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O Mundo Agora

A guerra entre Israel e o Hamas e o labirinto das palavras

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Na sexta-feira, 27 de outubro, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução proposta pela Jordânia pedindo uma “trégua humanitária”, sustentável e incondicional, que permitisse o acesso da população da Faixa de Gaza à ajuda que lhe está sendo concedida por inúmeros países da cena internacional.

Membros do Crescente Vermelho distribuem ajuda para a população de Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza. Foto divulgada em 25/10/2023.
Membros do Crescente Vermelho distribuem ajuda para a população de Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza. Foto divulgada em 25/10/2023. via REUTERS - PALESTINE RED CRESCENT SOCIETY
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Flávio Aguiar, analista político

A resolução, que não é vinculatória ou coercitiva, foi aprovada por 120 votos a favor, 14 contrários, 45 abstenções e 14 ausências, dentre os 193 países membros da Assembleia Geral.

Como de costume, o exame dos votantes é revelador sobre o cenário geopolítico. Além de Estados Unidos e Israel, votaram contra a resolução apenas Áustria, Hungria, República Tcheca, Croácia, Guatemala, Paraguai e mais seis pequenos países-ilhas ou arquipélagos do Oceano Pacífico.

Dentre as abstenções, houve o voto de vários tradicionais aliados dos Estados Unidos, como Canadá, Reino Unido, Itália, Índia, Alemanha, Ucrânia, Japão, Coreia do Sul, Polônia e Austrália. A França votou a favor da resolução, bem como o Brasil. A resolução, aliás, retomava a proposta levada pelo Brasil para o Conselho de Segurança da ONU, que só não foi aprovada graças ao veto dos Estados Unidos. Embora não seja coercitiva, a resolução tem inegável peso político, evidenciando o isolamento dos Estados Unidos e de Israel no cenário geopolítico.

Vocabulário do conflito

Em meio à guerra das propostas apresentadas sobre a questão, as poucas aprovadas e as muitas rejeitadas, destaca-se a dança nada alegre, por vezes macabra, das palavras em jogo. Por mais confusas que pareçam, elas obedecem a um vocabulário preciso, definido pela Organização das Nações Unidas. 

“Cessar-fogo” ou “trégua” implicam uma adesão acordada entre as partes em guerra, seja temporária ou permanente, em geral antecedendo uma solução negociada diplomaticamente para o conflito. Nem os Estados Unidos nem Israel aceitam tais termos, alegando que eles favorecem o Hamas e contrariam o “direito de Israel à autodefesa”.

Já uma “pausa humanitária” implica a suspensão temporária de ataques para que algum tipo de socorro possa ser levado à população civil atingida. Ao contrário do “cessar-fogo” ou “trégua”, ela pode ser adotada unilateralmente por uma das partes do conflito. 

O mesmo acontece em relação a um “corredor humanitário”, como o que se pretende estabelecer a partir do Egito para socorrer a população civil de Gaza.

Pode-se constatar a complexidade da questão lembrando que na semana passada uma reunião de cúpula da União Europeia demorou dois dias para chegar a uma resolução pedindo o estabelecimento de “pausas humanitárias” no bombardeio aéreo da Faixa de Gaza, pois este termo não seria contrário ao “direito de Israel à autodefesa” diante do ataque “terrorista” do Hamas.

Este termo - “terrorista”  - é outro que entra na dança das palavras. O Hamas é considerado oficialmente como “terrorista” apenas por sete países (Austrália, Canadá, Israel, Japão, Paraguai, Reino Unido e Estados Unidos) além da União Europeia. Fica a pergunta se a adesão da UE à definição implica o seu reconhecimento automático por parte dos 27 países-membros.

Em 2018, o governo dos Estados Unidos apresentou uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU declarando o Hamas um grupo “terrorista”, mas ela teve um único voto a favor, o norte-americano. Igual tentativa fracassou na Assembleia Geral. Em parte, isto se deve à  complexidade do Hamas, que tem um braço político e social e outro militar - as Brigadas Izz-al-Din e Qassam - ambas atuando com grande independência.

Mudança ?

Talvez o ataque de 7 de outubro passado, inequivocamente um ato terrorista contra a população civil, venha a mudar esta situação. Mas é difícil. Os países árabes tendem a não aceitar uma resolução que defina aquela ação do Hamas como “terrorista” sem que igual classificação seja aplicada aos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza.

Enquanto prossegue a dança diplomática das palavras, também prossegue o martírio da população civil de parte a parte: até o domingo, 28 de outubro, os números oficiais ostentavam quase 8 mil palestinos mortos em Gaza, além de mais de uma centena na Cisjordânia ocupada por Israel, com cerca de 20 mil feridos, e 1.405 mortos em Israel, com 5.431 feridos. Uma grande parte destes números era de crianças e mulheres. E no baile das palavras permanecia barrada a palavra “paz”.

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