Combate à Covid, crise de migrantes e conflitos geopolíticos marcaram a Europa em 2021
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Ouvir - 07:40
2021 foi o ano em que a pandemia anunciou que veio pra ficar. No fim de 2020 se dizia: evitemos grandes festas neste Natal para podermos festejar o do ano que vem. Pois o ano que vem veio e tudo se complicou de novo: embora identificada primeiro na África do Sul, a nova variante ômicron colocou de novo a Europa no olho do furacão.
Flavio Aguiar, de Berlim
E mostrou também que ainda há muita desorganização e falta de sinergia entre as cidades de cada província, as províncias de cada país, e entre os países do continente. Do Oceano Atlântico aos monte Urais, do Círculo Polar ao Mar Mediterrâneo, a situação é considerada assustadora.
Por falar em Mediterrâneo, as tragédias dos barcos que nele afundam e das pessoas que se afogam continuaram ao longo deste ano. Mas a questão dos refugiados ganhou novo e dramático contorno com a crise na fronteira entre a Polônia e a Belarus, que mobilizou ameaças e troca de farpas envolvendo, além destes dois países e as vizinhas Lituânia e Letônia, a Rússia e a União Europeia. O conflito entre os dois países foi mais amortecido do que solucionado. Como é costume, o lado mais vulnerável - o dos refugiados - foi o que sofreu mais. Detidos na fronteira por meses a fio, sofreram frio, fome, falta de medicamentos e vários deles morreram em consequência das privações.
A Rússia foi e é protagonista de duas outras crises de grande porte. A primeira foi a detenção e perseguição judicial ao dissidente Alexei Navalny, que sofreu um envenenamento em 2020, tratou-se na Alemanha, e em 2021 voltou à Rússia, onde foi detido. Paralelamente, a Belarus protagonizou outra crise por prisão de um dissidente. Um avião da RyanAir que seguia da Grécia para a Lituânia foi desviado pela Força Aérea bielorrussa e forçado a pousar em Minsk para que o dissidente e sua namorada fossem presos, o que provocou pesadas sanções contra o país por parte da União Europeia.
Tensão Rússia e Ucrânia
A segunda crise, das mais graves, foi o aumento da tensão política entre a Rússia e a Ucrânia, envolvendo os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN. A Rússia concentrou tropas na fronteira com a Ucrânia e a OTAN, junto com Estados Unidos e também a União Europeia vem manifestando a preocupação de que isto possa levar a uma agressão militar.
O governo russo diz que a concentração das tropas tem caráter defensivo diante da ameaça, por parte da OTAN, de instalar tropas e mísseis em território ucraniano, coisa que Moscou considera inaceitável. Logo depois do Natal o governo russo anunciou a retirada de 10 mil soldados da fronteira, e há esperança de que em janeiro comece a tentativa de uma solução diplomática para a crise, esforço em que a União Europeia poderia tomar parte. Mas o risco de um confronto armado não está descartado.
Social-democracia x extrema direita
A União Europeia foi palco de uma progressão política em pinça. De um lado, 2021 foi marcado pelo renascimento da social-democracia europeia de suas próprias cinzas. Partidos social-democratas ou semelhantes se firmaram como a opção preferencial nos países nórdicos e na Península Ibérica.
O feito mais notável desta tendência foi a vitória do SPD alemão, que de coadjuvante no passado governo liderado por Ângela Merkel passou a protagonista do novo governo, dividindo seu espaço com os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP), de centro-direita. Olaf Scholz, o novo chanceler, pretende continuar a tradição de Merkel, que deixou a cena política, mantendo a Alemanha como o fio de prumo e fiel da balança da União Europeia e reconduzindo esta a uma posição de liderança na geopolítica mundial.
Na outra “haste da pinça”, digamos assim, está o avanço de partidos políticos e movimentos de extrema direita no continente. Este crescimento chega a pôr em risco o governo francês de Emmanuel Macron, que enfrentará eleições em abril, ameaçado também pelo partido da direita tradicional, Os Republicanos, liderado agora por Christian Jacob e que terá Valérie Pécresse como candidata ao Palácio do Eliseu.
Os movimentos da direita mais radical vem tentando capitalizar, em vários países, o descontentamento com o rigor das medidas sanitárias contra a pandemia, ao lado de seus temas tradicionais, como o xenofobia, a islamofobia e até mesmo o antissemitismo, que não desapareceu. Um novo elemento a engrossar esta política de fobias foi impulsionado no continente pela presença de refugiados do Afeganistão, forçados a deixar este país depois da debacle catastrófica do Exército Norte-americano e de seus aliados.
Inflação e crise ambiental
Dois outros problemas que assolaram e assolam a Europa são a crise inflacionária e a urgência de combater o aquecimento global. A inflação vem crescendo dramaticamente em vários países, puxada pelo aumento exponencial do custo da energia em quase todo o continente, despontando aí a dependência continental em relação ao fornecimento do gás russo, cujos gasodutos atravessam a Ucrânia e o Mar Báltico, ao norte.
A duplicação do gasoduto que liga a Rússia diretamente à Alemanha está quase pronta, adicionando um componente também salgado à crise entre Moscou e Kiev, que teme perder parte de sua renda derivada do pedágio que o país recebe pela travessia do gás.
O problema da matriz energética está diretamente vinculado ao do aquecimento global. A conferência sobre o clima, realizada em Glasgow, no Reino Unido, se marcou o retorno dos Estados Unidos a esta arena, depois dos anos do governo Trump, deixou a desejar, segundo muitos especialistas no plano das resoluções práticas, marcada por muita retórica e poucas decisões concretas.
Neste quesito, não podemos deixar de registrar o catastrófico declínio do prestígio do governo brasileiro junto a diversos países da União Europeia, que vêm com crescente desconfiança a falta de medidas efetivas de proteção à Floresta Amazônica.
Desafios da UE em 2022
Por fim, last but not least, cabe registrar o desafio que a União Europeia irá enfrentar em 2022, a saber, o de como agir diante da intensificação do conflito, por ora diplomático, econômico e político entre os Estados Unidos e a China.
O conflito trouxe um problema extra para o continente, com a indignação francesa diante do que considerou uma gesto traiçoeiro por parte dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Austrália, referente à construção de submarinos para este país, cancelando o contrato prévio que existia entre Canberra e Paris.
O conflito, que ainda não se encerrou, prova, mais uma vez, que no cenário geopolítico não há princípios nem amizades eternas, somente interesses em jogo.
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