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O Mundo Agora

Lula precisa tomar cuidado com as tensões geopolíticas no encontro com Xi Jinping em Pequim

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A viagem de Lula à China cumpre a meta inicial de seu governo no campo da diplomacia: demonstrar uma equidistância dos EUA e da China, a fim de buscar se beneficiar das relações com os dois países. Essa foi a postura dos dois primeiros governos de Lula e, obviamente, faz muito sentido, dado o posicionamento histórico brasileiro de neutralidade no que é possível.

Pequim enviou uma delegação de alto escalão para a posse de Lula: o ex-presidente chinês Wang Qishan cumprimenta o petista em 1° de janeiro de 2023, em Brasília.
Pequim enviou uma delegação de alto escalão para a posse de Lula: o ex-presidente chinês Wang Qishan cumprimenta o petista em 1° de janeiro de 2023, em Brasília. © REUTERS - RICARDO MORAES
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Thiago de Aragão, analista político

Por mais que a lógica na cabeça de Celso Amorim, assessor-chefe da Assessoria Especial do presidente Lula, seja baseada na noção de equidistância, o que muda desde quando Lula encerrou seu segundo governo é a situação geopolítica global.

Lula conversou com Joe Biden em sua ida aos EUA e deixou claro ao presidente americano que não tomará parte em ações de contenção da influência chinesa na América Latina. Não era o que Biden queria ouvir, mas tampouco foi uma surpresa para o governo americano. Xi Jinping certamente não pedirá para o Brasil tomar uma posição pública de aliança com a China e antagonismo em relação aos EUA, pois a diplomacia chinesa não funciona assim.

No entanto, muita coisa mudou nesses últimos anos. O mundo está mais polarizado do que nunca e Lula, mesmo com o seu alto interesse em política externa, precisa estar atento a detalhes que normalmente não são levados em conta por assessores próximos.

Em primeiro lugar, as tensões entre China e EUA são crescentes e dinâmicas. Os nervos estão à flor da pele, e o governo brasileiro deve tomar muito cuidado com o que o presidente Lula dirá em Pequim. Um posicionamento a favor da China contra Taiwan cairia muito mal na comunidade internacional. Assim como Lula minou a possibilidade de mediar um cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia a partir do momento que dividiu, irmãmente, a culpa pela guerra entre os dois países. Em relação a Taiwan, o ideal é ficar quieto e não mencionar nada nessa linha.

Um segundo ponto importante é que certamente Lula e seus assessores mais próximos sabem que a “tecnologia” é o ponto central das tensões entre EUA e China. A Huawei é vista como um grande risco por americanos e europeus, enquanto o governo Lula não vê a empresa chinesa dessa forma. Um eventual anúncio de cooperação e/ou de comercialização de produtos tecnológicos ligados às listas de sanções impostas pelos americanos contra a China poderá prejudicar e muito a ampliação de empresas americanas e europeias operando no Brasil. No campo das telecomunicações, por exemplo, poderia surgir uma crise de confiança no fluxo de dados entre empresas no Brasil que trabalham com operadoras que utilizam os kits de 5G da Huawei.

Terceiro ponto: o posicionamento chinês a favor da Rússia na guerra da Ucrânia é público e notório. Um comunicado conjunto entre Lula e Xi nessa linha, independentemente da mensagem que saia dos dois, não seria bem recebido e seria visto como um erro diplomático. Dada a posição de Xi em relação à guerra, qualquer coisa que saia da boca de Xi sobre esse tema, com Lula em pé ao seu lado, seria prejudicial.

Apesar desses riscos “operacionais”, a viagem não deixa de ser extremamente importante para o país. A China, como principal parceira econômica do Brasil, inevitavelmente estimula a ida de uma enorme comitiva brasileira. Enquanto os acordos que serão discutidos e assinados no campo do agronegócio e comércio serão indubitavelmente positivos, os que poderão surgir nas áreas de cooperação em ciências e tecnologia merecem uma atenção maior aos riscos.

A diplomacia brasileira está acostumada a missões presidenciais repletas de alegrias, oba-oba e boas notícias. A ida de Lula à China conterá tudo isso, dado o perfil do presidente brasileiro. No entanto, desde a ida de Lula ao Irã em 2010 para tentar, ao lado de Mahmoud Ahmadinejad, fechar um acordo nuclear, o Brasil não tem um presidente visitando um país onde riscos silenciosos podem se tornar custosos, seja por uma frase mal colocada ou um sorriso fora de hora.

O ponto de interrogação permanece em relação à esdrúxula ideia da diplomacia brasileira de mediar uma solução para a guerra na Ucrânia. Obviamente, China e Rússia se colocarão a favor do plano brasileiro, pois beneficia claramente a Rússia ao tentar equiparar os atos russos aos ucranianos. Lula é um presidente ativo na política externa e benquisto em vários países do mundo. Isso não quer dizer, no entanto, que entenda dos detalhes e nuances dos temas complexos da geopolítica global.

O projeto de mediar o fim da guerra, apresentando tudo que a Rússia sonha em ter, prejudica e muito a imagem do Brasil no mundo, mesmo em um momento em que praticamente qualquer coisa que Lula faça gere resultados melhores do que a bizarra política externa de Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro. Na China, Lula terá em Xi Jinping um aliado para esse plano de mediação, justamente por ser inatingível e benéfico apenas para a Rússia e, consequentemente, para a China.

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