal de São Paulo no Luma Arles, no sul da França.
Cartaz da exposição "Même dans la pénombre je chante encore" ("Faz escuro mas eu canto”), com obras da 34ª Bienal de São Paulo no Luma Arles, no sul da França. © Luma Arles/Divulgação
Publicidade

Daniella Franco, da RFI

A mostra “Faz escuro mas eu canto” conta com 14 artistas de sete nacionalidades diferentes, autores de obras que fazem eco aos recentes acontecimentos políticos no Brasil, trazem à tona questões pós-colonialistas, ambientais e sobre os povos indígenas. 

Em entrevista à RFI, Jacopo Crivelli Visconti, curador da 34ª. Bienal de São Paulo, falou sobre a decisão de levar a exposição itinerante para Arles, depois de ela ter passado por várias cidades brasileiras e Santiago, no Chile.

"Esse é um encontro de um desejo institucional da Bienal de São Paulo, de ter as obras viajando, e um desejo, do ponto de vista curatorial, de mostrar como uma obra de arte ou uma exposição sempre quer dizer coisas diferentes, dependendo do contexto de onde ela é vista", explica.

Essa é a primeira vez que uma exposição itinerante da Bienal de São Paulo é realizada na Europa. Para Jacopo, o público francês não terá dificuldade de imersão ou compreensão das obras. 

"Acho que as temáticas serão compreendidas perfeitamente. Fizemos esse esforço já na própria concepção da Bienal de São Paulo: partir sempre de elementos ou episódios da história brasileira, mas para falar de questões absolutamente urgentes na maioria dos lugares do mundo, como a questão ecológica, por exemplo. Lutas pela justiça e pela igualdade racial ecoam de uma maneira muito forte no Brasil, mas na França também já há muito tempo", ressalta. 

Reagir através da arte

Algumas obras da série "Mata", da artista brasileira Alice Shintani, fazem parte dos trabalhos expostos em Arles. São guaches sobre papel baseados em elementos da flora e fauna amazônicas, todas com o fundo preto. Ela contou à RFI sobre o contexto em que essas pinturas foram produzidas. 

"Esse trabalho foi realizado durante o confinamento, na pandemia, um momento angustiante para todo mundo e que coincidiu com o início do governo Bolsonaro. Estávamos vivendo todo aquele desmonte de políticais sociais e a forma como o governo estava lidando com a pandemia, negando vacina, além do crescente desmatamento. Tudo isso foi acontecendo ao mesmo tempo e gerou uma sensação de impotência. Não tínhamos como reagir, estávamos confinados dentro de casa", relembra. 

A maneira que a artista encontrou para superar a frustração foi trabalhando. "Pensei: 'quer saber, vou pintar flores no papel com tinta guache', que foi o material mais prosaico que eu tinha em casa, pra reagir de alguma maneira. Foi uma forma muito íntima minha de tentar lidar com aquilo que eu estava sentindo naquele momento", completa. 

“Faz escuro mas eu canto” também foi o tema da 34ª. Bienal de São Paulo, em homenagem a um verso do poeta Thiago de Mello, escrito durante a ditadura militar no Brasil. O poema posteriormente virou música, que foi interpretada po Nara Leão em 1966. 

"Naquela época da ditadura militar, quando o poema foi escrito por Thiago de Mello, esse escuro era algo projetado para fora, diante da violência, das pessoas sendo mortas, desaparecidas, presas. Mas, atualizando para o momento presente, fiquei me questionando se escuro está realmente só do lado de fora. Porque hoje a gente aponta tanto para o outro, mas esquece de olhar para dentro de nós. E essa escuridão pode estar dentro da gente também", explica. 

Ñamíriwi'í ou a Casa da Noite

A artista e a ativista indígena Daiara Tukano terá uma obra exposta em Arles, Ñamíriwi'í ou a Casa da Noite, que faz referência às narrativas de criação do povo Tukano Yé'pá Mahsã. Segundo a tradição desta etnia, no início da humanidade existia apenas o dia e foi preciso procurar a noite, que estava guardada em uma caixa. Quando aberta, revelaram-se novos horizontes. 

"Essa tela faz parte de uma série de pinturas que fala sobre as mirações do arco-íris, de todas as luzes, todas as cores que se iniciam por esse momento da escuridão. Talvez, no meio de todos os devaneios, um dos objetivos da noite, além do descanso, possa ser esse sonhar, a capacidade de atravessar mundos através de nossas visões, desde esse ponto de origem no escuro, de onde surge a luz", diz. 

Para Daiara Tukano, poder participar da primeira mostra da Bienal de São Paulo na Europa "é uma alegria". A artista, que morou na França durante a infância, acredita que o público europeu pode se conectar à sua obra. "Mas compreender, não sei. Seria prepotência demais achar que qualquer um de nós possa compreender a potência da arte, a potência de nossas expressões", observa.

Segundo ela, o caráter político da participação dos povos originários em eventos culturais e artísticos contemporâneos é de extrema importância. "Espero que ao menos possa surgir uma curiosidade do público europeu em relação aos debates e desafios que acompanham as presenças indígenas, não apenas sobre a luta por nossos territórios, que é a questão mais emergencial, mas também a compreensão que nossos territórios não são apenas um espaço físico; são também um espaço de pensamento, de filosofia, de visão e postura diante do mundo", conclui.  

“Faz escuro mas eu canto” fica em cartaz no centro cultural Luma Arles até 5 de março de 2023. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.