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O Mundo Agora

O direito ao aborto na Europa e a polêmica brasileira

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No dia 22 de setembro, pouco antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, inaugurou a votação sobre o processo de descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas da gravidez. O voto da ministra, que era a relatora do processo, foi positivo. A votação será retomada presencialmente em data ainda a ser fixada.

Uma mulher segura um cartaz em apoio ao aborto legal durante uma passeata no Dia Internacional do Aborto Seguro na Avenida Paulista, em São Paulo, Brasil, em 28 de setembro de 2023.
Uma mulher segura um cartaz em apoio ao aborto legal durante uma passeata no Dia Internacional do Aborto Seguro na Avenida Paulista, em São Paulo, Brasil, em 28 de setembro de 2023. AFP - MIGUEL SCHINCARIOL
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Flávio Aguiar, analista político

O tema é polêmico, envolvendo aspectos de saúde pública, éticos, religiosos, jurídicos, penais e last, but not least, de direitos humanos, no caso do direito das mulheres ao controle sobre seu próprio corpo, conforme as defensoras e os defensores da descriminalização, ou do direito do feto à vida desde a concepção, conforme as opositoras e os opositores.

O tema do aborto se implantou de vez no Brasil, curiosamente dentro e fora do país. Na semana passada o filme brasileiro Levante, de Lilah Halla, ganhou o primeiro prêmio da categoria ficção no Festival de Cinema Latino-Americano em Biarritz, na França. A protagonista do filme é uma jogadora de vôlei que, às vésperas de um jogo decisivo para sua carreira, descobre que está grávida e deseja interromper a gravidez. O filme já merecera menção de melhor filme de estreia na mostra paralela do Festival de Cannes, também na França. E no começo do ano o filme Infantaria, de Laís Santos Araújo, que também aborda o tema do aborto, ganhara o Prêmio Especial do Júri na seção Generation 14Plus, na Berlinale, o Festival Internacional de Cinema de Berlim.

Na maioria dos países europeus o aborto mediante pedido da mulher grávida é descriminalizado. Encontram-se neste caso países tão diferentes em matéria de tradições culturais, políticas e religiosas como a Itália e a Rússia, a França e a Turquia, a Irlanda e a Suécia, Portugal e Hungria, Espanha e Ucrânia, para citar alguns exemplos. Em alguns casos a liberalização da prática do aborto foi muito precoce, como na extinta União Soviética e também em vários países que pertenciam ao finado Pacto de Varsóvia, do antigo Leste geopolítico da Europa. Em geral o prazo da permissão varia entre 10 e 14 semanas de gravidez. Na maioria dos países o prazo é de 12 semanas. Mas há exceções: na Islândia o prazo é de 22 semanas, e na Holanda, 24.

A Finlândia e o Reino Unido são considerados países onde há leves restrições ao aborto, embora neste último país seja permitido requerer um aborto até as 24 semanas de gravidez, Já a Polônia, Liechtenstein, Mônaco e San Marino são considerados países onde as restrições são muito severas, como no Brasil, onde o aborto só é admitido em casos de estupro, risco de vida da mãe e anencefalia do feto. Em San Marino um plebiscito recente aprovou a descriminalização, mas a matéria ainda deve ser regulada em lei.

Em Malta e Andorra o aborto é proibido. Um caso curioso é o da Dinamarca, país considerado liberal na matéria. Entretanto nas Ilhas Faroe, sob sua jurisdição, o direito ao aborto ainda é restrito por limitações muito severas.

Organizações não-governamentais assinalam que a descriminalização ou legalização do aborto é uma coisa; mas a garantia de acesso é inteiramente outra.  Apontam como exemplo o caso da Itália, onde a maioria dos médicos se recusa a fazer abortos, alegando motivos éticos ou religiosos. Sublinham ainda que o custo da operação pode ser muito alto, como no caso das clínicas particulares na Hungria. Por fim, defendem que a regulamentação do aborto deixe de ser feita dentro do Código Penal e passe definitivamente integrar o capítulo dedicado à Saúde Pública ou o dedicado a Direitos Humanos. Motivo: mesmo onde seja apenas descriminalizado, o aborto continua sendo uma prática ilegal. Só que a paciente e quem faça o aborto não serão punidos, mas “perdoados”.

O dia 28 de setembro é considerado mundialmente como o Dia Internacional pelo Aborto Seguro. Faz muito tempo que a data integra as mobilizações em favor da descriminalização do aborto na América Latina. A partir de 2011 a Rede Internacional de Mulheres pelos Direitos de Reprodução decidiu que a data deveria ser adotada mundialmente. A escolha do dia 28 de setembro se deu para comemorar a data em que, no ano de 1871, o Parlamento do então Império do Brasil aprovou a Lei do Ventre Livre, que declarava libertos os filhos de escravas.

E foi no dia 28 de setembro que a ministra Rosa Weber pediu sua aposentadoria da presidência e do seu cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal, seis dias após declarar seu voto histórico pela descriminalização do aborto até as 12 semanas de gravidez.

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