Acessar o conteúdo principal
O Mundo Agora

Social-democrata favorito à eleição na Alemanha é "oposição situacionista ou situação oposicionista"

Publicado em:

Se há uma coisa que a maioria do eleitorado alemão dá sinais de apreciar, é a estabilidade no governo. Essa maioria é avessa a guinadas bruscas, ou mesmo a guinadas de qualquer espécie. Se comparássemos o candidato com um motorista de automóvel, o pior que ele pode propor é fazer um cavalo-de-pau. Ele deve de preferência propor, no máximo, pequenas inflexões para lá ou para cá.

Cartazes eleitorais dos principais candidatos alemães à chanceler Annalena Baerbock, co-líder do Partido Verde; Armin Laschet, primeiro-ministro do estado da Renânia do Norte-Vestfália e líder da União Democrata Cristã (CDU), e Olaf Scholz, ministro alemão das Finanças do Partido Social Democrata (SPD) (Esq-direita), são vistos em Hamburgo, Alemanha, em 31 de agosto de 2021.
Cartazes eleitorais dos principais candidatos alemães à chanceler Annalena Baerbock, co-líder do Partido Verde; Armin Laschet, primeiro-ministro do estado da Renânia do Norte-Vestfália e líder da União Democrata Cristã (CDU), e Olaf Scholz, ministro alemão das Finanças do Partido Social Democrata (SPD) (Esq-direita), são vistos em Hamburgo, Alemanha, em 31 de agosto de 2021. REUTERS - FABIAN BIMMER
Publicidade

Flávio Aguiar, analista político 

Veja-se o caso da candidata pelo Partido Verde, Annalena Baerbock. Quando assumiu a liderança do partido, era a favorita para a eleição de 26 de setembro próximo. Com 40 anos, jovem para o padrão etário geriátrico da política alemã, deu mostras de alguma impulsividade, prometendo mudanças de rumo, por exemplo, com uma oposição mais rigorosa em relação à Rússia de Vladimir Putin.

O presidente russo não desfruta de simpatia entre a maior parte do eleitorado alemão. Porém, o gás russo —do qual depende a política energética do país— sim. Resultado: Annalena e os Verdes foram caindo nas pesquisas; dos quase 25% que tinham, hoje lhes restam modestos 17%.

A candidata ainda enfrentou acusações de plágio num livro publicado às pressas. As acusações não eram 100% convincentes, mas isto tampouco a ajudou.

Liderença efêmera do candidato conservador

Assumiu a liderança a coligação conservadora da União Democrata Cristã (CDU), da atual chanceler Angela Merkel, e sua irmã siamesa, a União Social Cristã (CSU) da Baviera. Mas, depois de 16 anos de “reinado” na Alemanha e na União Europeia, Merkel não é mais candidata. Em seu lugar concorre Armin Laschet, atual chefe de governo da província da Renânia do Norte-Vestfália. Acontece que há mais um “mas” no meio da história.

Laschet é uma incógnita. No começo da pandemia, teve uma atitude “liberal”, negando-se a impor restrições sanitárias na província. O resultado não foi bom. Depois, ao se tornar candidato, se aproximou das propostas mais rigorosas de Angela Merkel. Além disto, não tem o carisma da chanceler que agora deixa o cargo.

Resultado: Laschet caiu nas pesquisas, saindo de 23 ou 24% para os incômodos 20% de hoje.

Social-democrata favorito

Quem subiu? Olaf Scholz, o candidato do Partido Social Democrata (SPD), que, depois de dormitar durante 16 anos à sombra da chanceler como parte de seu governo, se apresenta hoje como alternativa de oposição, desfrutando de quase 25% da preferência do eleitorado. Oposição? Ora, ora… vejamos.

Como parceiro da coligação que sustenta o governo de Merkel, Scholz é o ministro das Finanças e atual vice-chanceler. Pelas curiosas alquimias de política alemã, Scholz tornou-se candidato… à continuidade das políticas da chanceler! É a perfeita oposição situacionista ou a situação oposicionista!

A própria chanceler se sentiu na obrigação de declarar que a eleição de Scholz pode significar uma brusca guinada à esquerda, porque poderia fazer uma aliança com o PV e também com a Linke, bem mais à esquerda do que o SPD.  Vai surtir efeito para barrar as pretensões de Scholz? Impossível saber hoje.

Sistema eleitoral alemão

O sistema eleitoral alemão prevê que o eleitor disponha de dois votos: um no candidato do seu distrito e outro, genérico, no partido de sua preferência. Os dois votos não são vinculados, o que torna um tanto incerto o resultado final, pois uma parte dos componentes do futuro Parlamento (o Bundestag) é eleita pelo voto partidário e na lista interna que cada partido tem.

Desta vez, a resultante de tanto equilíbrio pode ser meio desequilibrada: pela primeira vez em dezenas de anos o governo alemão poderá se formar a partir de uma coligação com três partidos independentes, ao invés de dois, como hoje (A CDU/CSU, que conta como um único partido, e o SPD).

A estabilidade alemã vem sendo ameaçada por desequilíbrios graves. Além do vai-vem da pandemia, das inundações terríveis de julho, com quase duas centenas de mortos, milhares de desabrigados e cidades destruídas, e de uma nova leva de refugiados resultante da fracassada política no Afeganistão, a inflação anual pode superar a casa dos 3,5%. Para uma economia que se orgulhava de um índice próximo de zero, esse resultado soa como as trombetas do Apocalipse.

União Europeia

De resto, fica também a incógnita do que o 26 de setembro vai significar para o continente, porque, sem dúvida, no “reinado” de Merkel, a Alemanha tornou-se o fiel da balança e o fio de prumo da União Europeia.

Uma vitória do SPD poderia significar de fato uma leve inflexão à esquerda, com ampliação de programas sociais, relativos ao meio ambiente e aos refugiados. Ou poderia significar a confirmação da máxima de um dos personagens de "Il Gattopardo"("O Leopardo"), romance de Giuseppe Lampedusa e filme de Lucchino Visconti: “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. A ver.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.